Faz praticamente um ano que o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, lançou o Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB). A ideia do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) com a iniciativa é qualificar e aprimorar a rastreabilidade desses animais.
Como? Implementando um sistema de identificação individual que permitirá acompanhar e registrar o histórico, a localização atual e a trajetória de cada animal identificado.
O movimento prevê o início da identificação individual dos animais entre 2027 e 2029, com a previsão de atingir todo o rebanho até 2032.
Antes mesmo da implementação, no entanto, o PNIB reacendeu a discussão sobre essa obrigatoriedade e colocou uma série de dúvidas em como tirar o planejamento do papel e colocar o País como referência em uma nova era da pecuária.
Nesse contexto, a Mesa Brasileira de Pecuária Sustentável (MBPS) acaba de divulgar um estudo, encomendado à consultoria Agroícone e com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS), mapeando como o Pará pode se tornar um dos eixos estruturantes do novo ciclo regulatório do setor.
O documento elaborado defende a tese que o estado reúne, ao mesmo tempo, gargalos históricos e potencial produtivo suficiente para ser um laboratório natural de políticas de rastreabilidade inclusivas e escaláveis.
Em entrevista ao AgFeed, o vice-presidente da MBPS, Lisandro Inakake de Souza, afirmou que a vantagem do estado está justamente nessa combinação.
O Pará hoje concentra 10% do rebanho bovino brasileiro. De acordo com o IBGE, a população de bois no estado está em cerca de 25,6 milhões de cabeças neste ano, tornando o estado como o segundo maior do País em rebanho bovino, atrás apenas do Mato Grosso.
“O que o Pará está propondo é construir algo estruturante, que permita que a agenda seja universal e alcance todo o rebanho”, disse Souza.
O município de São Félix do Xingu (PA) continua na liderança entre as cidades, com 2,5 milhões de cabeças de gado.
O estudo mapeou que, apesar do tamanho do mercado, enfrenta muitos desafios que podem ser superados: baixa produtividade em boa parte das áreas, entraves fundiários persistentes, problemas ambientais mal resolvidos e dificuldades de acesso ao crédito.
Com isso, os produtores estão afastados de mercados consumidores de carne brasileira que são mais exigentes, sendo que em alguns casos, exigem rastreamento individual.
Lisandro Inakake de Souza, da MBPS, explica que superar essa barreira passa por criar incentivos que funcionem no dia a dia do produtor.
“São elementos que vão se compondo e permitem que isso se torne permanente. O Pará já tem um sistema de gestão estabelecido, operadores treinados, mas faltam os mecanismos que compõem esse ecossistema: desde qualificação comercial até caminhos de regularização e recuperação de áreas desmatadas”, disse.
O estudo argumenta que essa “vulnerabilidade” abre espaço para avanços mais rápidos, desde que acompanhados de incentivos coordenados.
O material propõe que a rastreabilidade seja tratada como ferramenta de eficiência e inclusão. A lógica é que, quando conectada a políticas de crédito, regularização e assistência técnica, ela se torna um mecanismo de entrada para pecuaristas de todos os portes.
O estudo estima que hoje, existem mais de 2,6 milhões de hectares no estado passíveis de intensificação. Com instrumentos de gestão, apoio técnico e uma previsibilidade regulatória maior, podem escalar a produtividade junto do atendimento às exigências dos importadores.
Outra proposta do estudo é criar uma plataforma única de rastreabilidade que reúna sanidade, origem, conformidade ambiental e movimentação animal.
De acordo com Lisandro Inakake de Souza, isso permitiria reduzir custos, organizar fluxos de informação entre fazendas, indústria e governo, além de aproximar produtores de certificações e linhas de crédito.
“Não basta identificar os animais. É preciso garantir que o produtor tenha acesso a regularização fundiária, crédito para recuperação de pastagens, assistência técnica qualificada e sistemas de monitoramento confiáveis”, disse.
O vice-presidente da Mesa também destacou a necessidade de integrar os instrumentos existentes, sejam do poder público ou de empresas privadas.
“Hoje temos ferramentas distribuídas. O Sisbov (Sistema Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos) assegura origem individual, alguns frigoríficos têm protocolos próprios, empresas demandam informações distintas. Mas ainda não temos a completude das ferramentas para uma rastreabilidade além da sanitária. É necessário construir instrumentos que conversem entre si”, afirmou.
Segundo Inakake, essa integração passa por incluir o produtor no centro da política, e não apenas exigir adequação.
“Mesmo na minoria de produtores com problemas socioambientais não adianta só apontar o dedo. É preciso trazer mecanismos que permitam o retorno desse produtor ao que a cadeia pede”, citou.
O documento ainda sustenta que, sem essa base integrada, a rastreabilidade corre o risco de se tornar apenas um custo adicional sem ganho econômico para quem produz.
O estudo elenca ainda outros caminhos: incentivos fiscais e creditícios vinculados ao cumprimento de requisitos de rastreabilidade; ampliação do acesso a certificações; e uma implementação gradual, para evitar exclusão produtiva em regiões onde a regularização fundiária e ambiental ainda avança lentamente.
Na prática, o Pará deve ser priorizado porque, ao mesmo tempo que tem um grande rebanho, encontra mais terreno para transições.
O vice-presidente da Mesa explica que não é possível mensurar o percentual de produtores do Pará que já possui níveis elevados de rastreabilidade, mas que olhar para outros estados pode ser um caminho.
Hoje, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná já estão aptos a exportar carne bovina para outros países.
Apesar disso, ele relembra que são perfis de produtor, capacidade de investimento e governança em níveis distintos.
Segundo ele, o Pará tem situações parecidas, mas, ao mesmo tempo, conta com uma região mais ao sul e sudeste do estado formada por pequenas propriedades, que ainda demandam uma ação mais forte de subsídios do governo estadual.
O crédito é outro ponto de atenção, de acordo com Lisandro Inakake de Souza. “O Plano Safra é limitado, e o recurso tende a ir onde há mais garantias e menos para regiões com mais risco ambiental, hídrico e climático. Mas dá para otimizar o financiamento com programas estaduais que olhem para a qualificação produtiva”, completou.
Resumo
- Pará concentra 25,6 milhões de cabeças e combina gargalos fundiários e ambientais com potencial produtivo, tornando-se candidato natural a laboratório da rastreabilidade.
- Estudo encomendado pela MBPS propõe integração de sanidade, origem, conformidade ambiental e crédito, com foco em incluir pequenos produtores e reduzir custos
- Implementação depende de incentivos coordenados: regularização, assistência técnica, recuperação de pastagens e linhas de crédito vinculadas à rastreabilidade