A decisão judicial inédita que concedeu tutela cautelar à Cotriba, suspendendo cobranças e execuções de dívidas da cooperativa gaúcha, deve ser alvo de recursos e controvérsia. A opinião é do próprio juiz que a deferiu.
Em entrevista ao AgFeed na tarde desta quinta-feira, 27 de novembro, Eduardo Sávio Busanello, que responde pela Vara Regional Empresarial de Santa Rosa (RS) e atende 32 comarcas, admite a medida reacende o debate jurídico sobre a possibilidade de cooperativas ingressarem em recuperação judicial e defende sua posição.
Confira a seguir os principais trechos da conversa.
O que exatamente a Cotriba está pedido na Justiça?
A cooperativa ajuizou uma tutela cautelar pedindo a antecipação do stay period, que é a suspensão das execuções contra o devedor. Na prática, é a antecipação de um efeito típico da recuperação judicial: impedir que credores levantem valores penhorados antes da análise do pedido principal.
Mas eles ainda não estão em recuperação judicial, certo?
Não. Na própria ação, informaram que pretendem ingressar com o pedido em até 30 dias. Nesse prazo, terão de emendar a petição. O ponto central é a discussão sobre cooperativas poderem ou não pedir recuperação judicial. A lei, literalmente, diz que cooperativas não têm esse direito — só poderiam entrar em liquidação. Mas entendi, com base em decisões anteriores, que é possível permitir o pedido.
Então o que o sr. decidiu agora?
Antecipei o stay period, suspendendo todas as execuções contra a cooperativa. O stay é o período de 180 dias, prorrogáveis por mais 180, em que ficam suspensas as execuções contra o devedor. Antecipei esse efeito para evitar o esvaziamento patrimonial antes da análise da recuperação.
O receio deles é a retirada de máquinas, estruturas, bens?
Há várias execuções em andamento e valores já penhorados. Eles pedem que esses valores não sejam levantados pelos credores agora e que, no futuro, esses credores se submetam ao eventual plano de recuperação.
Eles mencionam a dimensão dessa dívida?
Falam em cerca de R$ 1 bilhão. São mais de trinta bancos credores, algo em torno disso.
O sr. já tinha atendido um caso como esse?
De cooperativa? Não. Este é o primeiro. Mas minha vara é empresarial, então lido com recuperações toda semana, principalmente do agronegócio.
O agronegócio está muito endividado?
Sim. E as cooperativas estão passando pela mesma crise que os produtores, só que em maior escala. Estimamos cerca de R$ 50 bilhões em dívidas não pagas no agronegócio do Estado.
Essa dívida é só das cooperativas agrícolas?
Não, é de todo o setor agropecuário.
A decisão é inédita?
É inédita, porque há uma discussão grande sobre se cooperativas podem pedir recuperação judicial. Há anos isso é debatido. Eu entendi que, neste caso, podem ser tratadas como empresa. Mas certamente haverá recurso e o tribunal decidirá.
Então é uma decisão polêmica?
Sim. É polêmica porque é uma questão nova — se podem ou não podem pedir recuperação. O tribunal é quem vai dar a palavra final.
O sr. decidiu porque entende que, mesmo não sendo permitido hoje, pode vir a ser no futuro?
Decidi entendendo que cooperativa já pode pedir recuperação. Mas o tribunal pode modificar minha decisão.
Já existem credores tentando levantar valores?
Vários. Há valores bloqueados. Não sei exatamente quanto, mas é um valor significativo. A cooperativa praticamente não tem dinheiro em caixa.
O sr., na prática, está protegendo a cooperativa e também os produtores?
Sim, porque é uma crise do Estado. Nos últimos cinco anos, perdemos 49 milhões de toneladas de produção. Os produtores perderam R$ 106 bilhões e o Estado perdeu cerca de R$ 370 bilhões em arrecadação de 2020 a 2024.
Essa visão mais humana o sr. tem por conhecer bem o setor?
Eu sou produtor rural também, filho de agricultor. E estudo o sistema cooperativo porque 60% do meu trabalho envolve o agronegócio. Isso me ajuda a compreender o impacto real sobre as famílias e sobre os 9.500 produtores associados da Cotribá.
Pode-se dizer, então, que a Cotriba teve sorte de acabar “caindo” com alguém que entende profundamente o setor?
Talvez. Tenho afinidade com o setor, claro. E há um lado humanitário nisso: se cada credor for pegar um pouco, os primeiros levam tudo e os últimos nada. Minha decisão busca assegurar um plano que permita a todos receberem uma parte significativa.
Poderia explicar essa lógica?
Se alguém vai na sua casa e leva a geladeira, outro leva a televisão, outro o sofá… no final sobra pouco. É melhor vender tudo de forma organizada, preservando valor. A execução coletiva paga mais do que a individual. Na individual, o primeiro que chega pega tudo. O último pega a casa vazia.