Mais antiga cooperativa agrícola do Brasil, com 114 anos, e uma das maiores do Rio Grande do Sul, a Cotribá obteve nesta quinta-feira, 2 de novembro, na Justiça gaúcha, decisão favorável a um pedido de tutela cautelar antecedente, como forma de evitar execuções de suas dívidas, estimadas em mais de R$ 1 bilhão.

O requerimento foi acolhido pelo juiz Eduardo Sávio Busanello, titular da Vara Regional Empresarial de Santa Rosa (RS), em uma “decisão judicial inédita que estende os efeitos da Lei de Recuperação Judicial às cooperativas”, segundo informou a Cotribá, sediada no município de Ibirubá, em um comunicado.

“A decisão judicial tem como objetivo criar condições para reorganizar as dívidas com instituições financeiras e fornecedores, permitindo negociações equilibradas e sustentáveis”, diz a nota.

“Com isso, a Cotribá garante a manutenção de suas atividades essenciais – recebimento de grãos, venda de rações, insumos, supermercados e demais serviços – assegurando receita para cumprir suas obrigações e proteger o patrimônio coletivo”.

A cooperativa informa também que seus mais de 9,5 mil associados “não são atingidos pela medida”.

A informação, adiantada pelo Valor Econômico, aponta que intenção da entidade é se proteger da pressão de credores e de eventuais bloqueios em suas contas, que dificultariam a manutenção de suas operações.

Segundo a cooperativa, esse risco era iminente, já que vencimento de cerca de R$ 400 milhões em débitos acontece já no final deste mês e a cooperativa não tem caixa para quitá-los.

Em paralelo à proteção judicial, a administração da Cotribá busca selar um acordo com um possível investidor, que faria uma injeção de R$ 1,9 bilhão na cooperativa.

No próprio comunicado em que confirma a obtenção da tutela cautelar, a Cotribá deixa evidente que essa alternativa continua na mesa. Segundo o texto, o recurso judicial “faz parte de um plano de reestruturação que inclui planejamento e formatação de alianças estratégicas”.

Segundo um informativo enviado pela cooperativa aos associados no dia 14 de novembro – intitulado “Uma nova era de estabilidade e crescimento para a nossa cooperativa” e obtido pelo AgFeed –, um memorando de entendimento já teria sido assinado com um fundo de investimentos com sede no estado americano da Pensilvânia.

Apontado como “um dos parceiros estratégicos para a reestruturação financeira” da cooperativa, esse fundo estaria, segundo apurou o AgFeed, fazendo um “pente fino” nas contas e negócios da entidade.

O acordo com esse investidor faz parte de um plano apresentado pela direção da cooperativa aos seus associados em uma assembleia geral realizada no dia 29 de outubro.

Mais de 350 produtores teriam comparecido e teriam saído “bem confiantes” com o plano, segundo informou ao AgFeed um representante do grupo.

Na Assembleia, conduzida pelo vice-presidente Carlos Waldemar Wilke Diehl, a direção iniciou a apresentação dizendo que “chegou o momento da verdade” e fazendo um relato da evolução da situação da cooperativa ao longo dos últimos anos.

Os diretores da Cotribá admitiram que não esperavam tantos ciclos consecutivos de perdas de safra e que, assim como os associados, estava “eufórica” com a expansão e ampliação de investimentos feitos entre 2020 e 2023.

Eles só teriam se dado conta da crise geral em 2024, quando parte dos produtores não conseguiu mais entregar a soja que deu como garantia pelos insumos. Sem receber a soja de uma parte dos cooperados, a Cotribá, já sem fôlego de caixa apos anos de investimento, também não conseguiu pagar aqueles que entregaram - e assim, iniciou-se um ciclo perverso de prejuízos.

O recrudescimento da crise fez com que, no início de setembro passado, a cooperativa passasse a ser alvo de protestos constantes dos produtores, que faziam bloqueios em frente às suas unidades tentando impedir que os grãos lá armazenados (e não pagos) fossem entregues.

Em busca de alternativas, Celso Leomar Krug, presidente da Cotribá, foi buscar ajuda no mercado, contratando o primeiro CEO da cooperativa. O nome escolhido foi o de Luís Felipe Maldaner, professor universitário e administrador com carreira no setor bancário, inclusive como ex-diretor do Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Badesul).

Também foi criado um Comitê de Reestruturação para ajustar dívidas de curto prazo, reavaliar ativos e negociar prazos.

O plano de resgate

O resultado do trabalho dessa gestão foi a elaboração do plano apresentado aos associados, com o aceno da injeção dos investidores estrangeiros. Na apresentação, a diretoria revelou que o plano está calcado em quatro pilares: associados, fornecedores, bancos e securitização de dívidas.

A partir da assinatura do contrato com o fundo americano, os recursos começariam a ingressar no caixa da cooperativa em 60 dias. Com eles, a Cotribá iniciaria um processo de renegociação individualizada das dívidas em até 10 anos.

Uma parte do aporte seria destinado ao capital de giro, segundo a cooperativa informa no comunicado de 14 de novembro, “garantindo a saúde operacional do dia a dia”.

No mesmo comunicado, a diretoria informa que as dívidas com os produtores seria uma das prioridades. Seu pagamento começaria a ser feito imediatamente após o recebimento dos primeiros investimentos.

“Após a assinatura dos documentos definitivos, terá o início de aportes financeiros que serão direcionados para o pagamento dos saldos em aberto, finalizando em até 180 dias, liquidando integralmente as contas a pagar da cooperativa aos seus produtores, fornecedores e mercado financeiro”, diz o texto.

De acordo com o documento, a estrutura do acordo prevê a formação formada uma sociedade de propósito específico (SPE) entre a cooperativa e o investidor. Nessa sociedade, ficaria preservado o controle majoritário da Cotribá e seriam estabelecidos os termos da governança na parceria.

Segundo citado no informativo, a empresa investidora terá direito a 37,5% do resultado anual líquido da cooperativa, vinculando, assim, o retorno do aporte ao desempenho da Cotribá.

O mesmo documento informa que o plano não prevê a venda de ativos operacionais. Entretanto, segundo apurou o AgFeed, a expectativa da cooperativa pe iniciar em breve as negociações para alienação ou locação de cerca de 20 unidades de recebimento e armazenamento de grãos.

Resumo

  • Justiça concede tutela cautelar inédita que protege a Cotribá de credores enquanto dívidas acima de R$ 1 bi são negociadas
  • Cooperativa busca aporte bilionario de fundo dos EUA, com SPE e entrada de capital prevista para até 60 dias
  • Plano apresentado aos associados prioriza pagamento a produtores, reorganização financeira e possível alienação de unidades