Que o produtor está sempre de olho nas vontades de “São Pedro” para saber se vem chuva ou sol no dia seguinte, isso ninguém tem dúvida. O que gera incerteza, em alguns momentos, é a real preocupação dos produtores rurais em relação ao que se discute, por exemplo, na COP 30, a Conferência da ONU que trata das mudanças climáticas.

Debates ideológicos ainda contemplam visões “negacionistas”, como a própria postura do presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que vem cortando a destinação de recursos para qualquer pesquisa que trate de mudanças climáticas ou aquecimento global.

Mas qual será realmente a opinião do produtor rural sobre o tema? Ele estaria sendo influenciado pela questão política?

“O que a gente vê é o que aconteceu lá em Belém (na COP). Alguns dos líderes têm se manifestado. Mas ninguém efetivamente perguntou para o produtor se ele acha que as mudanças climáticas terão impacto ou não na sua propriedade, que é o principal. Então, a gente perguntou. Nós perguntamos para 3.100 produtores do Brasil inteiro”, disse Ricardo Nicodemos, presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA), em entrevista ao AgFeed.

A entidade concluiu esse ano a 9ª edição da pesquisa “Hábitos do Produtor Rural”. Apenas algumas partes das conclusões serão divulgadas para o grande público. A maior parte das informações fica restrita a empresas e associados que patrocinam o levantamento.

Durante o Congresso da ABMRA, em setembro, por exemplo, foram apresentados dados sobre como está o acesso à internet e quais os principais meios de informação no campo.

O AgFeed agora teve acesso, com exclusividade, a mais um recorte da pesquisa. O trecho abrange a preocupação do produtor com a sustentabilidade e com as mudanças climáticas.

A pesquisa foi feita ao longo deste ano com mais de 3 mil produtores de 16 estados brasileiros, que incluem 15 culturas agrícolas diferentes e 4 tipos de rebanhos de produção. Eles responderam 280 questões, ao todo, que vão de questões econômicas e financeiras, hábitos de mídia, até temas específicos como a sustentabilidade.

A primeira conclusão é que 86% acreditam em algum tipo de impacto com as mudanças no clima (como chuvas mais fortes, secas mais longas e temperaturas extremas) sobre a sua produção.

Neste item, o entrevistado optava por cinco opções diferentes, que começavam por “impacto muito alto” até “não vejo impacto”.

A maior parte das repostas foi de impacto alto (31%), moderado (23%) e leve (27%). A pesquisa indicou que 14% deles não veem impacto, já 5% responderam “muito alto”.

Na sequência dessa pergunta os produtores rurais foram questionados se enxergam barreiras para adotar novas práticas agropecuárias, com foco em mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

Aqueles que veem barreiras altas ou muito altas foram 31% do total. Em seguida estão os que consideram que há barreiras moderadas (28%), leves (28%) ou “nenhuma”, com 14%.

As perguntas sobre este tema foram elaboradas, segundo Nicodemos, por meio de uma parceria com a Embrapa. Ele diz ter ficado surpreso com os resultados porque já ouviu de diversas lideranças do setor a visão de que o produtor não estaria preocupado com mudanças climáticas ou então que colocava muitos obstáculos para fazer uma transição com foco na redução das emissões de gases de efeito estufa.

“Só 4% alegam barreiras muito altas e 27% daqueles que dizem ver barreias altas ou muito altas alegam que não conseguem adotar medidas de mitigação por falta de apoio técnico, crédito acessível ou confiança nos resultados. Quer dizer, se as entidades fizerem o trabalho de reforçar a conscientização, dar apoio técnico para eles, muito provavelmente, daqui a 4, 5 anos, você tenha um agro totalmente adaptado às boas práticas”, avaliou Nicodemos.

A pesquisa também perguntou diretamente aos produtores se, efetivamente, já estão adotando técnicas para minimizar impactos ambientais. A grande maioria, 72%, respondeu que sim, que estaria realizando algum procedimento para promover uma agricultura ou uma pecuária mais sustentável, incluindo a busca de mais eficiência no uso dos insumos. Os demais, 28%, responderam que não adotam.

Entre aqueles que já adotam, a pesquisa questionou quais suas motivações para isso. – eles podiam citar mais de uma razão. A redução de custos foi mencionada por 69%, seguida dos ganhos de produtividade gerados por essas práticas (67%) e recomendação técnica (65%).

Também foram mencionadas motivações como saúde do solo, valorização da imagem da propriedade, adequação às novas normas e obtenção de melhores taxas de financiamento nos bancos.

Outro aspecto avaliado abordou os incentivos necessários para ampliar a adoção das práticas mais sustentáveis. O termo mais mencionado foi capacitação técnica (48%), incentivos fiscais (41%), desconto no seguro agrícola (31%) e financiamento para os custos iniciais (27%).

Resumo

  • Pesquisa da ABMRA mostra que 86% dos produtores rurais acreditam que as mudanças climáticas afetarão sua produção, com percepções que variam de impacto leve a muito alto
  • Adoção de práticas sustentáveis já ocorre em 72% das propriedades, motivada por redução de custos, produtividade e orientação técnica
  • As principais barreiras citadas são falta de apoio técnico, crédito e confiança nos resultados, enquanto capacitação e incentivos fiscais aparecem como estímulos prioritários