Na entressafra, o que importa é o filme completo – a perspectiva de uma boa safra pela frente – e não apenas a foto do momento, marcada por menor receita em razão da queda de produtividade da cana-de-açúcar e pela ausência temporária de vendas de terras.
Essa é a percepção que fica dos resultados da BrasilAgro no primeiro trimestre do ano-safra, divulgados no início da noite desta quinta-feira, dia 6 de novembro. A companhia segue o calendário das temporadas agrícolas para a divulgação de seus resultados.
Especializada na compra e venda de terras e produção agrícola e pecuária, a empresa apresentou prejuízo líquido de R$ 64,3 milhões entre julho a setembro deste ano. No mesmo período do ano passado, a BrasilAgro havia registrado lucro de R$ 97,4 milhões.
A receita líquida da companhia somou R$ 288,6 milhões no período, queda de 37% em relação aos R$ 457,2 milhões vistos há um ano.
O Ebtida (sigla para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado da companhia, por sua vez, foi de R$ 64,3 milhões entre julho a setembro, retração de 62% em relação ao mesmo período do ano passado.
No primeiro trimestre do ano-safra, marcado pela colheita da cana-de-açúcar e pelo início do plantio das culturas de verão, a cana costuma ser a “estrela” dos resultados. Desta vez, porém, o desempenho foi mais fraco, refletindo os efeitos de condições climáticas adversas.
Até o último dia 30 de setembro, a BrasilAgro havia colhido 1,6 milhão de toneladas de cana, com um nível de TCH (Toneladas de Cana por Hectare) de 69,46.
Os números ficaram bem abaixo do esperado pela companhia, que esperava uma colheita de 2,2 milhões de toneladas nesta safra, com TCH de 86,31.
A BrasilAgro elencou uma série de fatores negativos para explicar o resultado: idade avançada do canavial, temperaturas elevadas na formação da cultura, déficit hídrico no período de desenvolvimento, geadas em Brotas (SP), incidência de pragas em Mato Grosso, e um incêndio em um canavial em São Paulo.
Em entrevista a jornalistas para comentar os resultados, o CEO da companhia, André Guillamoun, destacou especialmente o impacto negativo trazido pela incidência de geada em Brotas, onde a companhia arrenda um canavial de mais de 7 mil hectares, obrigou a BrasilAgro a ter de colher cana que ainda não estava totalmente desenvolvida.
"A geada não é um problema se a cana já está pronta para colher. O problema é que a geada não acontece só nos talhões que estão prontos para colher, mas também nos que não estão prontos para colher também", explicou.
"A cana que estava programada para colher em outubro, tivemos que colhê-la em julho, porque se você não colhe, ela apodrece. A gente teve que redimensionar todo o parque de colheta. E começamos a colher canas que estavam fora do seu estado de maturação ideal”, emendou o CEO.
Com isso, o ATR e a produtividade dos canaviais acabaram sendo afetados, explica Guillamoun. E a projeção para o ano também, com produção de cana no ano agora prevista em 1,7 milhão de toneladas, com TCH projetado de 68,28.
Sozinha, a cana-de-açúcar trouxe um prejuízo entre R$ 20 milhões a R$ 25 milhões. O resultado não foi totalmente prejudicado pelo desempenho nos canavais, explicam o CEO e o diretor financeiro da companhia, Gustavo Lopez, porque a empresa adotou uma estratégia bem-sucedida de carregar soja para o segundo semestre.
Ao todo, foram carregados cerca de R$ 170 milhões em soja para serem comercializados na metade final do ano. “Já foram vendidos R$ 120 milhões, e ainda faltam entre R$ 45 milhões e R$ 50 milhões a serem vendidos”, diz Lopez.
A decisão à companhia permitiu evitar a venda quando o prêmio da soja estava negativo, entre o final de fevereiro e início de março. A comercialização começou quando o indicador ficou positivo, resultando em um preço médio melhor, com um volume de soja vendido neste ano parecido com o do ano anterior, mas com uma margem superior devido ao melhor preço.
“Começamos a vender com basis positivo em 50, 60, 80 e, depois, vendemos um pouco com basis acima de 100, 150. Fizemos um preço médio de basis muito melhor”, avalia André Guillamoun.
Lopez complementou lembrando que o preço do milho também esteve em nível positivo no período, gerando R$ 19,5 milhões em receitas à companhia ao longo do trimestre, 17% a mais do que no mesmo período do ano anterior.
Mão compradora segue ativa
Ainda assim, essas estratégias não foram suficientes para evitar o prejuízo no trimestre. Outro fator que contribuiu para um resultado mais fraco da BrasilAgro foi a ausência de transações imobiliárias no período.
No primeiro trimestre do ano passado, a companhia havia tido receitas de R$ 107,9 milhões nessa frente, devido à conclusão da segunda etapa da venda da Fazenda Alto Taquari, negócio no qual a BrasilAgro conseguiu R$ 103,3 milhões, e à venda da Fazenda Rio do Meio, que trouxe mais R$ 4,6 milhões à empresa.
A BrasilAgro iniciou o ano-safra com 188,7 mil hectares de áreas produtivas, sendo 146,2 mil no Brasil, 32,4 mil no Paraguai e 10 mil na Bolívia.
Há a possibilidade de que esses números sejam maiores ao fim da safra. Isso porque Guillamoun reforçou a tese da companhia de ativar, ao longo do ciclo, sua “mão compradora”, apostando na aquisição de novas propriedades agrícolas em um cenário de mais dificuldades no campo.
A BrasilAgro pretende aproveitar do fato de que alguns produtores vêm tentando buscar liquidez antes de recorrer a alternativas mais drásticas, como dar entrada em um processo de recuperação judicial.
“Surgiram instrumentos que antes não eram tão claros, como a recuperação judicial. Mas nem todo mundo sabe o quanto isso é penoso e custoso. Quem entende que entrar numa RJ vai comprometer muito o futuro prefere vender ativos, e esse é o cliente vendedor para a BrasilAgro”, explicou Guillamoun.
Para o CEO, esse é um momento de oportunidade para quem está preparado para investir. “Vender quando o mercado está alto é mais fácil do que comprar durante a crise. Nessas horas, as decisões patrimoniais são mais longas, envolvem famílias inteiras e exigem convencimento. Mas não tenho dúvida de que é um cenário interessante para quem estiver posicionado na compra.”
Guillamoun destacou ainda que, em média, a companhia realizou R$ 369 milhões por ano em vendas de fazendas nos últimos cinco anos. “Não é de se esperar que esse ano a gente venda o mesmo valor, mas sim um pouco menos, e talvez também compre um pouco mais”, disse.
Sobre os arrendamentos, Guillamoun afirmou que a companhia tem agido com cautela. Dos 188,7 mil hectares operados pela BrasilAgro, 69,6 mil são arrendados, o equivalente a 37% do total.
O CEO disse que os preços de arrendamento “já começaram a se acomodar”, mas que ainda precisam cair mais para destravar novas operações.
“A gente já começou a ver isso também nas propostas que chegam para a gente, mas ainda eu diria que esses preços tem que acomodar muito mais”, afirmou Guillamoun. “Com esses níveis de arrendamento, é bem provável que a gente não faça em função da rentabilidade nesse momento.”
Expectativa para a safra
Na safra atual, cujo plantio de verão já está em andamento, a BrasilAgro projeta produzir 448,7 mil toneladas entre soja, milho, algodão e feijão.
Nos grãos, a expectativa é de produzir 257,2 mil toneladas de soja, 97,8 mil toneladas de milho safrinha e 66,8 mil toneladas de milho de verão.
A companhia também projeta a colheita de 11,4 mil toneladas de algodão na safrinha e 8,6 mil toneladas no ciclo principal, além de 6,6 mil toneladas de feijão na segunda safra.
Apesar de um começo de chuvas irregular no início do plantio, a companhia já vê um cenário mais favorável nas lavouras.
“Estamos sobre um efeito La Niña de baixa intensidade. Começamos o plantio em Mato Grosso por volta do dia 20 de setembro, mas logo tivemos de interromper algumas operações pelas chuvas irregulares. A partir de 6 e 7 de outubro, a chuva acabou vindo e voltamos a plantar. De lá para cá, a condição esteve normal”, relatou Guillamoun.
Até o início de novembro, disse o CEO, cerca de um terço da área total de soja da companhia já havia sido plantada. “Já temos hoje na companhia um avanço importante do plantio. Devemos estar chegando próximos de 33% a 34% de área plantada”, afirmou.
Guillamoun acrescentou que as operações nas demais regiões produtivas onde a companhia tem presença, como Bahia, Maranhão e Piauí, começaram um pouco mais tarde, no inícío de novembro, e não no fim de outubro como tradicionalmente acontece, mas ainda dentro do ritmo histórico da companhia.
O CEO também destacou os reflexos positivos das chuvas antecipadas para o cultivo da cana-de-açúcar, especialmente nos estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso.
O cenário de safra é promissor do ponto de vista agronômico, pontuou Guillamoun, mesmo em um contexto de incertezas externas. "Todo o plantio está muito bem nascido, muito bem cultivado. Estamos com uma esperança boa de que é um ano de boa safra”, afirmou.
“Mas ainda temos desafios pela frente. Começamos o plantio sem o acordo entre Estados Unidos e China, e agora, no meio do plantio, ele já existe, o que muda bastante a estratégia comercial, que nós vamos ter que rever ela ao longo da safra a todo momento. E 2026, quando estivermos colhendo, é ano de eleição, o que também deve trazer bastante instabilidade e volatilidade no câmbio.”
Resumo
- BrasilAgro registrou prejuízo de R$ 64,3 milhões no 1º tri do ano-safra 2025/2026, afetada por menor produtividade da cana e ausência de vendas imobiliárias
- A empresa adiou a venda de soja para o 2º semestre, buscando melhores preços, e prevê colher 448,7 mil toneladas de grãos
- A companhia mantém postura seletiva em arrendamentos e vê oportunidades de compra de terras em meio à crise de liquidez no campo