Aos 100 anos de existência, comemorados em maio passado, a gaúcha Kepler Weber pode estar prestes a escrever um novo capítulo de sua história.
Dias depois de um movimento atípico em suas ações, a empresa, líder no setor de silos e soluções de armazenagem do Brasil, confirmou na noite de segunda-feira, 4 de novembro, que recebeu da GPT, dona da companhia de armazenagem GSI, uma proposta não vinculante para uma potencial fusão entre as duas empresas. Agora, Kepler e GSI vão avaliar a proposta ao longo dos próximos 90 dias.
A movimentação abre caminho para a formação de um gigante setor de armazenagem no País, unindo duas grandes empresas do segmento.
Se a transação avançar, a GSI, que hoje pertence à GPT (Grain & Protein Technologies), pertencente à gestora americana AIP, de cara já ganharia escala no Brasil ao incorporar a líder do segmento, com duas fábricas no País, nove centros de distribuição em oito Estados e mais de 1,9 mil funcionários.
Nos últimos anos, a Kepler surfou o ciclo positivo do agronegócio e registrou forte expansão de receita líquida, saindo de R$ 617 milhões em 2020 para R$ 1,6 bilhão em 2024 – tendo chegado perto de R$ 2 bilhões em 2022, no pico da supersafra. No ano passado, o lucro líquido ajustado anual somou R$ 200,9 milhões.
Para a brasileira, a operação representaria acesso a uma estrutura global robusta. A GSI é uma das marcas da Grain & Protein, que também trabalha globalmente com outras marcas como Cumberland, AP, Tecno e Aerotech, com presença em mais de 70 países.
A combinação dos negócios poderia acelerar planos internacionais das duas empresas e ampliar o portfólio, especialmente em soluções para armazenagem e estruturas para a produção animal.
O interesse da companhia americana em expandir sua operação no Brasil ganhou tração após a venda da GSI e outros negócios de armazenagem da fabricante de máquinas agrícolas AGCO para a AIP, por US$ 700 milhões, no ano passado.
Desde então, a estratégia passou a levar em consideração a meta de dobrar de tamanho no País e diversificar receitas.
“Antes éramos uma divisão pequena em um grande conglomerado. Agora, temos um investidor alinhado com nossos objetivos e pronto para investir no ciclo positivo do agro sul-americano”, disse Ricardo Marozzin, presidente da GSI na América do Sul, em entrevista ao jornal Valor Econômico em maio.
A Kepler, por sua vez, já demonstra avanço no equilíbrio de mercados. Entre janeiro e setembro deste ano, 33,4% da receita operacional líquida veio de fazendas (R$ 364,7 milhões) e 29% de agroindústrias (R$ 316,7 milhões).
Esse perfil, em caso de uma fusão, poderia acelerar a estratégia da GSI de dividir sua exposição entre produtores individuais e grandes projetos industriais.
Outro ponto de convergência está na expansão internacional. A GSI mira crescimento na Argentina e no Paraguai, mercados onde a Kepler também vem reforçando atuação.
A representatividade da Argentina para os negócios da Kepler passou de 3% no ano passado para 17% entre janeiro a setembro deste ano, com o faturamento no país chegando a R$ 22,9 milhões, de um total de R$ 135,1 milhões em negócios firmados.
A potencial fusão ainda poderia representar a maximização de ganhos industriais. Isso porque a Kepler possui plantas em Panambi (RS) e Campo Grande (MS), que se somariam às unidades da GSI em Passo Fundo e Marau, também no Rio Grande do Sul, além de outras 12 unidades da empresa americana ao redor do mundo.
Além da ampliação produtiva, a GSI também encontra uma empresa mais saudável financeiramente do que em outros tempos, com despesas operacionais sob controle.
Para uma importante fonte do mercado ouvida pelo AgFeed, uma eventual fusão entre as duas empresas faz sentido em termos estratégicos, com ganhos tanto para a Kepler como para a GSI.
Apesar de presente em mais de 100 países, a força da Kepler está na América Latina em Trgeral, enquanto que a GSI é forte nos Estados Unidos.
“Isso parece estratégico para os acionistas, porque a GSI tem uma operação grande nos Estados Unidos, onde a Kepler Weber é pequena, e em contrapartida, eles têm acesso ao mercado da América Latina, onde a Kepler tem força”, diz.
Ao mesmo tempo, alerta a fonte, há a possibilidade de concentração de mercado com um player muito grande dominando os negócios.
“Não sei se o Cade aprovaria uma eventual fusão, por exemplo”, diz. “Com uma concentração dessa pode ser que haja uma disputa muito mais acirrada no mercado. O risco disso tudo é o dumping.”
Se concretizada, a fusão será mais uma virada importante na história da Kepler, que nasceu em 1925 no Rio Grande do Sul.
A empresa começou como uma pequena ferraria tocada pelos irmãos Otto Weber e Adolfo Kepler Jr. em Panambi, no interior gaúcho, e se transformou com o passar das décadas em uma grande empresa de silos e armazéns.
O crescimento se acelerou nos anos 1970, fazendo com que num movimento ousado, num momento de muito menos liquidez e investidores no mercado de capitais, a Kepler passasse inclusive a ser listada na antiga Bovespa em 1980.
Contudo, apesar do IPO, a empresa passaria a enfrentar dificuldades financeiras e administrativas entre os anos 1980 e anos 1990, culminando na saída da famílias Kepler e Weber do comando da empresa, em 1996, com a venda de sua participação para fundos de pensão como Previ, Aerus e Serpros.
Hoje, na estrutura acionária da Kepler, 15,3% está com a gestora Trígono Capital, 11,5% com a família Heller e o restante está pulverizado entre ações em tesouraria e outros acionistas. Rumores de que a Trígono estaria vendendo sua participação para a Bunge também circularam no início da semana, mas foram negados pela empresa.
Não é a primeira vez que a GSI tenta fechar negócio com a Kepler. Em 2007, houve uma tentativa de compra da brasileira, que atravessava dificuldades financeiras, pela americana, mas que acabou não saindo do papel. Uma década depois, houve uma nova tentativa, que também não vingou.
Os investidores parecem ter gostado da ideia da fusão entre as duas empresas. As ações da Kepler abriram o pregão na B3 em alta e permaneceram assim ao longo da manhã. Às 12h55, os papéis apresentavam alta de 6,37%. No ano, porém, a ação apresenta queda de 8,76%. A Kepler hoje é avaliada em R$ 1,63 bilhão.
Procurada pelo AgFeed, a Kepler Weber informou, por sua assessoria de imprensa, que não está comentando o assunto. A GSI não retornou ao pedido de entrevista.
Resumo
- Eventual fusão poderá criar um gigante de armazenagem, unindo presença forte da Kepler Weber na América Latina com a robustez global da GSI e sua operação nos EUA
- Operação daria escala imediata à GSI no País e ampliaria o alcance internacional da Kepler
- Investidores na B3 reagiram bem à notícia e as ações da Kepler Weber subiram mais de 6% após o anúncio