Em um setor dominado por gigantes como MSD, Zoetis e Elanco, multinacionais que há décadas enxergam o Brasil como destino estratégico, a brasileira Ourofino Saúde Animal tenta inverter o fluxo.

A companhia, que tem sede em Cravinhos (SP), começa a levar suas biotecnologias para fora do País, em uma estratégia baseada em dois pilares: a proteção de patentes e o fortalecimento da pesquisa local.

“Quando olhamos o desafio da internacionalização para a Ourofino, sabíamos que, para levar essas soluções ao mercado global, seria essencial garantir segurança jurídica e atender aos requisitos regulatórios internacionais”, afirmou Ferdinando Almeida, diretor de Negócios, Pesquisa e Inovação da companhia, em entrevista ao AgFeed.

A companhia já tem uma frente de negócios internacionais, e atende regiões principalmente da América Latina, mas agora quer atravessar oceanos e chegar a continentes como Ásia, África e Europa.

O plano agora é ampliar essa base e diversificar a receita. Hoje, os negócios internacionais representam cerca de 10% da receita líquida, segundo dados do balanço do segundo trimestre de 2025 da empresa. Do faturamento total de R$ 295 milhões no período, R$ 28 milhões (quase 10% do total) vieram de vendas para outros países.

No acumulado do ano, a receita líquida da empresa já bateu os R$ 448,8 milhões, sendo R$ 55,5 milhões da vertical internacional, mostrando um avanço de quase 20% em um ano.

Ferdinando estima que essa vertical deve ganhar mais peso à medida que o portfólio chegue a novos destinos. “Temos produtos com potencial de mercado muito grande. Esses 10% podem ganhar dois pontos percentuais”, afirma o diretor.

O movimento acontece meses após o Brasil passar a ser signatário do Tratado de Budapeste, acordo que reconhece internacionalmente o depósito de micro-organismos usados em pesquisas biotecnológicas.

Antes, empresas brasileiras que quisessem proteger suas inovações precisavam repetir o processo em cada país de interesse, o que podia custar até US$ 100 mil.

Com a nova regulamentação, o mesmo registro passa a valer em quase 90 países, reduzindo o custo médio para US$ 5 mil, segundo estimativas da ClarkeModet, empresa especializada em propriedade intelectual e que tem atuado junto à Ourofino nessa estratégia.

Na parceria, a consultoria auxiliou a Ourofino a realizar um registro internacional das cepas de uma vacina para suínos junto à autoridade alemã DSMZ, depositária de patentes para biorrecursos no País.

“Esse avanço no processo de segurança jurídica abre um caminho para exploração comercial dessas vacinas não só nas Américas, mas também na Europa e na Ásia”, explica Almeida.

O foco inicial da expansão está na suinocultura. No segundo trimestre, a receita no segmento de animais de produção (que também inclui os produtos para bovinos), somou R$ 196,8 milhões, uma alta de 27% em um ano.

A empresa atribuiu o avanço ao lançamento de novos produtos como o LeanVac, vacina para castração imunológica, e o Safesui, que previne contra a doença de Glasser. Os dois produtos são focados justamente no mercado de suínos

Com esse portfólio, o diretor da Ourofino vê oportunidades de desembarcar soluções em mercados onde o consumo de carne suína é elevado, como na Ásia, principalmente no sudeste do continente. “Quando olhamos a suinocultura mundial, ter soluções que atendam a esse mercado é muito importante para nós”, diz Almeida.

A composição acionária também pesa na estratégia. O grupo japonês Mitsui hoje é um dos principais acionistas da empresa, com 29,4% do capital, o que pode ajudar a acessar novos mercados no continente asiático, segundo Ferdinando Almeida.

Além da Ásia, a companhia enxerga oportunidades em países tropicais da África, além de Austrália e Nova Zelândia, que têm sistemas produtivos semelhantes ao brasileiro. “Quando pensamos na linha de bovinocultura, olhamos mercados com sistemas produtivos parecidos com o do Brasil, em termos de clima e manejo”, afirma.

A pecuária realizada em países nórdicos, por exemplo, pelo clima, traz doenças diferentes, o que dificulta a sinergia.
Ele cita, contudo, que o mercado de saúde animal na bovinocultura ainda tem o Brasil como seu principal pilar, considerando as cerca de 230 milhões de cabeças de gado em terras nacionais.

Nos animais de companhia, os pets, a dificuldade na internacionalização fica pelo protecionismo dos dois maiores mercados: EUA e Europa. “Esse é outro mercado com bastante espaço para crescer no Brasil, competindo de frente com as multinacionais”, diz.

A expansão internacional vem acompanhada de um reforço no orçamento de inovação. No acumulado do primeiro semestre de 2025, a Ourofino destinou R$ 39,6 milhões à pesquisa e desenvolvimento (P&D), número maior 41,7% sobre o mesmo período do ano anterior e o equivalente a 8,8% da receita líquida.

Na opinião de Claudio Castanheira, diretor-geral da ClarkeModet no Brasil, o uso do sistema internacional de patentes coloca a Ourofino entre as poucas companhias nacionais do agro a formalizar uma estratégia de expansão ancorada em propriedade intelectual.

A ClarkeModet é uma das maiores empresas do mercado de propriedade intelectual. Fundada há 146 anos, tem sede em Madrid e presença em 13 países.

No Brasil, a operação completa seis décadas, com forte presença em setores como química, biotecnologia e telecomunicações.

De acordo com Claudio Castanheira, o agro vem ganhando espaço na carteira da empresa e já figura entre os segmentos mais dinâmicos. O último Relatório de Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), autarquia de marcas e patentes do governo federal, mostrou que setor responde por cerca de 23% dos pedidos de patente no país, com destaque para bioinsumos, sementes e genética animal.

Castanheira lembra que as patentes agrícolas estão na origem do próprio sistema global de proteção intelectual. “As primeiras patentes no Brasil, ainda no século XIX, foram ligadas à cana-de-açúcar e aos moinhos, e o País sempre teve um papel pioneiro nesse campo”, afirma.

Ele avalia que a adesão do Brasil ao Tratado de Budapeste tende a acelerar essa tendência. “O país começa a criar um ambiente regulatório mais previsível para quem pesquisa aqui e quer competir lá fora”, diz.

Castanheira cita que hoje a ClarkeModet atende clientes de diversos segmentos do agro: sementes, fertilizantes, defensivos, máquinas e implementos, além, é claro, do universo da saúde animal.

Sem entrar em detalhes dos números, projetou que esse amadurecimento da legislação e o avanço de mercados de biotecnologia no agro devem fazer com que o volume de negócios da consultoria no agro tende a dobrar em cinco anos.

Resumo

  • Empresa paulista usa patentes e pesquisa local como base para crescer fora do Brasil, onde já fatura 10% da receita
  • Foco inicial na suinocultura e apoio do acionista japonês Mitsui devem impulsionar entrada na Ásia
  • Investimento em P&D sobe 41%, reforçando estratégia de inovação e expansão global