O Brasil precisa assumir de vez a agenda da multimodalidade logística e parar de insistir em não trabalhar suas vocações. Nossos rios navegáveis no Arco Amazônico devem ser tratados como hidrovias.
Eles são corredores estratégicos que impulsionam a balança comercial com força crescente. Mas ainda é fundamental avançar em políticas públicas, e em uma agenda técnica, que garanta a navegabilidade contínua dos rios. Assim, conseguiremos atender a demanda global por alimentos.
Nos últimos dez anos, a movimentação de soja e milho no Arco Amazônico cresceu mais de 280%, superando inclusive os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR). Em 2024, os portos amazônicos registraram 87,8 milhões de toneladas de cargas entre grãos, bauxita e contêineres.
A safra recorde 2024/2025, estimada pela Conab em 345,2 milhões de toneladas, evidencia a urgência em expandir a infraestrutura hidroviária.
A manutenção do calado operacional na hidrovia é passo essencial para reduzir custos logísticos, ampliar a competitividade e fortalecer o protagonismo brasileiro no comércio internacional. Dragagens de manutenção em trechos estratégicos, como Tapajós e Amazonas, tornam-se urgentes diante da previsão do INMET de chuvas abaixo da média, fator que compromete a navegação.
A força das hidrovias está em sua eficiência. Um comboio no Tapajós transporta a mesma carga de 1.400 caminhões, com emissão de CO₂ muito menor.
Enquanto o mundo exige redução de emissões, o Brasil tem a chance de repetir o protagonismo conquistado nos biocombustíveis.
Nos Estados Unidos, a hidrovia do Mississippi movimenta 195 milhões de toneladas de grãos por ano. No Brasil, mesmo com enorme potencial, as hidrovias do Norte ainda somam cerca de 24 milhões de toneladas.
É urgente preservar e ampliar a rede existente, além de estruturar novas hidrovias. Hoje, 19% da produção agrícola brasileira já passa pelos rios. Com segurança regulatória e infraestrutura adequada, esse percentual crescerá significativamente.
O Plano Geral de Outorgas prevê a concessão de seis hidrovias, entre elas a Tapajós e a Paraná-Paraguai. A recente criação da Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação mostra que há avanços institucionais.
Mas para liberar todo o potencial hidroviário, é preciso planejar a integração. Grandes economias trabalham seus modais de forma conectada.
Não é sustentável depender de caminhões em percursos longos. Estudos mostram que veículos comerciais são mais eficientes em trajetos de até 400 quilômetros. E ferrovias como a Ferrogrão — que prevê 933 quilômetros ligando Sinop (MT) a Itaituba (PA) — podem acelerar a logística do agro conectando rodovias e rios.
As hidrovias são capazes de potencializar a multimodalidade, além de ser um dos modais mais sustentáveis, seguros e eficientes. Sendo combinadas com ferrovias e rodovias, criarão o sistema logístico multimodal que o agro necessita. O Brasil tem diante de si uma oportunidade histórica: transformar suas riquezas hídricas em um diferencial econômico global.
Décio Amaral é CEO da Hidrovias do Brasil.