Os produtores rurais brasileiros precisam estar no centro da implantação das soluções climáticas e a agricultura tropical é uma peça-chave para o Brasil e o mundo conseguirem alcançar suas metas de redução de emissão de gases do efeito estufa.
Mas, para isso, é preciso criar estratégias de financiamento para implementar as ações necessárias para o enfrentamento das mudanças climáticas.
Essa é a síntese do posicionamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que divulgou nesta quarta-feira, dia 24 de setembro, um documento com as propostas e demandas do setor para a COP 30, conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) que será realizada em novembro em Belém (PA).
O material foi entregue pelo presidente da entidade, João Martins, durante cerimônia realizada na tarde desta quinta-feira na sede da CNA, em Brasília, ao senador Zequinha Marinho, à presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Silvia Massruhá, e ao ex-ministro da Agricultura e enviado especial da agricultura na COP 30, Roberto Rodrigues, que participaram do evento.
A ideia é que essas propostas influenciem e subsidiem as decisões dos negociadores brasileiros e autoridades que vão participar da conferência, além de embasar os debates que vão permear a conferência.
“Querem brincar com o brasileiro. Querem brincar com o produtor rural brasileiro. Não entenderam ainda que agricultura no Brasil é uma atividade nata, e que o Brasil pelas condições climáticas, solo e clima tem todas as condições de ser um grande fornecedor de alimento no mundo”, disse João Martins, em discurso.
"A agricultura se destaca como uma das poucas atividades econômicas capazes de fornecer medidas efetivas de adaptação e mitigação, promovendo um ciclo virtuoso que alia produção, energia limpa e conservação ambiental", destaca a CNA no documento.
Um ponto de destaque levantado pela CNA entre as recomendações é o financiamento, que a confederação considera ser o principal gargalo para a implementação da ação climática em nível global.
"O pleno aproveitamento do potencial da agricultura como provedora de soluções climáticas depende da superação de gargalos críticos de financiamento. A transição para uma economia de baixo carbono exige recursos de longo prazo, custos de transação reduzidos e instrumentos financeiros adaptados às especificidades do setor agropecuário", diz a CNA.
No âmbito do financiamento, entre as medidas sugeridas, estão a simplificação do acesso a linhas de crédito junto a bancos multilaterais de desenvolvimento, a criação de instrumentos financeiros específicos para projetos de mitigação e adaptação e a inclusão de dispositivos que apoiem a implementação das metas climáticas nacionais (NDCs) e dos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs).
A entidade também defende mecanismos para superar restrições ligadas ao endividamento e ao espaço fiscal limitado de países em desenvolvimento.
A CNA pede ainda a definição de orientações que permitam condições diferenciadas de taxas de juros, prazos de pagamento e volume de recursos, além da ampliação do acesso a seguros climáticos e o estímulo a financiamentos voltados a projetos que gerem créditos de carbono, alinhados ao Artigo 6 do Acordo de Paris.
Monitoramento, adaptação e mitigação
Além de abordar a temática do financiamento climático, a CNA também trouxe capítulos específicos com recomendações envolvendo as temáticas de monitoramento, adaptação e mitigação.
No âmbito do monitoramento, a entidade pede o aprimoramento da plataforma Global Stocktake, com a apresentação dos dados de forma mais acessível e interativa.
Os países utilizam essa plataforma para fazer uma avaliação a cada cinco anos do progresso e dos esforços das partes em relação a todas as áreas abrangidas pelo Acordo de Paris, incluindo mitigação, adaptação e meios de implementação.
O primeiro ciclo foi finalizado em 2023 e deixou claro, segundo a CNA, que as ações implementadas até então eram insuficientes para limitar o aumento médio da temperatura do planeta em 1,5ºC.
A entidade também destaca um capítulo inteiro para adaptação. A CNA lembra que, na COP, um grupo técnico apresentará cem indicadores para adaptação, que deverão ser reportados pelos países.
Assim, a entidade considera que é “essencial” garantir que a lista de indicadores de adaptação seja manejável, permitindo sua adequação às realidades nacionais e o reconhecimento de ferramentas usadas no contexto da agricultura tropical.
Esse reporte de indicadores, de acordo com a entidade, “é fundamental para que as soluções implementadas pelos produtores rurais sejam reconhecidas a nível global, destacando sua importância para o aumento da ambição climática e para a prevenção de prejuízos associados a eventos climáticos extremos.”
Sobre mitigação, a CNA defende ações mais objetivas e efetividade de financiamento para este tema – ainda que a expectativa da entidade seja de poucos avanços nessa temática.
Mercado de carbono e transição justa
As recomendações da entidade também levam em consideração as discussões envolvendo a criação do mercado global de carbono.
As negociações formais para criação desse mercado estão suspensas até 2028, mas o tema seguirá em debate durante a COP 30, de acordo com a CNA.
Dessa forma, estão previstas rodadas de diálogos e sessões de capacitação para a operacionalização dos mecanismos previstos no Artigo 6 do Acordo de Paris.
A CNA defende que o setor agropecuário seja incluído nesse processo como gerador de créditos de carbono, para que os produtores rurais sejam recompensados pela adoção de práticas sustentáveis e pela conservação ou recuperação de florestas.
Outro capítulo com recomendações envolve a chamada “transição justa”, conceito que busca assegurar que a implementação das metas climáticas não sobrecarregue setores produtivos ou segmentos sociais.
Para a entidade, essas transições devem levar em conta as particularidades de cada país e sistema agrícola, reconhecendo a vulnerabilidade da atividade agropecuária frente a eventos climáticos extremos.
A CNA também entende que esse processo de transição precisa vir acompanhado de financiamento, capacitação e transferência de tecnologia, além de benefícios socioeconômicos. A entidade diz ainda que rejeita a adoção de barreiras comerciais unilaterais justificadas por razões ambientais.
Na avaliação da entidade, a COP 30 tem potencial de se tornar um marco ao transformar ambições em resultados concretos e inaugurar uma nova fase das negociações climáticas globais.
Amazônia
A Amazônia ganhou um capítulo próprio no posicionamento da CNA. A entidade defende que a conferência reconheça a presença de mais de um milhão de produtores rurais que garantem a segurança alimentar da região.
“A COP 30 deve ser muito mais do que um evento sobre a conservação da natureza, mas um teste decisivo para a agenda climática global e sua capacidade de reconhecer as necessidades e aspirações de desenvolvimento de quem vive na floresta”, diz o documento.
Dessa forma, a entidade também traz nove recomendações para a Amazônia. A primeira dessas recomendações é o reconhecimento da produção agropecuária sustentável como parte inseparável da agenda climática, com medidas para combater a estigmatização dos produtores locais.
Outra recomendação envolve a aceleração da regularização fundiária e ambiental, considerada essencial para dar segurança jurídica e atrair investimentos. A CNA também recomenda o incentivo à produção local de alimentos como forma de reforçar a segurança alimentar regional.
A entidade propõe ainda a utilização de mecanismos econômicos para combater o desmatamento ilegal e recomenda também a criação de linhas de crédito e financiamento climático específicas para os produtores amazônicos, com condições diferenciadas de juros e prazos.
Outras sugestões incluem transformar a bioeconomia em vetor de renda e inovação, investir em logística e energia limpa para reduzir custos e ampliar a conectividade, além de reforçar a soberania nacional no combate à violência e ao crime organizado.
Por fim, a CNA pede que a contribuição do agricultor amazônico seja valorizada na transição climática global, ressaltando que a produção de alimentos, a conservação florestal e a segurança alimentar precisam caminhar juntas.
Resumo
- CNA defende produtores rurais no centro da agenda climática e destaca agricultura tropical como chave para redução de emissões
- Entidade cobra financiamento acessível, mercado de carbono inclusivo e transição justa com apoio tecnológico e socioeconômico
- Para a Amazônia, pede valorização da agropecuária sustentável, regularização fundiária e incentivos à produção local de alimentos