A matriz energética no Brasil é majoritariamente renovável, certo? É uma constatação ouvida com frequência no País. Mas se a pergunta for feita para os executivos da ComBio, a resposta será: “depende”.
A companhia se intitula “a principal fornecedora de energia térmica renovável para a indústria” no Brasil e faz questão de explicar essa aparente confusão em relação às fontes energéticas.
“A matriz energética brasileira é 90% gerada a partir de fontes sustentáveis, o que é verdade para a energia elétrica. Mas a indústria tem uma demanda por energia térmica que não pode ser suprida por energia elétrica, que é o vapor, o calor, são fluidos quentes. Então sempre que precisa de temperatura, você precisa queimar alguma coisa”, explicou Carlos Martins, COO da ComBio, em entrevista exclusiva ao AgFeed.
Segundo o executivo, quando se olha apenas para a demanda de energia térmica no Brasil, a participação das fontes renováveis cai para algo em torno de 50% ou 55%. Isso quer dizer que apenas a metade da indústria utiliza materiais como biomassa para aquecer suas caldeiras. Uma quantidade considerável ainda usa óleo diesel e gás natural, por exemplo, ambos combustíveis fósseis.
Estaria tudo certo se o Brasil não tivesse metas de descarbonização a cumprir, em função dos acordos internacionais.
“A indústria é responsável pela emissão de mais de 150 milhões de toneladas de CO2 em um ano. É o equivalente ao que a cidade de São Paulo gera em 10 anos. E a energia térmica é responsável por metade disso”, afirmou o diretor da ComBio.
Carlos Martins ocupou por duas décadas cargos executivos em empresas como Cosan, Raízen e Tereos, no setor sucroenergético, além da Aracruz Celulose, por isso tem um olhar especial para as oportunidades no agronegócio.
A ComBio já origina, atualmente, cerca de 1 milhão de toneladas de biomassa por ano. São 15 tipos de diferentes.
O foco está principalmente nos produtos florestais, mas também são comprados outros resíduos como bagaço de cana, casca de arroz e até caroço de açaí, em uma das operações que possui, em Barcarena, no Pará. Fora do agro, também são usados resíduos de pallets de madeira e até galhos que sobram na poda de árvores de grandes cidades.
Portanto, uma das conexões da empresa com o agro é fato de ser compradora de produtos agrícolas. Mas o interesse vai além. A maioria das agroindústrias também precisam de energia térmica, gerando vapor em suas caldeiras, muitas delas já utilizando a biomassa, como é o caso das usinas de açúcar e etanol, que geram energia a partir do bagaço.
No modelo de negócio da ComBio, o cliente terceiriza essa etapa do processo industrial. A empresa de energia térmica, quando fecha um contrato, se responsabiliza pelo investimento de comprar e instalar as caldeiras, incluindo todos os dutos necessários, e depois assume também a operação, cobrando apenas pelo “vapor” fornecido à indústria.
“Todas as nossas operações estão conectadas às indústrias dos nossos clientes. No nosso negócio não existe distribuição, logística, armazenagem. Eu vendo o vapor conectado no local onde ele precisa do calor”, pontua.
Triplicar até 2030
A ComBio já tem 17 anos de atuação no mercado. Foi fundada por empresários brasileiros, entre eles, Paulo Skaf Filho, que hoje é o CEO.
Em 2023, o grupo vendeu 30% de participação para os fundos SPX, que é um dos maiores de private equity no Brasil, e LightRock, de Liechtenstein, na Europa, que atua em investimentos de impacto.
O faturamento da empresa em 2024 foi de R$ 800 milhões. O plano é triplicar de tamanho até 2030.
Ao AgFeed, o COO da empresa destacou que há uma visão “ambiciosa de crescimento”, que prevê expansão “em diferentes segmentos que demandam soluções de calor industrial” e considerando o agro como estratégico, já que “além de ter uma relevância significativa na matriz econômica brasileira, apresenta uma demanda crescente por energia renovável para seus processos produtivos”.
A principal aposta da empresa é o fato de que, para atingir metas de descarbonização, o Brasil, necessariamente, terá que mudar, pelo menos em parte, a fonte de geração de energia nas indústrias.
Carlos Martins lembra que entre os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris está ser carbono neutro até 2050. “Nenhuma fonte de combustível para a produção de vapor, além da biomassa, é carbono neutro”.
Segundo ele, a eólica e a solar têm crescido muito para gerar energia elétrica, porém não servem para a produção de vapor, que segue usando muito os fósseis. “É o que eu chamo de gigante invisível da energia térmica”.
O executivo lembra que o processo tende a ser acelerado em função da aprovação do projeto de lei (PL) 15.042, aprovado no ano passado, que cria oficialmente um mercado regulado de crédito de carbono no Brasil.
Essa lei estabelece um prazo de cinco anos para adequação das empresas. Vai ser criado oficialmente um mercado regulado de crédito de carbono no Brasil.
“Todas as empresas que emitem acima de 10 mil toneladas de CO2, que é muito pouco, vão precisar relatar as emissões. Acima de 25 mil, você vai precisar compensar suas emissões. Ou seja, tudo que for acima disso, ou você tem que descarbonizar, substituindo caldeiras a gás e a diesel por caldeiras a biomassa, ou comprar crédito de carbono. Então, a a gente quer ser, de certa forma, o protagonista nesse processo”, ressaltou.
Neste cenário, a ComBio já está com uma casa reservada em Belém do Pará, onde em novembro, durante a COP 30, pretende realizar eventos e se aproximar dos clientes que buscam alternativas de descarbonização.
Entre os clientes atuais da empresa estão a Klabin, o Grupo Votorantim, a Cervejaria Petrópolis, e a Ingredion, uma indústria de alimentos, além de indústrias químicas e de mineração.
Para os próximos cinco anos, a ComBio prevê investimentos de R$ 1,2 bilhão, para atingir seu plano de crescimento.
A expectativa é também gerar novas receitas à medida que o mercado de carbono se torne uma realidade.
“A gente está se preparando para que essa lei nos ajude na organização desse mercado. E a gente acredita que isso vai ter mais valor um pouco mais à frente. A hora é de gerar (créditos), não de vender”.
A ideia inclui ampliar o conceito de economia circular. A empresa diz ter comprovado a viabilidade de produzir fertilizantes a partir das cinzas que sobram após a queima da biomassa nas caldeiras.
“Alívio” para as usinas
Além do apelo da descarbonização, a ComBio espera conquistar clientes num setor que conhece bem o que é gerar energia a partir da biomassa: a indústria de açúcar e etanol.
Como ex-executivo do setor sucroenergético, Martins sabe bem o aperto financeiro que algumas empresas enfrentam, como a própria Raízen, que vem se desfazendo de ativos, recentemente.
“Neste setor (sucroenergético) o capital é super intensivo e a gente quer ser uma alternativa para aliviar o peso desse investimento. Seja no setor de etanol de milho ou até para usinas (de cana), eventualmente a gente estaria disposto, por exemplo, a comprar caldeiras de usinas existentes para gerar caixa para essas usinas e cuidar da produção de vapor no lugar deles. Aquele processo de terceirização que aconteceu por muitos anos, em que as empresas faziam tudo e elas começaram a terceirizar coisas, é o que a gente quer que o setor agro faça no setor de vapor”, defendeu ele.
Martins diz que há várias conversas em andamento com produtores de etanol de milho, por exemplo. “A indústria de etanol de milho está concentrada prioritariamente no Centro-Oeste do Brasil, que é dominado por grãos. Existe uma concorrência crescente com a indústria de papel e celulose por eucalipto”, lembrou.
Quem quer construir uma usina do zero, poderia tirar da conta a parte que envolve a compra de caldeiras, operação delas e também a originação da biomassa, o que, no caso do etanol de milho, frequentemente é apontado como um gargalo, já que muitos projetos dependem da compra e disponibilidade do eucalipto.
“Ao invés de os investidores colocarem, enfim, dependendo da escala, R$ 100 milhões, R$ 200 milhões de Capex numa caldeira para queimar a biomassa e produzir vapor, eles nos procuram, a gente faz o investimento para eles e vende o vapor em reais por tonelada de vapor”, explica. “É uma solução que deixa o balanço dos nossos clientes mais leve”.
O COO também diz que, historicamente, a empresa consegue promover uma redução de custos de 30%, em média, “porque o vapor gerado a partir de biomassa é mais barato em termos de custos do que diesel e gás”, além de otimizar a originação da biomassa.
Na visão do executivo, queimar bagaço de cana para produzir energia elétrica e fornecer para o sistema elétrico nacional – algo comum nas usinas de cana de São Paulo - já “foi um bom negócio”, mas está perdendo competitividade.
“Há 25 anos atrás, o governo incentivou bastante as usinas a investirem em caldeiras com aqueles leilões incentivados e preços muito atrativos, mas esse mercado mudou muito”, afirmou.
Ao invés de vender energia elétrica, a usina venderia a biomassa que seria transformada em energia térmica. “A gente acredita que a demanda de biomassa para a energia térmica vai ser uma oportunidade para as indústrias de açúcar e etanol”, disse ele, apostando nos efeitos do projeto de lei do carbono, que virão “no médio prazo”.
A ComBio também já estuda se envolver diretamente no plantio de eucalipto e também no cultivo de bambu para atender a demanda crescente que deverá vir, pela biomassa.
Segundo dados do IBGE, em 2018, a biomassa gerou R$ 84 bilhões em riquezas no país, considerando o setor de energia.
Martins admite que as conversas com o setor sucroenergético evoluem aos poucos, em função do perfil mais conservador. “A gente vê que a tomada de decisão no setor agro é um pouco mais lenta do que setores que têm um apetite a risco um pouco maior”.
Haveria ainda uma preferência dos empresários em “ser dono” dos caminhões, da terra, da cana e das caldeiras.
“Mas tem conversas, porque a gente pode gerar um diferencial de eficiência térmica. As usinas, como o bagaço sempre foi um subproduto e sempre sobrou, elas nunca cuidaram muito bem do que a gente chama de eficiência térmica, que é produzir mais vapor com menos matéria-prima, porque sempre sobrou. Então a gente estuda isso aqui todo dia, a gente tem especialistas tentando todo dia encontrar como é que eu posso produzir cada vez mais vapor com cada vez menos biomassa”.
Resumo
- ComBio projeta faturar R$ 2,4 bilhões em 5 anos, triplicando operações com foco em energia térmica renovável
- Empresa aposta no agro e na biomassa (resíduos de cana, arroz, açaí ou eucalipto, por exemplo) para suprir demanda e reduzir custos industriais
- Novo mercado de carbono e metas de descarbonização impulsionam estratégia para substituir diesel e gás por caldeiras a biomassa