Por Marcello Brito, Paulo Hartung e José Carlos da Fonseca

O novo Plano Clima, apresentado pelo governo federal, reacendeu tensões latentes entre ambientalistas, setor produtivo e representantes do Congresso. Em especial, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) reagiu duramente ao que considera uma tentativa de transformar o agro brasileiro em vilão climático.

A crítica central é clara: o plano inclui nas contas do agro as emissões por desmatamento em áreas que não estão sob controle direto do setor.

Além disso, o plano impõe metas desproporcionais ao setor agropecuário de até 54% de redução nas emissões até 2035 e desconsidera boa parte das remoções de carbono em propriedades rurais privadas, exagerando o ônus do desmatamento para o setor sem considerar o bônus do balanço de carbono dessas atividades.

No cenário proposto pelo Plano Clima, o agro passaria a responder por mais de 70% das emissões nacionais, segundo algumas interpretações.

Trata-se de um enquadramento técnico que, mesmo baseado em modelos científicos, carrega implicações políticas graves e que, se não corrigido, pode inviabilizar a cooperação necessária para enfrentar a crise climática.

Entre a ciência e a política: as falhas do processo

As críticas da FPA não se limitam à rigidez das metas. O modelo utilizado para embasar o plano, o sistema BLUES (Brazilian Land Use and Energy System) ainda não está disponível para o necessário escrutínio público. Sua metodologia, complexa e restrita a círculos técnicos, levanta questionamentos sobre a transparência e a legitimidade dos dados que sustentam as metas nacionais.

Mais preocupante, porém, foi a condução do processo político. Uma das críticas é que o Congresso Nacional — que deveria ser um importante player dessa formulação de compromissos de longo prazo — ficou à margem, assim como representantes do setor produtivo, governos estaduais e até parte da academia.

Assim como no processo que resultou na atual NDC, o resultado foi um plano tecnicamente ambicioso, mas politicamente frágil. Uma proposta que, em vez de unir, dividiu; que, ao tentar liderar a transição climática, acabou acirrando resistências internas.]

O agro como parte da solução

É inegável que o desmatamento e as mudanças no uso da terra são desafios ambientais urgentes no Brasil. Mas também é inegável que o setor agropecuário já realiza, há anos, uma transformação silenciosa: adoção crescente de práticas sustentáveis, como a recuperação de pastagens, os sistemas integrados de produção (ILPF), plantio direto, o manejo de baixo carbono e a preservação de áreas nativas dentro das propriedades rurais.

Segundo dados do próprio governo, mais de 33% do território agrícola nacional está coberto por vegetação nativa preservada.

Ignorar esse esforço é um erro. O Brasil precisa sair da lógica de punição e avançar para uma agenda baseada estímulos e reconhecimento.

Um plano de remediação é urgente para regularizar imóveis que foram penalizados por atividades ilícitas sob a égide de um modelo de recuperação assistida da indispensável recomposição. Mantê-las sob punição eterna sem dar condições de reintegração comercial penaliza além do proprietário, ao não promover a remediação e a restauração prejudicando o país e toda a sociedade nacional.

O Plano Clima menciona ferramentas financeiras compensatórias para eliminar o desmatamento legal até 2030. Isso sem esclarecer como, a que custo e pago por quem. Talvez sobre caminho promissor estruturar um Programa Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) voltado à restauração produtiva e à conservação ambiental em áreas privadas.

Produtores que recuperarem pastagens degradadas, mantiveram suas APPs e Reservas Legais intactas, ou que investirem em tecnologias de sequestro de carbono, poderiam receber compensações financeiras proporcionais ao serviço ambiental gerado.

O financiamento poderia vir de múltiplas fontes: mercado voluntário de carbono, fontes internacionais como o Fundo Amazônia e mecanismos de crédito verde. Para isso, seria necessário desenvolver métricas claras, confiáveis e auditáveis, garantindo simplicidade operacional para não afastar os pequenos e médios produtores.

Esse tipo de programa permitiria alinhar os interesses ambientais com os econômicos, tornando o agro parceiro central da transição climática, e não seu antagonista.

Democratizar o plano: participação real, não formal

O episódio do Plano Clima também revela uma crise de legitimidade no processo de construção de políticas públicas no Brasil. O desafio não é só técnico, mas também institucional. Precisamos fortalecer os canais de efetiva participação e escuta. Em termos práticos, o fato é que ser aprovado pelo CIM não pressupõe participação real das diversas partes interessadas.

Nesse sentido, seria essencial criar um fórum permanente de diálogo intersetorial, reunindo governo federal (Meio Ambiente, Agricultura, Energia etc.), Congresso Nacional, setor produtivo, academia, ONGs e representantes da sociedade civil.

Esse fórum poderia acompanhar a implementação do plano, revisar metas periodicamente, validar os modelos utilizados e garantir que as decisões estejam baseadas tanto em evidências científicas quanto em pactuações sociais viáveis.

Ademais, as futuras consultas públicas devem ser ampliadas em tempo e escopo, com linguagem acessível, maior divulgação e incentivo à participação qualificada. Não se trata apenas de ouvir por formalidade, mas de efetivamente incorporar múltiplas visões no processo decisório.

Oportunidade de reconciliação

A crise em torno do Plano Clima é, na verdade, uma oportunidade. O Brasil tem todos os ativos para liderar a agenda climática global: uma matriz energética limpa, um agro que pode ser carbono-negativo, e uma sociedade civil cada vez mais mobilizada.

Mas, para isso, precisamos abandonar a retórica de antagonismo. O meio ambiente e o agro não são inimigos, são dois lados da mesma equação.

Um plano climático robusto não será construído com imposições unilaterais, porém com mais diálogo, escuta consequente e equilíbrio de responsabilidades.

Estamos diante de uma encruzilhada histórica. Podemos seguir alimentando polarizações que nos engessam, ou podemos escolher o caminho da reconciliação inteligente: justiça ambiental com justiça econômica; metas ambiciosas com base científica e participação democrática; políticas que não excluam, mas integrem.

A verdade é que não há obrigação de publicarmos neste momento o plano clima. Diante de tantas dúvidas e de sua inegável importância, devemos estender o diálogo até a confecção definitiva de algo que tenha alta confiabilidade de sucesso em sua execução.

Não importa se levarmos mais 3, 6 ou mais meses, desde que tenhamos algo à altura da importância estratégica que representa para o Brasil.

O clima exige ação. E a ação exige confiança.

Marcello Brito é diretor acadêmico na FDC-Agroambiental.

Paulo Hartung é Presidente do IBA-Instituto Brasileiro de Arvores.

José Carlos da Fonseca é Presidente da Empapel - Associação Brasileira de Embalagens de Papel.