Uma plateia lotada, com centenas de profissionais ligados ao agronegócio, ouviu nesta terça-feira em São Paulo, algo que não gostaria de ouvir: “As sanções de Trump vão escalar com a prisão de Jair Bolsonaro”, afirmou o consultor de mercado Carlos Cogo, ao abrir sua palestra, durante o Congresso da Andav.

Para o sócio-diretor da Cogo Inteligência de Mercado, o componente político-diplomático dificulta as negociações, mas ao Brasil não resta outra saída a não ser continuar insistindo na negociação, além de deixar de ser “uma economia fechada” e sair em busca de mais acordos comerciais pelo mundo.

Sobre a investigação contra o Brasil na chamada Seção 301, Cogo diz que já leu em detalhes o processo e que, aparentemente, não haverá grandes consequências para o País. Por outro lado, fez um alerta em relação ao mercado de fertilizantes, que é altamente dependente da Rússia.

Em entrevista ao AgFeed, Cogo disse que o estrago que será gerado pela ampliação das sanções ainda “é um pouco incalculável”.

“Provavelmente a primeira atitude (de Trump, a partir de agora) vai ser algumas sanções, indiretas, comerciais, quebra de contrato, retirada de cotas que a gente tem. E eu penso que a tarifa de 100% adicional vai vir sim”, declarou.

Trump tem prometido taxar ainda mais os países que fazem negócio com a Rússia. No Brasil, cerca de 30% dos fertilizantes usados na agricultura têm origem russa.

“Se ele realmente cumprir o que está falando em relação à Rússia, petróleo, fertilizante russo, a gente vai vir com essa tarifa de 100%. A tarifa de 50%, na verdade, já inviabiliza o negócio, mas a de 100% ela simplesmente coloca um embargo sobre o Brasil e aí ela pode se estender a todos os produtos e a gente ficar sem o nosso segundo maior comprador. Isso traz um problema realmente bem grande pela frente”, explicou.

O caso mais grave, segundo o analista, é o setor do café. Ele afirma que não há como realocar uma quantidade tão grande, de 8 milhões de sacas, que é o que exportamos para os Estados Unidos.

“Nós vamos perder mercado, perder volume, o preço vai cair. A gente está perdendo um grande comprador, não sei por quanto tempo. Então o estrago realmente é muito grande”.

A perda estimada com as exportações de café seria de pelo menos US$ 2 bilhões, disse Cogo, estimando a perda do ano de 2025. Em termos proporcionais, também preocupava o setor florestal, mas como a celulose entrou na lista de exceções, “livrou um pouco problema”.

Bom momento para soja e milho

Durante a palestra, Carlos Cogo previu tendência de queda de preços para produtos como café e açúcar. No caso dos grãos, porém, mostrou que os estoques estão diminuindo, o que traz uma perspectiva de maior sustentação para os preços.

Na soja, a relação estoque/demanda, que vinha aumentando nos últimos anos, deve parar de subir na safra 2025/2026, na visão do analista. Isso porque todos os principais produtores não estão aumentando área, somente o Brasil.

Cogo prevê que a margem líquida do produtor de soja no Cerrado, que ficou em 1,3% na safra 2024/2025, agora suba levemente, para 2,4%. Na época de disparada de preços entre 2021 e 2022 essa margem chegou a 55,6%.

A expectativa é de que a média de preço em dólar para a soja se mantenha em patamares parecidos com os atuais, mas os custos vêm aumentando.

“Então as margens também seguem bem apertadas, muito parecidas, mas sem prejuízo. Um lucro muito pequeno, mas sem prejuízo”, ponderou.

No milho, a expectativa também é de uma demanda crescente, tanto para o etanol, como para rações no mercado interno e para a exportação, o que leva a um viés de alta para os preços.

O risco no mercado de grãos também poderá vir dos EUA, alertou Cogo. Ele acredita que haverá um acordo entre os americanos e os chineses, “só não se sabe exatamente quando”.

Quando isso ocorrer, a China retomaria as compras de grãos dos EUA e os prêmios no Brasil podem despencar. O cenário visto essa semana, por exemplo, é justamente o contrário. Os prêmios nos portos brasileiros estão batendo recordes porque a China aumentou muito as compras de soja brasileira.

Cogo estima que um eventual acordo EUA e China resultaria na perda de até R$ 12 por saca para o produtor brasileiro, saindo do lucro para o prejuízo, por isso reforça que o momento é ideal para aproveitar a atual cotação. “Já era para o produtor ter aproveitado”.

Futuro das RJs

O consultor disse ao AgFeed que volta a ver riscos de recuperações judiciais na área do café. Se antes exportadores foram afetados pela disparada de preços, agora podem sofrer com a perda do mercado americano.

“Eles já tinham problemas, que não foram sanados. Podemos ter problema de novo”, alertou.

Nos grãos, ele acredita que o cenário, por enquanto, não preocupa tanto. Já entre as revendas, ele ainda avalia como um “momento bem difícil”.

“Vai ter uma reorganização. Alguém vai ocupar esse espaço deixado pelas duas grandes, pela Agrogalaxy e Lavoro. Mas o setor se organiza porque tem capacidade para isso, já com muita restrição de crédito, muito mais cuidado para o lado da revenda, muito mais minúcia para olhar uma nova posição, uma nova concessão de financiamento. O mercado fica mais encarecido e mais difícil para quem está pegando esse insumo”, acrescentou.

Resumo

  • Em palestra no Congresso Andav, Carlos Cogo disse acreditar que há grande reicos de tarifas dos EUA sobre produtos brasileiros ficarem ainda mais altas
  • Segundo Cogo, novas sanções poderiam levar taxas a 100%, comprometendo sobretudo exportações de café, com perdas estimadas em US$ 2 bilhões
  • Consultor avaliou que momento de preços internacionais é bom para soja e milho