A demanda global pelo Combustível Sustentável de Aviação (SAF, na sigla em inglês) deve chegar a 20 bilhões de litros em 2030. Uma das tecnologias mais limpas e com baixa emissão para a produção do novo combustível substituto do querosene é a Alcohol-to-Jet (AtJ), com uso do etanol.
Por isso, a exportação do etanol de cana tem estado entre as grandes apostas – se não a maior – do setor sucroenergético brasileiro. Grandes grupos, como Raízen e São Martinho, anunciaram metas nesse sentido e obtiveram certificados, principalmente o ISCC Corsia, considerado o passaporte para suas unidades enviarem o etanol aos países produtores do SAF, entre eles os Estados Unidos.
A rota do SAF a partir do etanol parecia mesmo estar aberta para elas. Em abril do ano passado, a Raízen realizou o primeiro embarque no país de etanol de cana-de-açúcar para ser convertido em SAF no mercado norte-americano.
Foram 25 milhões de litros de etanol para o período de pré-produção da LanzaJet, a primeira planta do mundo a produzir o combustível de aviação sustentável a partir da tecnologia AtJ.
À época, os cenários político e ambiental dos Estados Unidos eram outros. O então governo John Biden concedia mais incentivos para combustíveis mais limpos, independente de onde eram produzidos.
Em pouco mais de um ano o quadro mudou completamente. O governo de Donald Trump, quase ao mesmo tempo, cortou incentivos fiscais para fontes renováveis e limitou esses incentivos para o SAF apenas aos produtores e às matérias-primas da América do Norte, onde a produção se concentra no etanol de milho.
Além disso, Trump ameaça taxar o etanol brasileiro em 50%, assim como outros produtos da pauta exportadora brasileira, e ainda iniciou uma investigação comercial sobre o nosso biocombustível.
As notícias, que já eram ruins, pioraram esta semana. Com vários atrasos no cronograma, a LanzaJet informou que iniciará as operações na sua planta de US$ 200 milhões localizada em uma área rural de Soperton, no estado da Geórgia, em dezembro e já sofre com o novo cenário ambiental e político.
Em entrevista à Bloomberg, Jimmy Samartzis, CEO da companhia, afirmou que a produção piloto do SAF a partir do etanol brasileiro não foi comercializada no mercado de aviação
De acordo com a reportagem da agência de notícias, o fato de o crédito tributário local se aplicar apenas a produtores de SAF que utilizam ingredientes norte-americanos tem excluído o etanol de cana-de-açúcar do Brasil dos planos da LanzaJet, com quem a Raízen mantinha expectativas de uma relação comercial duradoura.
E tudo pode piorar. Samartzis afirmou à Bloomberg que a produção da unidade começará com etanol brasileiro, mesmo que a empresa não se beneficie mais do crédito, pois não há oferta de etanol norte-americano para atender o limite de redução de gases de efeito estufa em 50%, outro fator cobrado pelo mercado.
Mas o executivo indicou que a planeja migrar para matérias-primas dos Estados Unidos o mais rápido possível e agora defende um limite de redução de emissões de até 30%.
A unidade da companhia produzirá cerca de 38 milhões de litros de SAF e também diesel renovável por ano quando as operações começarem.
Luz no fim do túnel
A saída para o etanol de cana-de-açúcar brasileiro para a produção do SAF pode estar na União Europeia e até no próprio Brasil.
Bruno Cordeiro, analista de inteligência de mercado da StoneX, admite que o País foi a vitrine nos últimos anos para o mercado externo, como fornecedor de para etanol de cana-de-açúcar como matéria-prima para o SAF pela emissão menor em relação ao de milho.
Mas, segundo o analista, a mudança de cenário no mercado norte-americano, a política de incentivo aos combustíveis renováveis aqui, com o programa Combustível do Futuro, e uma União Europeia mais maleável ao etanol de cana podem ser válvulas de escape para o biocombustível brasileiro.
“As apostas estão no etanol para exportação para a produção do SAF. Mas existem saídas e, dependendo de como o nosso mercado se desenvolve, com novos projetos, investimentos podem surgir para fornecer o etanol para o SAF brasileiro”, disse Cordeiro.
“Existe até mesmo a possibilidade de um volume exportado para Europa pois, mesmo com a legislação restrita ambiental, o etanol de cana é o mais aceito porque temos áreas agrícolas estabelecidas”, completou.
Conjunturalmente, a saída pontual para enfrentar a redução na demanda externa foi o aumento da mistura do etanol anidro à gasolina de 27,5% para 30% anunciada recentemente pelo governo brasileiro.
“A E30 auxiliou um pouco na redução dos receios e pode absorver parte da demanda”, afirmou.
Projeções da StoneX apontam que o aumento de 2,5 pontos porcentuais na mistura do biocombustível ao combustível de petróleo deve gerar uma demanda extra de 760 milhões de litros em 2025 pelo etanol anidro, justamente o que é exportado e corre o risco com os cortes nas vendas externas.
Cordeiro lembra que os três projetos anunciados para a produção de SAF de aviação no Brasil utilizam a tecnologia a partir do óleo de soja. “Mas esses projetos devem suprir de 30% a 40% da demanda prevista pelo Brasil e poderemos ver o complemento dessa demanda do etanol para produzir SAF suprida pelo etanol”.
O AgFeed conversou com representantes do setor produtivo de etanol de cana e a avaliação é que o uso do biocombustível em larga escala para a produção de SAF é para médio prazo e depende de uma definição de qual rota e matéria-prima serão priorizadas pelo mercado e o setor público.
“Não tem estudo e não existem dados técnicos para isso”, resumiu um executivo. “O problema do setor é, no curto prazo, lidar com o açúcar (também produzido de cana), cujo preço não está mais tão remunerador, e em arrumar mercado mercado para o etanol hidratado com o consumo em queda”, completou.
Resumo
- A política ambiental e fiscal do governo Trump excluiu o etanol de cana brasileiro dos créditos tributários para SAF
- Mudança de cenário prejudica acordos de companhias brasileiras com empresas como a LanzaJet e ameaça a continuidade das exportações para os EUA
- Com o apoio de programas como o Combustível do Futuro e a aceitação do etanol de cana na União Europeia, Brasil pode redirecionar produção