Palmeirante (TO) - Poderia ser apenas a inauguração de mais uma misturadora de adubos no Brasil, que importa matéria-prima para fazer o preparo do fertilizante internamente e depois vende aos agricultores. Mas é bem mais que isso.
Na abertura da unidade de mistura, armazenagem e distribuição de fertilizantes da Mosaic, em Palmeirante, Tocantins, a 360 km da capital Palmas, realizada nesta quarta, 16 de julho, está em jogo o futuro de uma das mais promissoras fronteiras agrícolas do Brasil.
No coração da região conhecida como Matopiba estão grandes oportunidades de expansão da produção agropecuária. Segundo dados da Embrapa, o avanço na safra agrícola nesta faixa, que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Oeste da Bahia, foi de mais de 200% em uma década.
Lá não estão apenas grandes produtores e grupos agrícolas do Cerrado. A região atraiu até a centenária cooperativa paranaense Frísia (ex-Batavo), que foi a cliente número 1 da nova planta da Mosaic – em ato celebrado com a presença de autoridades, como o governador de Tocantins, Vanderlei Barbosa Castro.
A Frisia já conta com 155 produtores cooperados em Tocantins, que cultivam 43 mil hectares de soja, milho, feijão, sorgo e gergelim.
“Até hoje todos os insumos buscamos via rodovia, isso dificulta bastante, com baixa disponibilidade de frete. Ter agora esse fornecimento mais próximo vai ser maravilhoso”, afirmou Marcelo Cavazotti, gerente executivo da Frísia no Tocantins, em entrevista exclusiva ao AgFeed.
O fertilizante até chegava no porto do Itaqui, no Maranhão, onde a própria Mosaic já atuava. Mas segundo Cavazotti, o frete rodoviário de São Luís até os locais onde a Frísia tem seus entrepostos em Tocantins chegava a custar R$ 350 por tonelada. Para fazer o trecho de Palmeirante até suas unidades na região central do estado, ele calcula que agora gastará cerca de R$ 100 por tonelada.
É essa vantagem de estar perto do cliente – e o potencial expressivo de crescimento na produção do Matopiba – que motivaram a Mosaic a investir R$ 400 milhões na nova unidade, que na primeira etapa produzirá 500 mil toneladas de fertilizantes, mas pretende chegar a 1 milhão de toneladas até 2028.
Quando chegar ao volume total, a unidade será a maior das 10 misturadoras que a empresa possui no Brasil.
Enquanto no Brasil o consumo de fertilizantes tradicionais, como os fosfatados, especialidade da Mosaic, cresce 2% ao ano, na região do Matopiba o mercado avança o dobro, segundo o country manager da companhia, Eduardo Monteiro.
“Quando a gente olha a macro região do Matopiba, ela é responsável por mais ou menos 20% do consumo brasileiro de fertilizantes. A gente espera que já no final do ano atinja a casa dos 9 milhões de toneladas”, afirmou o executivo.
É uma oportunidade reconhecida pela companhia, do ponto de vista global. A vice-presidente executiva da Mosaic, Jenny Wang, também deixou a sede da companhia americana para prestigiar a cerimônia no interior de Tocantins.
“Este investimento representa um passo importante para a Mosaic, não apenas no Brasil, mas também para a nossa estratégia de crescimento global. Nós investimos onde vemos maior potencial de prosperar”, disse a executiva, que não foi autorizada a falar com jornalistas, fazendo apenas um breve pronunciamento.
O AgFeed acompanhou a cerimônia em Palmeirante, que incluiu uma visita às instalações da fábrica. Por enquanto, lá estão algumas montanhas de cloreto de potássio, uma das principais matérias-primas para os fertilizantes, que agora passam a chegar pelos trilhos da ferrovia Norte-Sul.
Esse é um dos destaques da estrutura: uma grande correia transportadora que conecta o que chega nos vagões da VLI (matéria-prima importada pelo porto de São Luís) com o interior da unidade da Mosaic.
A rota, que antes praticamente só era explorada no sentindo Tocantins-Maranhão - para a exportação dos grãos produzidos não apenas no Matopiba, mas também em parte de Mato Grosso e Goiás - passa a ser aproveitada no sentido inverso, para trazer o fertilizante que chega pelo porto do Itaqui.
Na nova unidade da Mosaic, 90% dos volumes chegarão pelos trilhos e 10% dos produtos utilizados ainda devem descarregar por caminhões.
A capacidade de armazenagem é de 100 mil toneladas, um volume que a Mosaic só tinha na unidade gaúcha de Rio Grande, segundo a gerente geral das unidades de mistura Brasil e Paraguai, Juliana Ricca.
Outro diferencial está nas linhas autônomas de carregamento, que dispensam o trabalho que antes era feito por pessoas, em cima dos caminhões, com maior risco. O modelo está sendo adotado em outras unidades pelo País.
A expectativa é de que a produção, a mistura propriamente dita, passe a ser feita no local a partir de 1º de agosto. Enquanto isso, já começa a fase de comissionamento da unidade, com o carregamento do fertilizante a granel (cloreto de potássio e fosfato). Mais adiante, a fábrica produzirá também a linha mais elaborada, de marcas conhecidas da empresa, como Aspire e MicroEssentials.
A commodity que “migra” para o biológico
O investimento da Mosaic consolida o pilar tradicional da empresa, que é a venda dos fertilizantes minerais e o papel de “misturadora” de adubos.
A nova unidade, porém, também se conecta com a prioridade estratégica da companhia no momento, que é produzir fertilizantes de maior valor agregado e que “carreguem” soluções biológicas, uma tendência global em tempos de incentivo à agricultura regenerativa.
Em conversa com o AgFeed, o country manager da Mosaic, Eduardo Monteiro, contou que até mesmo a unidade de Palmeirante, nos próximos anos, passará a produzir itens do portfolio de bioinsumos.
Dos 10,5 milhões de toneladas de fertilizantes comercializados pela Mosaic, atualmente, Monteiro estima que 1,8 milhão sejam os chamados “produtos de performance”, que já oferecem tecnologias adicionais, além da commodity, como fósforo e potássio.
Com o lançamento da unidade de negócio Bioscience, há cerca de um ano, a expectativa é que essa fatia venha a crescer, em meio ao avanço limitado dos tradicionais e a tendência global de otimizar uso de fertilizantes químicos e aumentar os de origem biológica, com foco em sustentabilidade.
“O que vem na sequência (da inauguração de Palmeirante) é a execução de uma estratégia ambiciosa de crescimento que não passa só por fertilizantes, passa por bionutrição”, ressaltou Monteiro.
“Hoje, nós somos um player iniciante, ainda somos uma operação muito marginal dentro desse contexto, mas, pensando no futuro, não da Mosaic do Brasil, mas da Mosaic global, esse é um negócio que nós queremos que ganhe a relevância e o protagonismo necessário”.
Um dos lançamentos previstos é um produto chamado PowerCoat, que vai adicionar microrganismos ao fertilizante fosfatado tradicional. Segundo Monteiro, a aplicação do biológico será feita na unidade de Palmeirante, que será adaptada para isso.
Além dele, também está prevista a produção de um solubilizador de fósforo, linha que “otimiza” o aproveitamento de nutrientes, outra tendência no setor. Até agora, a Mosaic vem produzido seus poucos produtos da linha “bio” por meio de parceiros, em locais como Uberaba (MG), Paranaguá (PR) e Rondonópolis (MT).
A tendência é de que as unidades migrem aos poucos da commodity para a bionutrição também, em função da estratégia de ofertar um “combo” ao agricultor, na tentativa de que o cliente do fertilizante tradicional, mineral, também adquira junto o biológico ou a especialidade.
A Mosaic entende que o setor de bioinsumos está muito pulverizado. O AgFeed mostrou recentemente que, segundo dados da Abisolo, somente em fertilizantes especiais surgiram 129 empresas nos últimos quatro anos.
“O consumidor (produtor rural) hoje, de uma forma geral, se sente incomodado de ser abordado por vários fornecedores. Quando você chega e fala para ele, eu tenho uma solução simples, vou te oferecer um pacote de nutrição e bioinovação, ele percebe que pode tornar a vida operacional muito mais fácil”, explicou Monteiro.
Onda de investimentos
Para a empresas como a VLI, que está no centro da logística da região, a consolidação do investimento da Mosaic encoraja novos avanços, com mais clientes.
Em entrevista ao AgFeed, o CEO da empresa, Fábio Marchiori, que esteve na inauguração no Tocantins, disse que o projeto “é como uma semente de investimento de outros que virão transformando todo esse site num complexo logístico”.
Entre os empresários da região, há um consenso de que em breve outras empresas de insumos agrícolas estão se mobilizando para se instalar nas proximidades do projeto da Mosaic, de olho na logística mais favorável e na demanda, que deve aumentar.
Um estudo da Agroconsult feito há alguns anos sinalizava que apenas 5 milhões de hectares estavam sendo usados para a agricultura na região, com viabilidade para incorporar mais 14 milhões de hectares (o Matopiba teria uma extensão total de 73 milhões de hectares)
A VLI conecta Porto Nacional, no Tocantins, com Açailândia, no Maranhão, no seu chamado “corredor Norte”, por onde já são exportados 15 milhões de toneladas de soja e milho. O restante do caminho dos grãos até o porto do Itaqui em São Luís é operado em conjunto com a Vale.
“A gente vê esse corredor crescendo de maneira desproporcional em relação ao nosso outro corredor (no Sudeste, com a ferrovia Centro-Atlântica). Então, aqui existem muitos anos em que o crescimento de volume é de duplo dígito, é acima de 10%”, disse Marchiori.
Com mais grãos, a expectativa é de que avance a industrialização do Matopiba e a VLI possa também transportar, por exemplo, mais biocombustíveis.
A tese foi confirmada ao AgFeed pelo executivo da Frísia. A cooperativa já fez três rodadas de investimentos em Tocantins desde que chegou ao estado em 2016, a maior parte na instalação de dois entrepostos, que recebem os grãos dos produtores e comercializam os insumos.
Marcelo Cavazotti disse que a Frisia do Tocantins já vem realizando estudos para, futuramente, atuar em segmentos como etanol de milho, proteína animal ou até mesmo construir uma esmagadora.
Em função dos juros altos, no entanto, o mais provável é que no curto prazo a cooperativa invista na ampliação da capacidade de armazenagem nas unidades já existentes ou na construção de um terceiro entreposto, que ficaria no Sul de Tocantins.
Resumo
- Mosaic inaugurou uma misturadora de fertilizantes em Palmeirante (TO), com investimento de R$ 400 milhões, visando atender a crescente demanda agrícola na região do Matopiba
- A nova unidade também será preparada para produzir biofertilizantes, alinhada com a nova estratégia gloobal da companhia
- Parcerias com empresas como Frísia e VLI trazem expectativas de novos empreendimentos em logística, armazenamento e até biocombustíveis