Eles são minúsculos e estão nas raízes das plantas. Silenciosos, impedem a absorção de água e nutrientes e fazem um estrago que demora a ser percebido. Estamos falando dos nematóides, vermes microscópicos que trazem prejuízos bilionários aos produtores rurais do Brasil e do mundo a cada safra – ao mesmo tempo em que fazem o mercado de nematicidas, produtos com o objetivo de incidência da praga nas lavouras, acelerar ao longo da última década.

Se engana, no entanto, quem pensar que esses organismos tão pequenos são uma novidade no campo. Fernando Godinho, doutor em Nematologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e professor do Instituto Federal Goiano (IF-Goiano), lembra, em entrevista ao AgFeed, os nematoides "já são habitantes naturais do solo e estavam nos solos antes de iniciarmos os cultivos.”

O que mudou, emenda o professor, foi a intensificação dos sistemas produtivos. Com duas ou até três safras por ano em determinadas localidades do Brasil, o uso mais constante da terra acelerou significativamente a multiplicação das populações de nematóides no solo, diz Godinho.

E, com elas, multiplicaram-se os prejuízos e o interesse da indústria de defensivos agrícolas em encontrar produtos para combater a praga. Hoje, os nematicidas são uma categoria que movimenta mais de R$ 1,5 bilhão no País e atrai gigantes como Syngenta, Corteva e Bioceres.

“No passado, nós tínhamos uma safra apenas, com cultivares que tinham ciclos longos, e isso, de certa forma, não impactava tanto na reprodução desses nematodes ou o período era mais lento para ter esse aumento populacional”, diz o professor. “Mas, com a intensificação que nós tivemos nos últimos anos, aumentou muito a produção de nematóides.”

O Brasil é um dos principais países afetados pela praga, que está presente em todas as partes do mundo, mas tem ocorrência maior em climas tropicais como o brasileiro e de outras regiões da América Latina, explica Godinho.

“Nos Estados Unidos, por exemplo, o nematóide não é eliminado durante o inverno, mas paralisa seu ciclo em função do frio. Durante o inverno, ele não continua se multiplicando. Já aqui no Brasil, não.”

Hoje, a cada 10 anos, uma safra de soja é perdida, apenas por danos provocados por nematóides, diz o professor. “Não existe nenhuma outra praga ou doença na agricultura que promova prejuízos como o nematóide”, diz Godinho.

Além de aparecer no campo, os produtores também sentem no bolso o impacto negativo da praga, que traz uma perda estimada de US$ 150 bilhões anualmente ao redor do mundo, segundo estimativa de um estudo da companhia de insumos Syngenta em parceria com a consultoria Agroconsult e Sociedade Brasileira de Nematologia.

Como consequência, o mercado de nematicidas teve um incremento relevante entre os agricultores brasileiros na última década, tendo aumentado dez vezes em apenas oito safras:, passando de R$ 160 milhões no ciclo 2014/2015 para R$ 1,56 bilhão na safra 2021/2022, segundo dados da consultoria Kynetec.

Globalmente, de acordo com dados da Mordor Intelligence, empresa de análise e consultoria industrial, o mercado de nematoides hoje é de US$ 3,05 bilhões (R$ 16,5 bilhões, pela cotação atual) e deve chegar a US$ 3,64 bilhões até 2030, o que representa uma alta de quase 20%.

Hoje, existem produtos biológicos e químicos para o combate dos nematóides, mas no passado, entre as décadas de 1960 e 1970 e o começo dos anos 2000, todo o manejo era químico.

“Eram nematicidas que tinham alto impacto em demais mamíferos e muito impacto na microbiota do solo, além de terem um efeito muito pontual.”

Já na década de 2000, houve uma renovação, com a chegada de uma segunda geração de nematicidas utilizando o ingrediente ativo abamectina.

“O pessoal de grandes cultivos, principalmente de soja, milho, algodão, começou a se atentar para a problemática do nematóide e viu que esse tipo de produto não era passível de ser utilizado em culturas que utilizavam extensas áreas, em função do custo”, afirma.

Foi o momento em que também passaram a surgir os bionematicidas, que são os produtos de base biológica que utilizam microrganismos como fungos e bactérias para o controle dos nematóides. Esse mercado, só em 2023, movimentou R$ 1,15 bilhão no Brasil, segundo informações da Sociedade Brasileira de Nematologia (SBN).

No País, os bionematicidas hoje só perdem para os bioinseticidas quando se analisa a quantidade de bioinsumos utilizados pelos produtores. Na safra 2024/2025, a taxa média de utilização desse tipo de produto atingiu 24%, considerando um universo total de 156 milhões de hectares, segundo levantamento da CropLife Brasil, realizado em parceria com a Blink e divulgado em maio passado.

Na cana-de-açúcar, por exemplo, hoje os bionematicidas já têm mais adesão do que os nematicidas químicos, chegando a 64% do total de vendas desse tipo de produto há dois anos, segundo a consultoria Kynetec.

Em apenas cinco anos, a comercialização desse tipo de produto nos canaviais cresceu 47%, chegando a R$ 403 milhões

Assim, novas empresas têm centrado forças nos bionematicidas. É o caso de companhias como Rizobacter, empresa argentina de biológicos que pertence ao grupo Bioceres, e da gaúcha Simbiose, que recentemente firmou um acordo que fez da Corteva a distribuidora dos produtos da empresa brasileira na Europa.

No lado dos químicos, lembra Godinho, também houve movimentação ao longo dos últimos anos, houve também trabalho de pesquisa e desenvolvimento para que os nematicidas fossem utilizados em uma dosagem baixa e com perfomance mais alongada.

A tendência é de que os produtos químicos tenham integração com os produtos biológicos também no mundo dos nematicidas, explica Godinho.

“Hoje, para entrar no mercado, se o produto não tiver uma compatibilidade com esses micro-organismos biológicos, ele nem segue na linha de registro. A sustentabilidade hoje é uma premissa grande. Precisamos manter essa microbiota de solo muito ativa.”

Dessa forma, emenda o professor, o nematicida químicos é desenvolvido de forma a não interferir negativamente no desenvolvimento de fungos e bactérias, focando apenas no nematóide em si.

“Os nematicidas químicos não vieram para substituir os biológicos, ou os biológicos para substituir o químico. Hoje nós vemos uma complementação muito grande dos dois”, sintetiza Godinho.

De olho nessas variáveis de mercado, a gigante dos insumos Syngenta está prestes a comercializar para os produtores brasileiros um fungicida e nematicida que funciona de forma integrada aos biológicos.

Trata-se da tecnologia Tymirium, que já está presente em produtos comercializados pela companhia pertencente à ChemChina em outros países, e que acaba de ter seu registro deferido pelo governo federal após cinco anos de espera.

A Syngenta agora aguarda a liberação do registro dos produtos em si para poder comercializá-los no mercado, de olho em culturas como soja, milho, algodão, cana-de-açúcar, café e hortifruti.

A empresa vem experimentando bons resultados com a tecnologia na Argentina e no Paraguai, onde o produto já recebeu aval dos órgãos locais e está sendo comercializado – ainda que o tipo de utilização por parte dos produtores seja diferente.

“Na Argentina, por exemplo, as doenças são um grande problema para os produtores e o nematóide é uma questão um pouco menor. A adoção foi alta, mas talvez por um motivo um pouco diferente do Brasil”, diz Carlos Tonet, gerente de marketing de produtos da Syngenta no Brasil.

De qualquer forma, a Syngenta planeja agregar a experiência em outros países da América do Sul para levar o produto aos agricultores brasileiros.

“Muito do que a gente viu de adoção, de percepção do agricultor, a gente vai utilizar no Brasil para, de certa forma, trazer conhecimento, trazer informações para que eles também tenham esse, explorem ao máximo a molécula”, adianta Tonet.

Resumo

  • Microscópicos, mas devastadores, os nematoides já causam perdas de até uma safra de soja por década no Brasil
  • Nematicidas, desenvolvidos para o controle da praga movimentam um mercado global de cerca de US$ 3 bilhões
  • Mercado vem chamando a atenção de grandes empresas do setor de insumos como a Syngenta, que deve lançar nova tecnologia no Brasil