Há mais de 40 anos, Mauro Lucio Costa caiu praticamente de paraquedas – e contra a própria vontade – em uma fazenda no Pará. Em 1982, aos 17 anos de idade, o mineiro de Governador Valadares foi enviado ao estado pelo pai, proprietário de terras em Minas Gerais e no Norte do país, numa tentativa de colocá-lo “nos trilhos”.

"Eu não queria vir, mas era muito levado. Nem se falava nesse termo, mas eu já era um 'nem-nem': nem queria trabalhar, nem estudar", recorda Mauro Lucio, hoje com 61 anos.

Após alguns meses em uma fazenda em Paragominas (PA), ele foi trabalhar com um primo em um frigorífico da região, até retornar à vida no campo ainda na década de 1980.

O que talvez nem ele mesmo imaginasse é que, quatro décadas depois, se tornaria uma referência em pecuária sustentável – ou, como prefere dizer, “pecuária sob princípios”. O conceito, segundo ele, resume-se a produzir mais utilizando menos recursos naturais e, de quebra, preservando a floresta nativa, sem derrubá-la.

Atualmente, a Fazenda Marupiara, de Mauro Lucio, localizada em Paragominas (PA), soma 4.356 hectares, trabalhando no modelo ILPF (sigla para integração lavoura-pecuária-floresta), considerado uma das principais estratégias a ser utilizada pela pecuária para diminuir sua pegada de carbono.

Da área total, a maior parte – 3.840 hectares – é ocupada por áreas de florestas, seguindo a legislação do Código Florestal. Os 880 hectares são destinados à produção, sendo 520 hectares voltados à pecuária e 360 hectares ao cultivo de soja e milho.

A propriedade trabalha com cria, recria e engorda, especialmente os dois últimos ciclos da pecuária, e vende a maior parte de sua produção, que abrange principalmente animais da raça Nelore, para o frigorífico Mercúrio, do Pará, que pertence ao sogro de Mauro Lucio.

Nem sempre a realidade da fazenda – e nem do pecuarista – foi essa. Quando seu pai faleceu, no começo dos anos 1990, o filho assumiu a responsabilidade pelas terras da família. Jovem e inexperiente, Mauro Lucio viu tudo ruir poucos anos depois, em 1995. “Eu era muito novo ainda, sem juízo. Perdi tudo”, lembra.

Sem alternativas, ele passou a trabalhar como funcionário em uma fazenda de um empresário de São Paulo que tinha propriedades de pecuária no Pará. Sua função era pesar o gado. Aos poucos, conseguiu se reerguer. “Fui trabalhando, trabalhando, e passei a ser administrador geral”, conta.

Em 1997, ele e o sogro compraram juntos uma propriedade, a atual Fazenda Marupiara. “Quando adquirimos, convertemos parte da floresta em pasto. Mas, poucos anos depois, em 2002, a fazenda já apresentava sinais de degradação”, relata.

Foi nesse momento que o pecuarista decidiu mudar o rumo da sua produção. “O comum era desmatar de novo. Mas eu pensei: ou consigo trabalhar sem depender dessa lógica de degradação, ou paro com a pecuária”, afirma.

Mauro Lucio, então, iniciou uma jornada técnica. Buscou conhecimento, investiu na fertilidade do solo, aprimorou o manejo e dividiu melhor os pastos. “A cada ano, minha produtividade foi melhorando”, afirma.

Os números confirmam essa evolução: em 2002, o estoque era de cerca de 500 cabeças. Em 2023, chegou a 2,5 mil cabeças em apenas 880 hectares.

A produtividade anual alcança 750 kg de carne por hectare, mais de 12 vezes a média do Pará, que gira em torno de 60 kg por hectare. O pecuarista dá atenção especial ao capim, garantindo boa qualidade às espécies que são consumidas pelo gado.

Um fato que chama a atenção é que o Mauro Lucio começou a trabalhar dessa forma antes mesmo de o Código Florestal passar a existir, em 2012, quando a lei passou a estabelecer a distinção entre desmatamento legal e ilegal e definiu que 80% das áreas das propriedades na Amazônia Legal devem ser preservadas como Reserva Legal, restando 20% para a produção agropecuária.

Com o tempo, Mauro Lucio diz que foi entendendo que o principal entrave para uma pecuária mais sustentável não é a falta de dinheiro, como muitos acreditam, mas a mentalidade dos produtores.

“Muitas vezes o dinheiro é utilizado como uma defesa. O que realmente falta é vontade de mudar, de melhorar a produtividade e o manejo. Isso, na maioria das vezes, não exige dinheiro, exige trabalho e conhecimento.”

"Quem trabalha numa pecuária que produz quatro arrobas é a natureza. Deus é o gerente da fazenda", exagera o pecuarista, antes de desenvolver sua tese:

“Aumentar a produtividade é desafiar a natureza. É como um atleta que se desafia o tempo todo: exige mais do corpo, supera limites. Na pecuária, é a mesma lógica. A cada ano, o desafio é maior — seja para aumentar a fertilidade, produzir mais carne ou manejar mais animais.”

O bom exemplo de Paragominas

Há pouco mais de 15 anos, com base nesses princípios, Mauro Lucio ajudou a tirar Paragominas da “lista suja” de 36 municípios brasileiros que mais desmatavam a Amazônia, divulgada pelo governo federal em 2008.

A inclusão da cidade na lista dificultou o acesso dos produtores locais ao crédito rural e ao mercado externo.

A situação piorou no ano seguinte, a partir de uma ação do Ministério Público Federal (MPF) e do Ibama contra frigoríficos com atuação no Pará que compravam de fazendas embargadas por desmatamento ilegal.

Grandes redes varejistas chegaram a suspender compras de carne do estado após pressão do MPF.

Foi nesse contexto que Mauro Lúcio, recém-empossado como presidente do Sindicato Rural de Paragominas, decidiu agir. O pecuarista foi um dos líderes da mobilização para incluir ao menos 85% das propriedades privadas do município no Cadastro Ambiental Rural (CAR), exigência para a retirada de Paragominas da lista.

“A gente mostrava ao produtor o que ele tinha de ativo e de passivo. Fizemos um trabalho muito legal, identificando áreas com vocação para lavoura, para pecuária, e aquelas que deviam ser preservadas. Em menos de um ano, conseguimos cadastrar 85% da área do município”, lembra.

Na sequência, Mauro Lucio capitaneou uma nova etapa: o projeto Pecuária Verde, criado pelo sindicato. “O projeto tinha três pilares: manejo e intensificação das pastagens, adequação ambiental das propriedades e bem-estar, primeiro era só animal, e depois passou a ser propriedades como um todo.”

Segundo o pecuarista, o projeto, que durou três anos, foi um sucesso. As fazendas participantes quadruplicaram sua produtividade, passando de cinco para 20 arrobas de carcaça peso vivo por hectare ao ano, segundo informações do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que estudou o projeto.

Mais de uma década depois, as premissas do Pecuária Verde ainda inspiram produtores em várias partes do Pará. “Tem propriedades em cidades como Xinguara, São Félix do Xingu e Tailândia em que os produtores praticam uma pecuária diferente”, conta o pecuarista.

O desmatamento

Desde o fim de 2023, Mauro Lucio se retirou do dia-a-dia da Fazenda Marupiara e se concentrou em fazer mentorias para pequenos produtores, estudar e pregar a palavra da “pecuária sob princípios” em palestras e falas públicas, além de liderar a Associação de Criadores do Pará (Acripará).

Recentemente, durante sua participação no TEDxAmazônia, evento realizado em Belém neste mês, o pecuarista compartilhou suas ideias sobre produção de bovinos, sustentabilidade e desmatamento.

Em determinado momento, afirmou que “o grosso do desmatamento é feito pela especulação imobiliária.” E completou: "Garanto a vocês que [o desmatamento ilegal] não é com o intuito de fazer pecuária, porque a maioria dos pecuaristas falam que o negócio não é rentável.”

Ao conversar com o AgFeed, Mauro Lucio reforçou sua fala: “Hoje, uma parte da pecuária que está na mão de investidor pecuário e não do pecuarista. São caras que têm indústria e têm pecuária, caras que são médicos e têm pecuária. Esses caras são investidores. Então, eles estão ali muito mais por uma valorização imobiliária, pela valorização do rebanho.”

Segundo o pecuarista, esses investidores estariam mais interessados em valorizar as áreas para futura revenda do que em manter uma produção de longo prazo.

Para sustentar essa avaliação, Mauro Lúcio apresenta alguns números: “Em regiões do Pará onde está o foco do desmatamento, como Altamira e São Félix do Xingu, você compra uma área de floresta numa faixa entre R$ 3 mil e R$ 5 mil o hectare. Depois que desmata, vale R$ 30 mil o hectare”, estima.

Depois de vendidas, a maior parte dessas áreas acaba sendo destinada à pecuária. “Para a agricultura, o processo é muito caro e é necessário mecanizar. Já para a pecuária, é barato, não precisa mecanizar.”

Mauro Lucio também acredita que a pecuária paraense tem potencial para se destacar na COP 30, que será realizada em novembro em Belém, mas critica a falta de protagonismo do setor privado e a postura do governo estadual em relação à rastreabilidade.

O governo do Pará se comprometeu a rastrear e identificar individualmente todo o rebanho do estado – mais de 25 milhões de cabeças de gado, o segundo maior do Brasil – até dezembro de 2026. A brincagem dos primeiros animais começou em setembro do ano passado.

Além de permitir a identificação individual dos bovinos, o uso dos brincos possibilita saber exatamente em qual fazenda o animal nasceu e por quais outras propriedades passou.

O cruzamento dessas informações permite ainda verificar a situação legal de cada uma das fazendas envolvidas no percurso do gado.

Hoje, o grande desafio da pecuária brasileira é rastrear os fornecedores indiretos. No passado, nem mesmo os fornecedores diretos eram plenamente identificados pelos grandes frigoríficos.

Essa lacuna, no entanto, foi sendo superada, e atualmente os principais frigoríficos já fazem esse controle quase que integralmente.

O problema permanece entre os fornecedores indiretos. Isso porque, antes do abate, os animais costumam passar por várias fazendas, em diferentes fases do ciclo pecuário. Nessa movimentação, o gado pode ter circulado por áreas desmatadas ou irregulares sem que isso fique registrado.

Mauro Lucio vê com ceticismo os planos do governo para rastrear toda a produção. “É humanamente impossível. Nós não temos capacidade para fazer isso em um ano”, resume.

O pecuarista conta que, há cerca de dez anos, utilizou o sistema federal de identificação do gado, o SISBOV, para fazer a identificação do próprio rebanho.

“Quando vou comprar o gado, vejo se não tem desmatamento, se não tem trabalho escravo, se não tem sobreposição em terra indígena. O mesmo monitoramento que o frigorífico faz para mim, a gente faz já nos nossos produtos”, explica.

Mesmo assim, ele ainda encontra dificuldades para rastrear todo o gado que passa por sua propriedade. Segundo o pecuarista, aproximadamente metade dos animais comprados para recria e engorda vem diretamente dos criadores originais e, dessa forma, ele consegue fazer o rastreio e a identificação.

Mas a outra metade já passou por outras fazendas antes, tornando o rastreio mais difícil. “O problema são as vendas, as transferências do gado.”

Além dos entraves práticos, o pecuarista acredita que muitos produtores e indústrias preferiram aguardar definições do governo estadual em vez de agir por conta própria e considera que o Executivo também poderia ter incentivado mais fortemente a participação do setor produtivo nesse processo.

“Não é falar mal, mas a gente não pode comparar a eficiência do privado com o público. O setor privado tem uma velocidade maior, uma facilidade de fazer.”

Mauro Lucio cita o caso do Frigorífico Rio Maria, localizado na cidade de mesmo nome, no Pará, que implementou um protocolo de rastreabilidade individual e monitoramento de fornecedores indiretos. Desde o lançamento, em julho de 2023, ao menos 40 mil animais já foram brincados.

“Se tivesse dado mais apoio a esse projeto, a gente já teria várias indústrias fazendo a mesma coisa hoje. No dia que o governo do estado lançou o programa, por exemplo, o Rio Maria já tinha mais de 200 mil cabeças cadastradas”, estima o pecuarista.

E os pequenos?

Por essas razões, Mauro Lucio e a Acripará têm direcionado seus esforços especialmente em auxiliar os pequenos produtores de gado a transformar sua produção em busca de uma pecuária mais sustentável.

“Já existe uma evolução nos produtores médios e grandes, porque eles têm acesso à tecnologia com mais facilidade. Mas um desafio, como Acripará, é levar essa tecnologia para os pequenos produtores”, afirma.

Apesar de os pequenos contarem com áreas menores e menos recursos financeiros e humanos, o pecuarista acredita que esse tipo de produtor têm até mais condições do que os grandes de escalar e intensificar a produção.

“Eles estão muito mais em cima do negócio, de fazer acontecer as coisas tudo na hora mais certa. O que eles precisam é de orientação, conhecimento, treinamento e capacitação”, avalia o pecuarista.

Na avaliação de Mauro Lucio, o caminho mais viável para esse público está no manejo regenerativo, que ele considera ser uma abordagem mais acessível, embora de resultados mais lentos.

“A degradação é um câncer. O primeiro passo é sair dela. Depois, aos poucos, a gente aumenta a taxa de lotação e a produtividade”, afirma.

Não por acaso, o pecuarista está desenvolvendo um protocolo que chama de “supercria regenerativa”, baseado na melhoria do manejo dos pastos, da lotação e do bem-estar dos animais.

Segundo ele, ao melhorar o manejo dos pastos e a forma como o capim é colhido, é possível obter ganhos expressivos no desempenho do rebanho. “Quando você começa a manejar o pasto bem, trabalhar bem o gado, você aumenta o ganho de peso, ou seja, você aumenta a sua lucratividade.”

A principal vantagem do manejo regenerativo, na avaliação de Mauro Lucio, é justamente seu ritmo mais gradual, que permite ao produtor aprender e aplicar o método sem a necessidade de despender grande quantidade de recursos na largada.

“Dá para as pessoas pegarem o modelo e fazer. Para pequenos produtores que não têm tanta condição de ter técnicos, eu acredito que o modelo regenerativo vai melhorar bastante”, afirma.

O pecuarista também reforça a importância de estabelecer um protocolo a ser seguido, algo ainda pouco comum na pecuária brasileira. “Se você colocar dez ou quinze pecuaristas dentro de uma sala, vai perceber que cada um faz de um jeito”, observa.

Até mesmo dentro de um mesmo grupo de propriedades, as práticas podem variar bastante, segundo Mauro Lucio. “Tem um fazendeiro, para quem presto mentoria, que tem cinco propriedades e cada uma tem um manejo diferente da outra. Não é o produtor que tem um processo que ele acha que é válido. Simplesmente pessoas que trabalham diferente. É que cada um aprendeu de um jeito, então cada um toca o negócio à sua maneira.” Que o bom exemplo do pecuarista ressoe em outros criadores de gado do Pará.

Resumo

  • Dono da fazenda Marupiara, Mauro Lucio Costa promove uma pecuária sustentável e regenerativa no Pará, adotando práticas como ILPF, o uso racional do solo e o aumento da produtividade sem desmatamento
  • Com o modelo, chega a produzir 750 kg de carne por hectare, mais de 12 vezes a média estadual
  • Presidente da Acripará foi peça-chave na retirada do município de Paragominas da “lista suja” do desmatamento, criando o projeto Pecuária Verde, que quadruplicou a produtividade das fazendas participantes

Vista aérea da Fazenda Marupiara