Dia sim, dia não, a multinacional alemã de insumos Bayer aparece no noticiário, ora pelas declarações fortes de seu CEO, Bill Anderson, seja pelos resultados enfraquecidos que a companhia vem apresentando trimestre após trimestre ou pelos desdobramentos dos litígios judiciais envolvendo o herbicida Roundup, à base de glifosato, que vêm drenando o caixa da empresa alemã nos últimos anos.

Agora, a Bayer está mais uma vez empenhada para tentar resolver processos pendentes na Justiça do estado do Missouri, sede da Monsanto nos Estados Unidos – o que não chega a ser uma novidade dado o histórico da companhia, que nos últimos anos já despendeu cerca de US$ 10 bilhões em indenizações judiciais envolvendo o RoundUp, transformando a questão em uma obsessão para Anderson.

A novidade é que, se os processos não chegarem a um bom termo, a Bayer estaria estudando tomar uma decisão mais drástica, segundo informações do jornal The Wall Street Journal: a entrada com um pedido no famoso capítulo 11 (Chapter 11) do código de falências dos Estados Unidos, o equivalente à recuperação judicial no Brasil, para a subsidiária Monsanto – comprada pela Bayer por US$ 63 bilhões em 2018 e que foi a criadora e fabricante do RoundUp até ser adquirida pelos alemães.

Com o Chapter 11, a companhia poderia chegar a um acordo para o pagamento dos litígios dentro de um plano de recuperação. Na listagem mais recente de subsidiárias, a Bayer contabilizava cinco subsidiárias Monsanto nos Estados Unidos, quatro com sede em St. Louis e uma em Porto Rico. No Brasil, também há uma subsidiária Monsanto, sediada em São Paulo.

O procedimento de subsidiárias de grandes companhias entrando com pedidos de Chapter 11 vem sendo adotado por outras empresas nos Estados Unidos, ainda que sem sucesso na Justiça americana.

É o caso da Johnson&Johnson, que enfrenta mais de 62 mil processos envolvendo alegações de que os talcos para bebê companhia teriam causado câncer de ovário por conterem amianto, uma substância cancerígena. Somente em um desses processos, a empresa foi condenada a pagar uma indenização de US$ 18,8 milhões.

A Johnson&Johnson entrou, então, com três pedidos de Chapter 11 para subsidiárias suas, mas a estratégia não convenceu os juízes americanos. Após uma última derrota, em março passado, a companhia resolveu desistir do plano e disse que iria retornar à justiça civil “para litigar e derrotar alegações infundadas sobre o talco.”

Outro exemplo é o da companhia 3M, que enfrenta cerca de 260 mil processos envolvendo protetores auriculares para armas de combate, que teriam causado perda auditiva em veteranos de guerra e militares dos Estados Unidos. Assim como a Johnson&Johnson, a 3M entrou em 2022 com um pedido de Chapter 11 para uma subsidiária, a Aearo Technologies, que produz os protetores de ouvido, que também não foi aceito pela Justiça americana. A empresa chegou a entrar com recurso, mas acabou aceitando um acordo de US$ 6,01 bilhões para encerrar os processos, em agosto de 2023.

No caso da Bayer, o problema é grande. São cerca de 67 mil processos em andamento que já consumiram um montante significativo dos US$ 16 bilhões que a companhia alemã reservou até agora para acordos. A provisão atual restante é de US$ 6,2 bilhões, segundo informou a companhia nas informações financeiras do primeiro trimestre de 2025, quantia que pode ser insuficiente frente ao volume de decisões.

Não à toa, a Bayer solicitou recentemente aos acionistas um aumento de 35% de seu capital para conseguir US$ 9 bilhões adicionais e ter mais reserva frente aos processos do Roundup.

Os encargos acabam afetando os resultados da companhia: no primeiro trimestre de 2025, o ebit foi de 2,324 bilhões de euros, ante 3,092 bilhões de euros – sendo que os itens especiais foram negativos em 587 milhões de euros, com o resultado impactado significativamente por provisões envolvendo o RoundUp.

A Bayer pretende resolver esses problemas nos próximos 12 a 18 meses. “É um plano enorme que tem diferentes linhas de frente”, disse Rodrigo Santos, brasileiro que comanda globalmente a divisão agrícola da Bayer, na conferência de investidores da companhia ao comentar sobre a estratégia jurídica da empresa para o caso RoundUp, segundo o The Wall Street Journal, sem dar mais detalhes.

A advogada Gabriela Martines Gonçalves, sócia da área de reestruturação, recuperação de créditos e insolvência do escritório TozziniFreire Advogados, explica que, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, há a possibilidade de que as subsidiárias entrem com pedido de chapter 11 – ou, no caso brasileiro, com um pedido de recuperação judicial.

“Às vezes só a subsidiárias operacionais pedem, e não a holding, e o contrário: as subsidiárias operacionais não pedirem e a holding pede. Quem tem que pedir é aquela empresa que está efetivamente sofrendo uma crise econômico-financeira. Não precisa ser todas as empresas do grupo. Os grupos conseguem selecionar aqueles CNPJs, aquelas sociedades específicas que estão sofrendo e que precisam se socorrer do processo.”, explica Martines Gonçalves.

Ieda Queiroz, coordenadora do setor de agronegócios do escritório CSA Advogados, explica que uma possível entrada em chapter 11 da Monsanto não significa que, necessariamente, outros negócios da Bayer – o restante da divisão agrícola e as áreas de saúde do consumidor e produtos farmacêuticos – tenham de entrar junto na causa.

“A controladora eventualmente ficaria suspensa de retirar seus dividendos, mas ela e outras empresas irmãs, controladas da Bayer, não seriam afetadas”, afirma. “Já os negócios da empresa que entraram no Chapter 11 e empresas que estão abaixo delas sofreriam o impacto.”

Em relação ao destino dos ativos da Monsanto que a Bayer levou quando incorporou a companha americana, Martines Gonçalves, do TozziniFreire, diz que é necessário atentar ao que indica o plano de credores. “Depende muito de quais sociedades vão pedir Chapter 11 e o que vai ficar estabelecido no plano, porque a ideia do Chapter 11 é você aprovar um plano de reestruturação com os seus credores.”

A advogada Ieda Queiroz, do CSA, acrescenta que os ativos da Monsanto poderiam entrar num plano de Chapter 11. “Isso acontece porque esses ativos seriam uma fonte de receita para a subsidiária resolver os passivos que ela detém”, afirma.

O plano de Chapter 11 também pode prever injeção de recursos de outras fontes que vão além das receitas já existentes da subsidiária em si, segundo Gonçalves, do TozziniFreire. “É o que a gente chama de dip financing: pessoas financiando a empresa, venda de ativos. A empresa consegue colocar tudo no plano e esse plano tem que ser colocado para aprovação dos credores.”

Queiroz lembra que os ativos da Monsanto relacionados à atividade agrícola, como patentes e contratos de licenciamento, permaneceram dentro da subsidiária na compra pela Bayer. “Eventualmente, foram licenciados em condições eventualmente diferentes a empresas irmãs ou a controladora, mas não foram transferidos. Eles permaneceram dentro da empresa agrícola”, afirma Queiroz.

Um eventual licenciamento continuaria acontecendo, na avaliação da advogada do CSA, mesmo com a possibilidade de entrada da Monsanto no processo de Chapter 11. “Tanto no plano de recuperação judicial brasileiro, quanto no Chapter 11, essa suspensão que é feita é para que a empresa fique com um respiro com relação ao pagamento de passivos e utilize os seus recursos pra sua manutenção de receita”, diz Ieda Queiroz.

A advogada do CSA traz um exemplo prático para exemplificar a questão. “Se houver alguma pesquisa que esteja em curso, que seja para o melhoramento de uma determinada semente que ela licencia, dependendo da fase que esse projeto estiver, não vai poder cortar o financiamento previsto para esse projeto, porque é ele que vai garantir a manutenção das atividades da empresa, já que as patentes têm uma janela de exploração exclusiva.”

Quanto ao grande passivo, as advogadas lembram que os credores entrarão em um cronograma de pagamentos estabelecido no plano de recuperação apresentado pela empresa.

Ieda Queiroz, do CSA, diz que a Justiça permite que se concentrem processos dentro do Chapter 11 para que possam ser feitos acordos com condições similares para determinados grupos de pessoas em uma mesma condição.

“Nos Estados Unidos existem leis diferentes, eventualmente aplicáveis de forma diferente em cada tribunal de cada Estado. Quando você entra no Chapter 11, você acaba concentrando essas discussões pra que elas tenham uma uniformidade.”

Resumo

  • Com a compra da Monsanto, Bayer "herdou" mais de 60 mil litígios envolvendo o herbicida Roundup, à base de glifosato
  • Empresa espera resolver esses litígios em até 18 meses, mas caso não tenha sucesso examina a possibilidade de acionar o Chapter 11
  • Recurso semelhante já foi tentado por empresas como Johnson&Johnson e 3M, mas foram recusados pela justiça americana