Quando olham para o Sul do Mato Grosso, onde está a sede da companhia, os executivos do grupo Amaggi não enxergam apenas as oportunidades de sua estratégia de expansão dos negócios para outras regiões produtoras do Brasil, como mostrou o AgFeed no começo de maio.

Nos últimos meses, eles têm também prestado bastante atenção ao que acontece na Argentina. Mais especificamente, estão focados nas operações de um dos maiores grupos agroindustriais do país vizinho: a Los Grobo Agropecuaria.

Fundada pelo empresário Gustavo Grobocopatel e hoje controlada pelo fundo de investimentos Victoria Capital Partners (o fundador e sua esposa mantém 10% de participação), a Los Grobo já foi uma potência e chegou a disputar com a companhia da família Maggi o protagonismo na produção de grãos na América do Sul – inclusive no Brasil.

Hoje, a empresa argentina vive uma série crise financeira e, desde fevereiro, se encontra em um processo semelhante ao da recuperação judicial – ou seja, recorreu à proteção da justiça argentina para tentar evitar a execução de dívidas por seus credores.

E vê na antiga concorrente brasileira – através de sua subsidiária Amaggi Argentina S.A. – uma tábua de salvação na execução de um plano para levantar cerca de US$ 150 milhões e manter suas operações, enquanto ganha tempo para reorganizar seus negócios e até mesmo vender ativos.

Com dificuldades inclusive para negociar a aquisição de grãos de produtores locais para atender à demanda de suas indústrias e de clientes, a Los Grobo fechou recentemente dois acordos com a Amaggi – uma de suas principais credoras, com mais de US$ 5 milhões a receber –, em que a companhia brasileira atua como espécie de “fiadora” dessas compras.

O AgFeed teve acesso a documentos protocolados pelo grupo argentino no Tribunal Nacional de Comércio 13 – onde corre o processo de RJ do Los Grobo – em que a empresa detalha os termos e os objetivos desses acordos.

O primeiro deles, que funcionou como uma espécie de “piloto”, era restrito à compra de girassol. Com a ajuda desse recurso, a Los Grobo conseguiu adquirir cerca de 70 mil toneladas da commodity, o que permitiu a reativação de suas 16 unidades de processamento após meses de paralisação.

É menos da metade da capacidade total das plantas, que chega a 150 mil toneladas por safra, mas permitiu à empresa gerar US$ 25 milhões em receita.

O modelo de compra se iniciava com uma oferta da Los Grobo Agropecuaria pelo grão. Caso o produtor aceitasse, poderia ter a garantia de pagamento direto da Amaggi, através da emissão uma caução. A remuneração, nesse caso, para o grupo brasileiro foi de US$ 5 dólares por tonelada.

O sucesso do piloto levou os dois grupos a negociarem um novo acordo, ampliando o modelo para a aquisição de soja e milho na atual safra, com uma expectativa de transacionar entre 500 mil e 700 mil toneladas, com valores estimados entre US$ 120 milhões a US$ 150 milhões.

A negociação entre os grupos, entretanto, agora traz um novo modelo. O novo contrato estabelece que a Amaggi analisará os contratos de compra dos grãos enviados pela Los Grobo e decidirá, “caso a caso, a seu exclusivo critério e conveniência”, se concederá a garantia.

Em troca da emissão da garantia, a companhia receberá — independentemente da execução da referida garantia — 50% do resultado gerado pelas operações, além do valor do imposto (IVA) incidente sobre ela.

Procurada pelo AgFeed, a Amaggi preferiu não comentar o assunto. A Los Grobo também não tem se manifestado fora das instâncias oficiais.

Recuperar a confiança

Na safra anterior, a Los Grobo movimentou cerca de 2 milhões de toneladas dos diferentes grãos. Com o encolhimento das operações, deve chegar à metade disso este ano.

Mais importante que volume agora, no entanto, é recuperar a credibilidade no mercado. E, nesse ponto, ter um nome como o da Amaggi como garantidor – em uma relação que o jornal platino La Nacion chamou de “alianza de novios”, que pode ser traduzida como uma “aliança de namoro” – é visto como bastante positivo.

“Algumas transações foram pagas pela Los Grobo e outras pela Amaggi. Para a empresa, foi como mostrar seu apoio aos negócios no mercado”, disse ao jornal um dos produtores que fez negócios com a companhia.

A confiança dos agricultores na Los Grobo vem despencando em ritmo forte desde o anúncio do calote, em dezembro.

Na ocasião da entrada com o pedido de proteção judicial, o grupo informou ao tribunal ter dívidas da ordem de US$ 320 milhões (o equivalente, no câmbio atual, a R$ 1,8 bilhão).

A lista de credores inserida no processo – a que o AgFeed teve acesso – traz nada menos do que 3.740 nomes. No topo da lista, empresas financeiras e agrícolas, além de fornecedores de insumos.

A maior credora é a Promontoria Holding, instituição europeia com a qual o grupo argentino levantou, em 2019, um empréstimo de US$ 50 milhões. Na lista, o valor do crédito declarado é de 27,255 bilhões de pesos, o equivalente, ao câmbio atual, a US$ 24 milhões.

No documento de 65 páginas, nomes conhecidos do agronegócio brasileiro se juntam a outros com atuação apenas em território argentino. A Amaggi Argentina aparece na sexta posição entre os maiores credores, com 6,61 bilhões de pesos (US$ 5,4 milhões) a receber.

Vem logo atrás da gigante Bayer, que tem a ver 9,07 bilhões de pesos (US$ 8 bilhões), e acima da UPL, com 5,71 bilhões (US$ 5,1 milhões), e da ADM, com 5,54 bilhões de pesos (US$ 4,9 milhões).

Ainda entre as top 20 estão a sementeira GDM (3,98 bilhões de pesos) e a trading LDC (3,81 bilhões de pesos).

O esforço dos últimos meses já teria sido suficiente para reduzi-las para a casa dos US$ 220 milhões (R$ 1,23 bilhão), principalmente por meio de baixas e compensações com fornecedores e contratados.

Segundo especulam veículos argentinos, a Los Grobo teria reduzido seu quadro de pessoal de 700 para 400 funcionários , fechou 10 de suas 36 filiais e suspendido sua própria produção de grãos em aproximadamente 100.000 hectares.

Outra ação tomada pelo grupo foi o arrendamento de um moinho para a empresa argentina Molinos Fénix, já como parte de uma revisão estratégica de negócios.

A ideia seria concentrar suas operações em plantas localizadas nas regiões de Entre Ríos, norte de Buenos Aires e Córdoba.

Outro negócio que o grupo tenta salvar é o da Agrofina, subsidiária especializada na produção de defensivos químicos, também sob proteção judicial.

Em março passado, a Los Grobo conseguiu fechar acordos com distribuidores e fornecedores e reativou a produção na fábrica localizada no município de Zárate.

Com isso, passou a projetar vendas entre US$ 50 milhões e US$ 70 milhões para este ano, contra US$ 140 milhões no ano passado.

Resumo

  • A Amaggi está apoiando financeiramente a argentina Los Grobo, que passa por grave crise e está sob proteção judicial contra credores
  • A parceria começou com um projeto piloto de compra de girassol, mas foi extendido para soja e milho, podendo movimentar até US$ 150 milhões
  • A Los Grobo tem dívidas de cerca de US$ 320 milhões. A Amaggi é uma das dez principais credoras , com US$ 5,4 milhões a receber