O primeiro trimestre do ano deixou um gosto um tanto quanto amargo para a cadeia produtiva do cacau. A alta volatilidade dos negócios, causada pela redução na produção dos principais países produtores, e a consequente escalada dos preços compuseram a equação que resultou na retração da demanda por cacau no mercado global.

Como consequência, as indústrias processadoras registraram queda no volume da moagem de cacau, que ficou em 52.135 toneladas, recuo de 13% em relação ao primeiro trimestre de 2024, quando foram processadas 59.942 toneladas de amêndoas, segundo dados da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).

O menor volume processado reflete não só a retração na demanda das empresas chocolateiras, reflexo da desaceleração do consumo, mas também a menor produtividade das lavouras, resultado das perdas causadas pelas variações climáticas nos países produtores, incluindo o Brasil. Assim, no primeiro trimestre do ano, as indústrias registraram queda de 67% no volume recebido.

Segundo os dados da AIPC, nos três primeiros meses do ano, as quatro principais indústrias processadoras de cacau no Brasil - Barry Callebaut, Cargill, Indústria Brasileira de Cacau - IBC e OFI receberam 17.758 toneladas ante 54.435 toneladas no último trimestre de 2024.

Este foi o segundo menor volume de recebimento registrado em um trimestre nos últimos cinco anos. Em comparação ao primeiro trimestre de 2024, o recuo foi menor, de 5% em relação às 18.700 toneladas. Juntas, as companhias associadas à AIPC respondem por cerca de 95% de todo o recebimento de cacau no país.

“O cenário é bastante desafiador. Nos últimos meses temos sentido uma retração na demanda pelos nossos produtos, uma somatória de oferta incerta e alta de preço. Acreditamos que os próximos meses ainda tendem a ser de retração na demanda”, avalia a presidente-executiva da AIPC, Anna Paula Losi.

Em março, durante coletiva sobre perspectivas para a Páscoa, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), Jaime Recena, explicou que a indústria deve produzir 45 milhões de ovos de Páscoa para esse ano, volume 22% inferior aos 58 milhões de ovos produzidos para a Páscoa 2024.

Já o leque de produtos disponível para o consumidor deve chegar a 803 tipos, sendo 95 lançamentos especiais para o período. Nesse portfólio, estão produtos com volumes menores de cacau e maiores quantidades de castanhas, biscoitos e outros ingredientes, com o objetivo de ajudar a indústria a diluir os custos.

“Tivemos uma alta de 300% no cacau e de 10% no valor do chocolate nas gôndolas, motivado principalmente pela inflação, já que o nosso compromisso é não onerar o consumidor”, declarou o executivo na ocasião.

Do total de amêndoas recebidas pelas indústrias processadoras no primeiro trimestre, 11.671 toneladas vieram da Bahia, maior produtor, um aumento de 2,2% em relação ao primeiro trimestre de 2024. Já o volume recebido do Pará, segundo principal produtor de cacau, recuou 27,8% e ficou em 4.223 toneladas ante 5.848 toneladas no mesmo período.

O início da safra temporã em maio, que costuma trazer maiores volumes de produção, deve sofrer atrasos, já que segundo Anna Paula, as primeiras floradas ainda estão começando, indicando um “atraso considerável”.

Diante desse cenário, ela pondera que “no cenário local, se houver recuperação na oferta, talvez consigamos perceber no terceiro trimestre do ano. Mas ainda é cedo para fazer previsões sobre o volume desse ano”, avalia.

Apesar dessa desaceleração, o processamento de cacau pelas indústrias no período foi quase três vezes maior ao volume recebido, acentuando o descompasso entre a produção nacional e a demanda.

A diferença entre recebimento e demanda chegou a 34.377 toneladas e fez com que as indústrias recorressem aos seus já baixos estoques e em última instância às importações de amêndoas.

Tanto que nos primeiros três meses do ano, as importações chegaram a 19.491 toneladas, aumento de 30% no volume em comparação ao mesmo período de 2024, quando as importações chegaram a 15.015 toneladas.

“A indústria moageira precisou queimar o pouco estoque de passagem, pois mesmo com a importação o volume adquirido no primeiro trimestre não alcançou o volume industrializado para atender o mercado interno e os clientes internacionais”, avalia a executiva.

Ainda de acordo com Anna Paula, esse cenário evidencia a dependência da indústria brasileira do fornecimento externo de amêndoas para conseguir atender seus clientes e destaca o papel das importações como mecanismo de compensação em períodos de baixa produção interna.

Solução passa pela autossuficiência

Nos últimos anos o setor tem visto um aumento de investimentos no cacau, já que o Brasil não é autossuficiente na produção e precisa recorrer às importações para atender aos pedidos dos clientes.

O avanço do cultivo em áreas não tradicionais - fora da Bahia e Pará - e a chegada de produtores maiores, vindo de outros setores como a produção de grãos são, segundo Anna Paula, parte essencial para auxiliar o Brasil a alcançar a produção de 400 mil toneladas até 2030, por meio do plano InovaCacau, conforme reportagem do AgFeed.

“Essas ações são necessárias para que possamos mudar de patamar e para que o setor possa prosperar. Por isso, temos visto investimentos de diversos atores para melhorar a produtividade nas regiões tradicionais, mas também projetos em novas áreas”, avalia.

No Brasil, a safra 2023/2024 ficou abaixo de 200 mil toneladas, volumeaquém da demanda interna. Ao mesmo tempo, Gana e Costa do Marfim, os principais produtores de cacau no mundo, viram suas produções serem devastadas por uma conjunção de fatores.

A falta de investimentos em manejo, somados ao envelhecimento das plantas e falta de assistência técnica, por si só já eram fatores que jogavam a produtividade africana para baixo.

Some-se a isso o avanço de doenças e pragas e a longa estiagem que assolou algumas regiões e o resultado foi uma queda superior a 460 mil toneladas no volume produzido nesses dois países, segundo levantamento feito pelos economistas Lucca Bezzon e Rafael Borges, da StoneX.

A consequência foi a diminuição da oferta global de cacau, enquanto a demanda se mantinha firme. Como resultado, os preços alcançaram patamares recordes e a tonelada de cacau chegou a ser comercializada na bolsa acima de US$ 13 mil, o maior patamar dos últimos 50 anos.

Para 2025, os analistas da StoneX ponderam que esse desequilíbrio entre oferta e demanda, contribui para a manutenção de preços elevados para o cacau no mercado internacional.

No entanto, as recentes quedas na demanda pelo cacau e seus derivados, segundo os analistas, devem colocar um limite na alta dos preços. Os dados das principais associações das indústrias processadoras no mundo apontaram queda de 4,6% no volume de moagem, acentuando a volatilidade do mercado.

Essa queda na demanda é, segundo os especialistas, o principal fator que deve contribuir para um superávit de 142 mil toneladas para a safra 24/25, estimada pela International Cocoa Organization (ICCO). Para a StoneX, esse excedente deve ser bem menor, em torno de 41 mil toneladas.

Outro aspecto que deixou o mercado em alerta é a tendência de que o clima no Oeste Africano, uma das principais regiões produtoras de cacau, deve impactar a safra intermediária na região, que ocorre entre abril e setembro.

“Nesse contexto, o mercado futuro deve continuar volátil, com preços sustentados ao longo do ano, mas com potencial de queda a partir do último trimestre, dependendo da recuperação climática e das perspectivas para a safra 2025/26”, ponderam os analistas.