O edifício-sede do Banrisul, o banco público do Rio Grande do Sul, está localizado no coração de Porto Alegre.
Foi ali, na região central, que a capital gaúcha nasceu, há mais de 250 anos, quando um grupo de casais vindo do Arquipélago dos Açores, então uma colônia portuguesa no meio do Atlântico, chegou navegando pelo rio Guaíba em busca de melhores condições de vida.
Também foi ali que, há quase um ano, em maio do ano passado, as águas do Guaíba, que banha a cidade, ultrapassaram um muro de três metros de altura, inundando boa parte do centro da capital gaúcha – depois de as águas terem deixado cidades do interior do estado submersas, com prejuízo total estimado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em R$ 88,9 bilhões.
A sede do Banrisul também foi afetada. O térreo e o subsolo do edifício, que tem ao todo 22 andares, ficaram totalmente alagados.
Mesmo assim, o banco não interrompeu sua operação. Os funcionários entraram no regime de home office e a instituição passou a trabalhar, ao longo de dois meses, em um outro ponto da cidade onde não havia alagamentos, na avenida Dom Pedro II, centro corporativo de Porto Alegre.
“O Banrisul não ficou um segundo, um minuto, fora do ar. A gente continuou ativo o tempo todo para os clientes. Não houve qualquer tipo de indisponibilidade” afirma Robson Oliveira Santos, superintendente executivo de agronegócio do banco.
Assim, mesmo sob um ano de dificuldades para o Rio Grande do Sul e para os produtores rurais gaúchos, o banco conseguiu ampliar sua carteira de crédito rural e prestar apoio aos agricultores e pecuaristas do estado.
A carteira de crédito rural do Banrisul cresceu 20,6% no ano passado, passando a R$ 13,7 bilhões, continuando uma tendência já registrada pelo banco público gaúcho nos últimos anos, inclusive em períodos de safras adversas. Em 2022, chegou a expandir a carteira em 62,9%.
O crédito rural é relevante para o Banrisul, tanto pela forte presença do banco no Rio Grande do Sul – apesar de ter agências em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Distrito Federal, a maior parte de seus negócios e clientes está no estado-sede – quanto pela relevância da agropecuária na economia local.
Enquanto no Brasil o setor representa cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB), no Rio Grande do Sul essa participação chega a aproximadamente 15% do PIB local, segundo dados do governo gaúcho e do IBGE.
Não à toa, 22,1% de toda a carteira de R$ 62,058 bilhões do banco está no crédito rural.
Considerando que a maior parte da carteira rural do Banrisul é de pessoas físicas, o volume deixa o banco gaúcho não tão distante assim de outra instituição financeira com presença em todo o território nacional e forte no agro, o Bradesco, que registrou uma carteira rural de pessoas físicas de R$ 25,2 bilhões em 2024.
Depois do crescimento acelerado dos últimos anos, o banco espera que sua carteira de crédito rural continue crescendo, ainda que de forma menos acelerada.
"Vemos uma acomodação, porque a carteira já tem um volume bem mais expressivo do que no passado", afirma Santos.
"Se crescessemos 60% como em 2022, isso seria o equivalente a passar bastante da faixa de R$ 20 bilhões. É estruturalmente impossível."
Em contrapartida, o volume concedido no crédito rural teve um pequeno recuo de 1,5% em 2024, passando a R$ 8,754 bilhões, ante R$ 8,886 bilhões bilhões em 2023. "A gente considera esse número estável, porque 1% em cima de bilhões de reais é quase nada”, diz o superintendente de agro do Banrisul.
No quarto trimestre de 2024, os desembolsos cresceram de forma significativa, com expansão de 78,7% frente ao mesmo período de 2023. Santos observa que, tradicionalmente, a demanda por recursos no Rio Grande do Sul fica concentrada no segundo semestre de cada ano, mas que o ano passado teve um comportamento "fora da curva".
"A demanda ficou muito represada no primeiro semestre. O produtor passou os meses seguintes às chuvas de maio mais focado primeiro em retomar a viabilidade operacional da sua propriedade e ajustar, dar encaminhamento, dar tratamento para as dívidas já contraídas que venciam justamente naquele período de maio, junho e agosto", afirma Santos.
"Isso fez com que o movimento de contratação dos financiamentos para novos investimentos acontecesse muito mais nessa última parte do ano de 2024", emenda o superintendente do Banrisul.
O Banrisul passou o ano de 2024 focado em manter o produtor rural em atividade, segundo Santos, por orientação do próprio presidente da instituição, Fernando Lemos.
A proximidade dos produtores, nesse sentido, tornou-se uma vantagem para a instituição conseguir viabilizar as mais de 20 normas editadas pelo governo federal para o crédito rural no ano passado, de forma a amparar os produtores gaúchos, afirma Santos.
Presente em todos os 497 municípios do Rio Grande do Sul, o banco mantém 471 agências e 118 pontos de atendimento. "Por estar muito próximo de cada produtor, a gente conseguiu ver muito bem qual era o nível de prejuízo, de perda e de necessidade de apoio que as diferentes cidades, diferentes regiões e diferentes produtores precisavam", diz Santos.
O índice de inadimplência acima de 90 dias da carteira de agronegócio do Banrisul foi de 0,76% no ano passado. Considerando apenas a categoria de produtores rurais pessoas físicas – a maior parte da carteira – o banco registrou uma inadimplência de 0,79% no período.
"Esse é um ponto que o banco comemorou, dado todo o contexto, e isso foi possível porque nós temos uma carteira qualificada, a concessão é bastante criteriosa, mas também pela capacidade do Banrisul de aplicar as medidas de socorro ao Estado e ao crédito rural”, afirma Santos.
De toda a carteira de crédito rural do Banrisul, 90% é composta por produtores rurais pessoas físicas, produtores de culturas como soja, milho, trigo, arroz e pecuária de corte, as principais atividades agropecuárias gaúchas.
Além disso, o banco também tem operações com cooperativas e grandes empresas do agronegócio, não apenas no crédito rural, mas também em outras categorias como câmbio.
Ano de recuperação
Para 2025, a expectativa do Banrisul, segundo Santos, é de seguir crescendo, amparado na recuperação do setor produtivo local pós-enchente, mesmo sob condições macroeconômicas mais difíceis.
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"A gente quer atender esses produtores num cenário que é bem mais desafiador para o crédito. Estamos em um ano em que os juros vêm subindo, o crédito rural subsidiado está cada vez mais escasso e a própria enchente de 2024 onerou e vai seguir onerando em 2025 o Tesouro Nacional”, afirma o superintendente de agro.
O banco continua esperando que o estado tenha uma boa safra, apesar das últimas semanas, sob forte calor, terem indicado problemas de produtividade e a possibilidade de quebra de ciclo - a consultoria Agroconsult, por exemplo, reduziu em 4 milhões de toneladas sua previsão para a safra de soja no Estado.
“Em termos de safra, a gente partiu de uma expectativa bem positiva para a safra de verão aqui no Estado. Era uma safra cheia até poucas semanas atrás. Mas ao longo da última quinzena de janeiro e do início de fevereiro, tivemos algumas regiões com muito estresse hídrico e também muito calor, que afetou bastante as lavouras de soja”, afirma Santos.
A expectativa do banco é de que a safra de soja seja heterogênea. “A gente vai ter localidades que vão ter safra cheia, talvez safra recorde, e vai ter outras regiões do estado com uma quebra acima de 50% da produção”, diz Santos.
Para o arroz, cuja colheita está sendo realizada neste momento, a expectativa é de que a safra seja “excelente”, com aumento de produção, e para o milho, uma safra mediana.
Para a Expodireto Cotrijal, que será realizada pela cooperativa de mesmo nome, a maior do Rio Grande do Sul, no mês que vem, a expectativa do banco é positiva. “A gente acredita que vai ser uma feira bastante dinâmica, com um volume grande de negócios”, afirma.
No evento, o Banrisul planeja continuar promovendo a contratação de financiamento voltados para irrigação e para recuperação de solos, algo que já havia feito na Expodireto do ano passado, mirando os reflexos de falta e excesso de chuva sentidos pelos produtores gaúchos ao longo do último ano.
"O Rio Grande do Sul está sofrendo com mais uma estiagem, tem uma deficiência bastante grande nas lavouras. Há oportunidade grande de expandir a irrigada no estado", afirma Santos. "E também teve um prejuízo grande para os solos produtivos em várias áreas do estado aqui no ano passado.”
O superintendente de agro alerta, no entanto, para as dificuldades macroeconômicas influenciando as compras dos produtores.
“Com o juro em patamar mais elevado e o endividamento aqui no Estado também em patamar alto, isso vai exigir do produtor uma seletividade maior nos investimentos que ele vai fazer. A máquina que ele vai comprar tem que ser bem analisada, com o produtor conseguindo enxergar uma viabilidade operacional e econômica nessas aquisições”, diz.
O banco também planeja continuar a digitalização do crédito rural ao longo de 2025, continuando a tendência de digitalização da operação do banco como um todo.
“Hoje, por meio do app do banco, o produtor já consegue estimar e contratar vários produtos como seguros, consórcios, cartões, que já estão ali disponíveis”, afirma Santos.
A ideia agora é oferecer a contratação de crédito rural via app. “Crédito rural é extremamente burocrático, mas a gente enxerga uma possibilidade muito interessante e oportuna de renovar os custeios, por exemplo, via aplicativo”, explica Santos.
Alguns produtos digitais começam a sair do forno. Já no fim de 2024, o banco lançou um produto de capital de giro rotativo para os produtores rurais, que pode ser contratado também via aplicativo.
“O produtor tem, na palma da mão dele, a capacidade de utilizar o valor que ele pode estar precisando hoje para fazer uma compra de insumo, de óleo diesel, de semente”, afirma Santos
Neste ano, o banco pretende também oferecer CPRs financeiras em suas agências em um primeiro momento e, mais adiante, via aplicativo.
As CPRs financeiras são um título de dívida cuja liquidação é feita com base no valor de mercado do produto na data do vencimento.
“A nossa expectativa é lançar, em março, a CPR no balcão do banco. O produtor vai poder contratar junto ao seu gerente, junto à sua agência”, diz Santos. Já a contratação da CPR via app deve vir no segundo semestre do ano, segundo o superintendente do Banrisul.
A oferta desse tipo de ferramenta do mercado financeiro veio a partir de uma demanda dos próprios produtores, segundo Santos.
“A gente tem uma proximidade muito grande com o produtor rural e existe essa demanda, até porque cada vez mais o produtor, ele precisa recorrer a financiamentos que saem do crédito rural tradicional, que não atende toda a necessidade do produtor. A nível Brasil, a CPR é o título mais adequado hoje para atender a demandas extras ao crédito rural”, afirma.
O Banrisul também estuda a participação de operações de CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio). Santos salienta que não há nada a ser anunciado, mas que o banco poderia atuar nesse tipo de estrutura financeira, até por também ter a Banrisul Corretora.
“O banco pode coordenar, pode ser o colíder, pode estar junto como banco estruturador e também com a Banrisul Corretora como sendo o distribuidor. As empresas com quem o Banrisul já tem relacionamento são as mesmas que demandam as emissões. A gente está nesse meio, mas não há nenhum movimento”, afirma.