Uma executiva entusiasmada, que já criou negócios do zero para multinacionais como a JBS, para dar novo fôlego a um negócio que buscava novos rumos no Brasil. Com esse perfil, a portuguesa Susana Martins Carvalho caiu como uma luva para as pretensões da multinacional argentina Bioceres no Brasil.

A companhia, listada na bolsa de tecnologia dos Estados Unidos Nasdaq (Biox), diz ser a líder mundial em produtos biológicos para a agricultura e, no mercado brasileiro, é dona das empresas Rizobacter e Profarm, além de manter negócios na área de tecnologia de sementes.

O faturamento global da Bioceres no ano fiscal encerrado em junho de 2024 foi de US$ 464,8 milhões, alta de 11% em relação ao período anterior. Deste total, US$ 227,2 milhões é a receita da área de proteção de cultivos e US$ 141,2 milhões foram gerados com a venda de produtos de nutrição.

Mas no mercado brasileiro, o grupo tem uma peculiaridade. Em setembro de 2022 fechou com a gigante Syngenta um acordo de exclusividade para a comercialização de inoculantes e outros produtos para tratamento de sementes (TSI), que representavam mais da metade da receita por aqui.

O mercado chegou a especular que a Rizobacter teria sido vendida para companhia chinesa, mas na prática o acordo comercial seguiu sendo reportado nos balanços globais, como um grande cliente que vende os seus inoculantes. A Rizobacter só ficou impedida de vender os inoculantes diretamente para os clientes brasileiros.

Agora, tudo indica que o grupo argentino está disposto a retomar o crescimento no Brasil, reforçando sua carreira solo em adjuvantes, biológicos e fertilizantes foliares.

O sinal dado ao mercado foi a contratação de Susana, engenheira agrônoma que assumiu a função de Brazil Country Manager da Bioceres no mês passado.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, ela contou que deixou a JBS em agosto, depois de 7 anos trabalhando para os irmãos Batista.

Com sotaque ainda forte, Susana Carvalho, nascida em Portugal, escolheu morar no Brasil. Veio para cá no período em que trabalhava para uma empresa portuguesa, comprada pela espanhola Fertiberia, em 2009.

“Fiquei 5 anos à frente da Fertiberia Brasil, mas quando me convidaram para eu voltar para Portugal, aí bateu mais forte a vontade de ficar, porque o agro aqui no Brasil é muito grande, e a agricultura na Europa é muito pequena, então decidi deixar a empresa e trabalhar com consultoria aqui”, lembra.

Atuou primeiro na MacroSector Consultores e depois criou sua própria empresa, a Global Agro, onde fez um projeto para a JBS, que busca uma solução para o reaproveitamento dos resíduos de suas plantas industriais.

Susana tem um Master of Science em agricultura orgânica e agentes de controle biológico pela Universidade de Aberdeen, na Escócia. Elaborou para a JBS um plano de negócio para valorizar os resíduos orgânicos gerados pelo grupo. Assim que foi aprovado, Susana foi convidada para assumir como CEO da nova empresa, a Campo Forte Fertilizantes, um projeto iniciado em 2017 mas que só foi apresentado ao mercado em 2022.

“Fizemos tudo do zero, desde encontrar o terreno, construir a fábrica, definição das tecnologias, construção do modelo de negócio, concretização do time. Nossa meta era reaproveitar 100% dos resíduos orgânicos”, explica.

Na sequência, Susana Martins Carvalho também assumiu como CEO da JBS Ambiental, o que dava um escopo que ia além dos negócios do fertilizante.

A decisão de mudar, segundo ela, foi por motivos pessoais, em agosto. “E casou muito bem, porque conheci o projeto da Bioceres Crop Solutions e de repente fez sentido ter mais um desafio para a minha carreira”, diz.

Meta de dobrar a receita na Bioceres

Embora tenha a fatia mais significativa de sua receita vinda dos bioinsumos, a Bioceres também vem ganhando evidência nos mercados de nutrição, fisiologia e tecnologia de sementes.

A empresa foi responsável por desenvolver, por exemplo, o primeiro trigo transgênico do mundo, o HB4, que promete avançar em mercados como Brasil e Argentina nos próximos anos.

Na estrutura de governança, porém, sementes e proteção de cultivos, o que inclui os bioinsumos, são unidades separadas. A Bioceres Sementes, que vende a tecnologia HB4, uma liderança comercial no Brasil. Ao lado dela,  estavam as empresas Rizobacter e ProFarm, de bioinsumos.

“A missão que me deram foi ser a country manager da Rizobacter do Brasil e da ProFarm do Brasil, tentando unificar a empresa, trabalhando em um único portfólio”, explica a executiva.

“O mercado de biológicos cresce na casa de dois dígitos ao ano, é uma oportunidade muito grande, inclusive quando nós falamos de uma opção mais sustentável de produtos, quer seja em nutrição, ou tratamento de sementes, quer seja de proteção de cultivos”.

Susana conta que sua principal meta “é dobrar o faturamento no prazo de um ano”. Os valores não são revelados, por questões estratégicas, mas Susana não se assusta com isso, diz que já tem o plano definido.

“Um pouco da mensagem que eu quero enviar para os investidores é que o nosso crescimento no Brasil vai estar muito focado numa estratégia de portfólio de produtos, embasada em biotecnologia”, afirma.

Entre as prioridades estão os adjuvantes e o que Susana chamou de “produtos estratégicos ou produtos do futuro”.

A expectativa, por exemplo, é de que em breve seja lançado no mercado brasileiro o produto da ProFarm chamado globalmente de Rinotec. Trata-se de um bioinseticida, com base em metabólitos de microrganismos inativados, uma tecnologia mais sofisticada de biológicos que já é vendida em outros países, mas que só agora está chegando a fase final de registro no Brasil.

“Felizmente é um portfolio muito tecnológico, os bioativadores são diferenciados no mercado”.

Em 2022, a Bioceres incorporou a Marrone Bio Inovations, que também era listada na Nasdaq, e a ProFarm, que estava no seu portfolio, passou a ser a marca única da empresa no País.

Crescimento no B2B e diversificação de culturas no campo

A fábrica da Rizobacter no Brasil, que fica em Londrina-PR, tem capacidade para produzir 30 milhões de litros de adjuvantes por ano. Porém, a country manager da Bioceres explica que há possibilidade expandir a linha de produção dos adjuvantes, além de incorporar a fabricação de outros itens, como fertilizantes e biológicos, em função de uma capacidade ociosa

Isso, segundo Susana, representa uma oportunidade não apenas para passar a produzir os novos itens que estão recebendo registros, mas também ampliar a prestação de serviços para outras empresas do setor de bionsumos.

A executiva calcula que seja possível ampliar em 66% a produção atual sem a necessidade de fazer novos investimentos na fábrica.

Em junho deste ano o AgFeed mostrou que a Rizobacter havia inaugurado um “laboratório aberto” justamente para dar ainda mais transparência para os clientes B2B, aqueles que só embalam o produto com a sua marca, e também para o B2C.

“Nós simulamos no laboratório as condições de performance dos nossos produtos para que o cliente veja os resultados. Portanto, é um laboratório interativo, que é uma experiência tanto para o nosso cliente consumidor final, como para cliente B2B”, afirma Susana Carvalho.

A executiva calcula que hoje 20% da receita venha dos contratos com grandes fabricantes, via prestação de serviços B2B. A ideia é elevar este percentual, mas ao mesmo tempo ter foco absoluto em ampliar também as vendas para o consumidor final.

“Na semana passada ganhamos a recomendação para ISO 9001 e 14001. Para clientes grandes é muito importante essa certificação. Queremos parceiros que estejam buscando uma fábrica tecnológica”, diz.

Outra estratégia de Susana será a busca por diversificação das culturas hoje atendidas. “Até hoje para crescer nossa estratégia foi muito embasada em soja e milho. E precisamos diversificar para café, citros, cana e HF, por exemplo”, ressalta.

Também é objetivo diversificar as regiões atendidas. “Podemos ampliar, por exemplo, a presença na região do Cerrado, na região Nordeste e em estados do Sudeste, como Minas Gerais”

Sobre o momento desafiador do agro, com preços mais baixos para soja e milho, Susana admite que a empresa, em função disso, ao longo do ano, também foi afetada.

“É um ano em que tivemos redução do faturamento. Mas em termos de risco de crédito estamos muito seguros, nossa inadimplência é muito baixa”, afirma.

Ela admite que o desafio é duplicar a receita agora, sem aumentar o risco. “É aí que vem a diversificação de culturas e regiões. Vamos aumentar a carteira via cooperativas e ter cautela quanto à exposição junto a revendas, que não têm o mesmo lastro financeiro”.

Apesar dos desafios, ao longo da conversa com o AgFeed, Susana Martins Carvalho mostrou um forte entusiasmo com os planos da Bioceres.

“Pegar um projeto e escalar esse negócio, faz parte do meu DNA, gosto de ser desafiada”, acrescenta.