O valor é alto, os investidores trazem prestígio e o momento não poderia ser mais oportuno. Esse é o resumo da entrevista dos irmãos André e Alan Glezer, fundadores e sócios da Agrolend, sobre o resultado da rodada de captação que acabam de concluir.

Eles mantêm o tom comedido e o discurso conservador que tem marcado a história do autodenominado “banco digital do agronegócio”, criado por eles e mais três sócios há apenas quatro anos. Mas, eventualmente, deixam escapar pitadas de empolgação pelo feito que anunciam nesta sexta-feira, 18 de outubro.

“Essa é uma oportunidade que você espera a vida inteira. A gente vai estar super capitalizado para pegar essa oportunidade e construir um banco digital que o agro do Brasil merece”, afirma Alan, CFO da companhia, ao AgFeed.

A capitalização chega com um aporte total de R$ 300 milhões – o maior cheque obtido no País em uma rodada de investimentos de agtechs em 2024 – e a oportunidade, segundo eles, é poder olhar para um mercado retraído com capacidade de ampliar sua carteira em até cinco vezes.

De uma só vez, a Agrolend mais que duplicou os valores captados em sua curta história – antes disso, em três outras rodadas, havia levantado um total de US$ 43 milhões, enquanto a atual, do tipo series C, corresponde a US$ 53 milhões.

Todo esse dinheiro novo tem destino definido: encorpar a base de capital da empresa, que saltará de R$ 220 milhões para R$ 500 milhões. E isso faz toda a diferença para o plano da Agrolend de dar um novo passo em sua estratégia: deixar de oferecer crédito apenas para produtores e ampliar suas operações para outros elos das cadeias produtivas do agro.

“A gente percebeu que tinha uma oportunidade para financiar não só os produtores rurais, mas também lojas e distribuidores de insumos agrícolas e as indústrias”, diz Alan.

Havia apenas um ajuste a ser feito antes de seguir esse caminho. Como instituição financeira, que funciona com uma licença de sociedade de crédito, financiamento e investimento, a Agrolend está sujeita a regras que limitam sua capacidade de alavancagem na carteira de crédito, que não pode superar o múltiplo de dez vezes o capital.

Assim, até a captação a Agrolend poderia atingir um total de R$ 2,2 bilhões emprestados. Agora, pode avançar até R$ 5 bilhões.

Conservadores e cuidadosos, os sócios da empresa jamais pensaram em chegar perto do limite. Atualmente, por exemplo, a carteira está em R$ 500 milhões, ainda bem longe do limite permitido – e não foi além porque a decisão da companhia foi ser mais rigorosa e restringir o crescimento em um ano que, como já previam em entrevista dada ao AgFeed em janeiro passado, se mostrou difícil para o setor, com aumento de inadimplência e pedidos de recuperação judicial em vários segmentos das cadeias em que atuam.

Neste momento, porém, eles entendem que podem soltar um pouco as amarras, sem perder o estilo cauteloso. Para isso, avaliam, precisavam de mais musculatura financeira.

“Hoje a gente pode falar que fazia um modelo de atacarejo”, explica Alan. “A gente financiava o produtor rural, que não chega a ser varejo, porque o ticket médio dos empréstimos é de cerca de R$ 370 mil”.

Agora, pretendem abrir também uma operação com mais cara de atacado, oferecendo crédito também às empresas em vários segmentos, de insumos a máquinas e peças, passando pelas cooperativas. E aí a conversa muda de patamar.

“Para trabalhar com esses caras, não pode chegar lá e dizer ‘vamos fazer um produto super legal, tenho R$ 10 milhões de reais para você. Ele vai mandar você embora”, diz o CFO. “Ele quer R$ 100 milhões, R$ 200 milhões para poder trazer você como parceiro”.

Com a nova base de capital, Alan e André acreditam estar preparados para ocupar esse espaço, levando a carteira à casa de R$ 3 bilhões, ainda com sobra em relação às regras do mercado e, o que mais importante, com segurança em um momento de turbulência do mercado.

“A gente vai conseguir atender um espectro muito maior do agro”, reforça André. “O capital vem para encorpar o tamanho da empresa, cresce a carteira de crédito, que, por sua vez, gera receita, gera margem. E esse resultado é reinvestido na própria empresa”.

Desvio calculado no risco

Os irmãos Glezer sabem que, ao ampliar o foco, a Agrolend também abre caminho para uma exposição maior ao risco, sobretudo ao levar crédito a segmentos hoje com maior instabilidade, como a distribuição de insumos.

No modelo de “atacarejo”, a companhia já atuava junto com algumas distribuidoras, que funcionavam como veículos para a oferta do crédito ao produtor. As operações são simples e totalmente automatizadas.

Ao comprar insumos em uma revenda, por exemplo, o produtor tem a opção de financiar a aquisição pela Agrolend. Por whatsapp, preenche um cadastro, que é analisado pelo “motor de crédito” da empresa. Se aprovado, a resposta chega ao produtor e à revenda também pelo aplicativo de mensagens.

“Tudo acontece no Whatsapp. O produtor assina uma CPR financeira, valida com uma selfie com o documento. Formalizado o empréstimo, a gente manda o crédito para a loja, que entrega o produto ao cliente”, diz Alan. Todos os empréstimos são feitos com vencimento no prazo safra.

Atualmente, segundo Alan, o modelo não gera exposição da Agrolend ao risco das revendas. O devedor é o produtor rural e o distribuidor funciona como um avalista. Muitas vezes, há um segundo avalista, que é a indústria de insumos.

Esse formato, segundo ele, tem mantido a empresa protegida nos casos recentes de recuperação judicial no setor de distribuição. No AgroGalaxy, por exemplo, Alan garante que 95% das operações feitas através da rede tinham “risco produtor, aval da distribuidora e uma indústria cobrindo a revenda”.

“Nós tínhamos, basicamente, três riscos paralelos, independentes. Se o cara do meio morreu, seguimos o jogo com os outros dois. Então, a exposição é bem baixa”, diz.

Ao partir para o atacado, essa exposição pode aumentar, admite, mas o estilo conservador e a capacidade de levantar fundos em condições competitivas devem, na sua visão, manter a operação tão saudável quanto tem sido desde a fundação da empresa.

“A gente trabalha para dar lucro sobre o capital”, afirma André. “Prova disso é que todo o dinheiro que nós levantamos nas rodadas anteriores está na empresa. A gente roda no breakeven, sem queima de caixa, desde 2022”.

O pulo do gato, segundo os sócios, foi conseguir, graças à licença para operar como instituição financeira, captar recursos com a emissão de LCAs, e não com CRAs, como a maior parte das empresas não financeiras.

Amparadas pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e isentas de tributação para a pessoa física na ponta, as LCAs permitem que a Agrolend ofereça em retorno aos investidores taxas como 92%.

“Isso nos torna muito competitivos para atender grandes empresas. Somos tão competitivos quanto o Itaú, o Bradesco, o Santander, o Nubank, com uma empresa super enxuta, com apenas 60 pessoas e tudo digital”, diz Alan.

Prova de fogo

A confiança dos sócios da Agrolend para dar um novo passo em um momento de turbulência é reforçada também pelas dificuldades enfrentadas neste ano e que, segundo André Glezer, “provaram que o nosso modelo funciona”.

A inadimplência dos produtores nos empréstimos feitos pela companhia deu um salto, como era esperado, saindo de patamares abaixo de 1% nos anos bons para níveis próximos de 4%.

“Porém, a nossa margem nas operações, dado o nosso custo de funding supercompetitivo e a taxa que nós cobramos na ponta, é totalmente capaz de absorver uma perda de 4%. A gente ainda fica um pouquinho de lucro nesse cenário”, diz Alan.

“Mas é um cenário desafiador”, emenda o irmão André. “Ninguém quer passar por um ano difícil. Quando a gente trouxe aquela entrevista para vocês, eu preferia estar errado e ter tido um ano fácil”.

“A gente aproveitou esse ano difícil para ficar feliz que a coisa funciona, mas, ao mesmo tempo, revisar tudo o que a gente fez, olhar os erros que a gente cometeu no passado e melhorar”.

A prova de fogo dos últimos meses também respaldou o modelo da Agrolend junto aos investidores. Isso ficou provado, segundo André, com a disposição de todos os que participaram das rodadas anteriores – nomes como Valor Capital, Lightrock, Yara Growth Ventures, Provence Capital, SP Ventures e Barn Invest, entre outros – de participarem dessa nova captação.

E também pelo perfil dos novos acionistas, que transformaram o cap table da empresa em uma seleção global em termos geográficos e setoriais.

A nova rodada, com recursos investidos em troca de participação na companhia, foi liderada pelo Creation Investments, fundo de private equity baseado em Chicago (EUA, com foco exclusivamente em instituições financeiras e em mercados emergentes.

Segundo Alan Glezer, o Creation tem US$ 2 bilhões sob gestão e fez investimentos recentes em países como a Índia, a Georgia, no Leste Europeu, no México e no Chile. “É uma empresa bem global, conhece muito bem o nosso modelo de negócio e tem bolsos profundos para continuar nos apoiando”.

O outro líder da rodada vem da indústria de insumos. É o Syngenta Group Ventures, o braço de corporate venture capital da gigante de defensivos controlada pela chinesa ChemChina.

Também estreiam no quadro de acionistas a Vivo Ventures, CVC da operadora de telecomunicações, a L4, braço de venture capital da B3, o japonês Norinchukin Bank (Nochu Bank). “É o banco do agro do Japão”, afirma Alan. “Atende mais de 5 mil cooperativas japonesas e tem cerca de US$ 1 trilhão em ativos”.

“A nossa visão é que temos uma base bem sofisticada de investidores”, afirma André.

Há um ano, quando abriu a rodada, a expectativa da Agrolend era levantar entre US$ 70 milhões e US$ 100 milhões. De acordo com o CEO, a meta foi atingida, embora o número final tenha ficado em US$ 53 milhões, na conversão do câmbio.

Segundo ele, o interesse dos investidores permitiria atingir o valor pretendido, mas a decisão dos sócios foi reduzir a rodada. “A gente tem compromissos de investimento de US$ 70 milhões. Por questões internas nossas, até para diluir menos os acionistas, a gente optou por ficar US$ 53 milhões”, explica.

O valuation usado na rodada não foi divulgado, mas André garante que é “bem acima” da rodada anterior. E então, o lado conservador volta à conversa. “Valuation é uma coisa que a gente acha conservador, bom para a gente, bom para os investidores, sem nada de astronômico”.

“A gente sabe para onde a gente quer ir e vai com parcimônia. A gente vem crescendo com parcimônia. Na hora de frear um pouco a expansão, a gente freou. A gente nunca esteve confortável em acelerar o máximo crescimento sem antes ter testado o nosso barco em condições de mar adersas. Agora achamos que podemos acelerar um pouquinho”, completa.