A experiência “diferente” para quem visita a Expointer 2024 já começa pela chegada ao Rio Grande do Sul, caso o visitante venha de outro estado.

O avião pousa na pista de uma base militar em Canoas, região metropolitana de Porto Alegre e ônibus levam os passageiros a um pequeno espaço que foi reaberto no andar superior do aeroporto da capital (que entre maio e junho ficou debaixo d’água), onde as malas são descarregadas de um caminhão, na porta da frente.

Para uma cidade que tinha 80 voos por dia, receber apenas 10, de forma improvisada, em pleno início da Expointer, é um desafio e tanto. Mas os gaúchos não desanimam.

“Nós estamos num pós guerra”, disse o pecuarista André Berta, que faz parte da diretoria da Associação Brasileira de Criadores de Charolês. A raça bovina aumentou em 10% o número de animais inscritos na feira deste ano, em Esteio-RS.

Na visão do empresário, que participou de todas as 47 edições da feira, mesmo que o parque ainda não esteja nas melhores condições, com estragos causados pela enchente, “é preciso movimentar a economia, por isso estamos aqui trabalhando e mantendo a tradição”.

Berta é proprietário da fazenda Figueira, em Arambaré-RS, região que contabilizou perdas nas lavouras e pastagens, mas não está entre as mais afetadas pela tragédia climática.

No charolês ele acredita que é possível empatar ou até superar o volume de negócios em relação ao ano passado. A raça vem sendo cada vem mais demandada pela indústria da carne em função de um trabalho intenso no melhoramento genético.

Os animais de alta genética que são mostrados na feira começam a ser preparados em janeiro, por isso a maioria dos criadores, de diferentes raças, defendeu que a Expointer fosse mantida, para levar seus exemplares à “vitrine” da pecuária, mesmo sabendo que talvez o público seja inferior à última edição.

Em relação aos negócios como um todo na feira, porém, as lideranças gaúchas preferem manter a cautela. Admitem que será muito difícil igualar os resultados do ano passado.

Em 2023 foi registrado um recorde de R$ 7,98 bilhões em faturamento, o que envolve venda de animais e também máquinas agrícolas.

“Gostaríamos de repetir o resultado (da feira passada), mas sabemos que tem uma grande dificuldade financeira no Rio Grande do Sul, especialmente dos agricultores”, admitiu o secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul, Clair Kuhn, em entrevista ao AgFeed.

Ele diz que o maior volume de negócios no evento costuma vir da área de máquinas e equipamentos, já que 50% nas fábricas deste segmento são localizadas no Rio Grande do Sul.

“Esperamos que agricultores mais capitalizados, de outras regiões, venham aqui, inclusivo há muitos gaúchos em outros estados que mostram a intenção de vir dar apoio, a Expointer foi mantida porque ela não é só do Rio Grande do Sul, ela é do Brasil”, ressaltou o secretário.

O presidente da Ocergs, que representa as cooperativas gaúchas, Darci Hartmann, também acredita que será uma feira de “bons negócios”, mas concorda que será difícil repetir os números das edições anteriores. “Os problemas não desapareceram, mas temos que olhar o futuro e fazer o trabalho de reconstrução”, disse.

Segundo os organizadores da Expointer o número total de animais aumentou de 4,3 mil no ano passado para 4,8 mil em 2024. A participação dos chamados animais de argola, aqueles de alta genética que competem nos julgamentos, teve leve redução, de 0,5%, segundo o secretário da agricultura. Porém, foi compensado por um crescimento de quase 50% na participação dos chamados animais rústicos.

Para o presidente da Comissão de Exposições e Feiras da Farsul, Federação de Agricultura do estado, Francisco Schardong, mais do “Expointer da reconstrução”, a feira está sendo também marcada pela “restauração”.

A casa sede da entidade no Parque de Exposições Assis Brasil, um dos locais tradicionais do evento, que costuma receber ministros, todos os anos, e até presidenciáveis, em época de eleições, ficou submersa no mês de maio.

“A água chegou a 1 metro e meio, tivemos que trocar todos os pisos, todos os móveis, tem casas do parque, de outras entidades, que nem vão abrir”, contou o dirigente ao AgFeed.

Schardong diz que a Expointer pode não ter tido o brilho de sempre no período pré-feira, como costuma ocorrer, em função das enchentes. “Mas ela está mostrando a garra do produtor rural”.

Ele explicou que Expointer funciona muito como uma vitrine, especialmente na pecuária. O Rio Grande do Sul tem uma temporada de exposições e leilões chamados “de primavera”, que ocorrem após feira. São 18 eventos que, na visão do dirigente, tem expectativa de retomada nos negócios, a partir do que vai ser mostrado na Expointer.

Sobre a situação dos agricultores, Schardong diz que o segmento ainda depende de medidas que precisam ser anunciadas pelo governo federal.

As lideranças gaúchas defendem a prorrogação das dívidas por 10 anos. O governo tem flexibilizado o pagamento dos débitos, mas o setor ainda considera insuficiente.

Na sexta-feira está prevista a presença do ministro da Agricultura Carlos Fávaro, em Esteio. É o dia em que, tradicionalmente, ocorre uma cerimônia política e os campeões de cada raça desfilam para o público presente.

O presidente da Ocergs se mostrou pouco confiante em relação a novos avanços. Hartmann prevê que a área de soja seja mantida, porém certamente com a aplicação de menos tecnologia das lavouras, o que deverá impactar a produtividade.

Mais agroindústrias e menos expositores de máquinas

As regiões mais afetadas pela enchente, que registraram centenas mortes e fortes perdas nas propriedades rurais, são em boa parte caracterizadas pela produção de aves, suínos e pequenas agroindústrias ligadas à agricultura familiar.

O secretário Kuhn disse ao AgFeed que o governo investiu R$ 1,2 milhão para permitir que todos os participantes do ano passado viessem à feira, além de viabilizar a participação de outros produtores que manifestaram interesse.

A comercialização de seus produtos na Expointer é considerada “a safra” destes pequenos produtores, segundo ele. O número de expositores no Pavilhão da Agricultura Familiar aumentou de 372 para 413 nesta edição.

De outro lado, o setor de máquinas agrícolas ainda terá um ano desafiador. O segmento vem registrando queda nas vendas em nível nacional, em função do momento de margens mais apertadas entre os produtores de grãos. No Rio Grande do Sul, contam com mais este elemento que é a necessidade de que produtores gaúchos consigam prorrogar suas dívidas, afetados pela tragédia climática.

O número de expositores na área de máquinas e equipamentos caiu de 170 para 130 este ano. O segmento é responsável por mais de 95% do volume de negócios realizados durante os nove dias de feira, segundo os organizadores.

Sobre as expectativas de vendas, o presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no RS (Simers), Claudio Bier, destaca que “mais importante que os números, serão os ganhos com a retomada dos negócios e a recuperação do agro e do estado”.   O dirigente considera uma grande vitória garantir a realização da feira, mesmo após a inundação.

Apesar dos desafios, Bier se mostrou ainda otimista. “As indústrias estão com boas expectativas de vendas e a nossa ideia é atingir, no mínimo, os mesmos números da última edição, apesar de os juros estarem elevados e as revendas estarem com estoques”.