A expansão da oferta logística do País é fator essencial para que o agronegócio continue crescendo e sustentando o Produto Interno Bruto (PIB) e as exportações brasileiras. Essa é a avaliação de Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Em entrevista ao AgFeed, Lopes alertou que o ritmo de expansão da infraestrutura não está acompanhando o crescimento da produção, o que pode resultar em entraves e até em estagnação tanto da produção, quanto das exportações antes de 2030.

“A produção agrícola cresce cerca de quatro vezes mais que a oferta logística. Em cinco anos, se isso não mudar, corremos o risco de tudo parar”, alertou.

Para se ter uma ideia, as exportações do agronegócio em 2023 somaram US$ 166,55 bilhões, representando 49% das vendas externas brasileiras. Só em grãos, foram exportadas 193 milhões de toneladas – aumento de 24,3% em relação a 2022.

Por outro lado, o Brasil teve em 2023 um déficit de investimentos em infraestrutura de transporte de R$ 200 bilhões, segundo levantamento feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), para o reportagem recente do jornal O Globo.

“Esse cenário faz com que alguns produtores deixem de investir em determinadas culturas e regiões, o que impacta na previsibilidade da oferta”, diz Lopes, lembrando que os problemas logísticos do país vão além da área de transporte.

Ou seja, para que esse ritmo de expansão da produção continue, é necessário conjunto de iniciativas que visem além de aumentar a oferta de rotas por ferrovias, rodovias e hidrovias, ampliar também a capacidade portuária e a oferta de armazéns para estocagem de grãos e outros produtos do agronegócio.

“O produtor brasileiro continua operando com muitas incertezas”, afirma Lopes, lembrando que não há uma solução única.

“Não adianta apenas ampliar a concessão de hidrovias. É necessário solucionar a conjuntura e ter um planejamento de longo prazo para o país”.

Portos e ferrovias

A ampliação da infraestrutura portuária é um dos fatores que pode impactar o ritmo de expansão das exportações do agronegócio, em especial os do Arco Norte, que ainda tem muitos problemas de acesso, apesar de ser a principal rota para atender as exportações dos produtores da região do Matopiba, onde está a principal frente de expansão da agricultura do país.

O Arco Norte abrange portos localizados nos estados do Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Maranhão e Bahia e respondeu por mais de 30% das exportações de grãos em 2023. É hoje a segunda maior porta de saída da soja e do milho, depois do Porto de Santos. Por estarem em rotas que ficam mais próximas da Europa e da região Leste dos Estados Unidos, esses portos são opção para encurtar o tempo de viagem da carga e os custos de exportadores.

“Além de projetos de ampliação da capacidade portuária, os portos do Arco Norte também sofrem com problemas de acesso”, explica Lopes.

A oferta de ferrovia é um desses gargalos. Ela lembra que dos mais de 30 mil quilômetros de ferrovias existentes hoje no país, apenas 13 mil quilômetros estão em operação.

“O Rio Grande do Sul, por exemplo, tem linhas que pertenciam à antiga ALL (América Latina Logística) abandonadas e que poderiam voltar a operar. Além disso, o projeto da Ferrogrão – que seria uma alternativa mais barata, mais eficiente e sustentável tenta há anos sair do papel”.

A Ferrogrão é um projeto de linha férrea com mais de 900 quilômetros de extensão que visa conectar a cidade de Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA). O projeto, orçado em R$ 25 bilhões, chegou a voltar à pauta no ano passado, quando foram retomados os estudos de viabilidade ambiental a partir da inclusão do projeto no PAC, o programa de aceleração do crescimento do governo federal – mas até agora segue no papel.

Esses gargalos impactam a capacidade de escoamento da produção, segundo Lopes. Ela lembra que a produção da região que tem potencial para ser atendida pelo Arco Norte cresce cerca de 10 milhões de toneladas ao ano, enquanto a capacidade de exportação desses portos é de aproximadamente 4 milhões. Ou seja, há um déficit de cerca de 6 milhões de toneladas.

Hidrovias e rodovias

O atraso no anúncio dos termos da concessão do Rio Madeira, que estava previsto para a última semana, é um retrato dos desafios que o setor enfrenta. Com leilão previsto para o primeiro trimestre de 2025, a concessão visa trazer o setor privado para viabilizar os mais de R$ 100 milhões em investimentos em obras de dragagem e melhorias nas condições de navegabilidade do rio – que perde capacidade de escoamento de produção nos períodos de seca.

A Hidrovia do Madeira é considerada uma das principais rotas de escoamento da produção do Mato Grosso e – ao lado das hidrovias dos rios Amazonas e Tocantins – compõe o complexo que abastece os portos do Arco Norte devido a sua capacidade de transportar comboios de barcaças com até 18 mil toneladas.

No entanto, a capacidade de transporte pelas hidrovias varia dependendo da época do ano – e tem oscilado ainda mais com as recentes secas que atingem não apenas o Madeira, mas também rios como o Amazonas e o Tapajós – o que já tem impactado no escoamento da atual safra de milho.

“Hoje, o transporte de carga por rios das regiões Norte e Nordeste é de certa forma refém do clima”, afirma Lopes ao lembrar que em determinados momentos do ano o volume de transporte por hidrovias chega a reduzir até 30%.

As regiões Sul e Sudeste estão bem resolvidas do ponto de vista das hidrovias, citando o exemplo da Hidrovia Paraná-Tietê, que teve alta de mais de 100% no transporte de carga em 2023.

Outra obra importante que aguarda no papel, segundo Lopes, é o derrocamento de pedrais na via navegável do rio Tocantins/PA, no local denominado Pedral do Lourenço - que fica entre a Ilha do Bogéa e a vila Santa Terezinha do Tauri, no Pará.

A obra tem o objetivo de viabilizar o tráfego contínuo de embarcações e comboios em um trecho de 300 quilômetros de extensão, desde Marabá até a foz do rio Tocantins.

Lopes lembra que a composição de rotas entre hidrovias e rodovias seria a melhor alternativa do ponto de vista de custos e agilidade para o escoamento da produção. Mas para isso, além das concessões de hidrovias seria necessário melhorar as condições das estradas, pois o transporte hidroviário representa 30% do custo rodoviário, em média.

“Há projetos como a Transnordestina que não saem do papel e que seriam fundamentais para melhorar o escoamento da produção para portos como o de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco”, lembra.

Armazenagem

A defasagem na oferta de armazéns é um outro gargalo do agronegócio, na visão de Lopes. Ela lembra que atualmente os caminhões acabam operando como “armazéns” móveis dos produtores, que precisam pagar fretes mais caros em momentos de pico da colheita por não terem opções para estocar produção.

“O produtor, especialmente o de menor porte, não tem alternativa senão pagar pelo frete mais caro que é cobrado no auge da colheita”, diz Lopes.

Segundo Lopes, o Brasil tem um déficit de mais de 100 milhões de toneladas – sendo o estado do Mato Grosso o mais impactado por essa realidade. A região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) é a segunda em carência de áreas para armazenagem.

Ela lembra que nos Estados Unidos há estudos que mostram que a taxa ideal de oferta de armazenagem é de 120% da capacidade da safra – percentual que o Brasil chegou a ter entre 2005 e 2009. Hoje, a oferta de armazéns cobre apenas 74% da safra de grãos – e é gerida, em sua maioria, por grandes produtores.

Além disso, a distribuição dos armazéns é desigual. Enquanto produtos das regiões Sul e Sudeste têm maior oferta para estocar produção – com a existência de condomínios logísticos, no Centro Oeste, por exemplo, o déficit é ainda maior porque esse modelo de estocagem não é oferecido ainda.

“Vários fatores impactam a oferta de armazéns. Podemos citar a diferença de tributação em estados como São Paulo e Mato Grosso, a taxa de juros cobrada para a realização desses empreendimentos – que no Brasil varia entre 7% e 8,5%, enquanto nos EUA é de 3,5% -, a lentidão para se obter licenças ambientais e a falta de incentivos para o investimento”, diz Lopes.