Cuiabá (MT) - Com o microfone na mão, Eraí Maggi Scheffer se dirige diretamente ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que estava na plateia – dessa vez como muitos outros convidados da elite do agronegócio do Mato Grosso, não em um compromisso oficial.
“Presta atenção, Fávaro”, ele diz. O ex-rei da soja, normalmente avesso a falas públicas, é o anfitrião e a estrela da noite da sexta-feira, 30 de maio, em Cuiabá. Seu Grupo Bom Futuro, potência do agro com quase 1 milhão de hectares sob seu controle e receita estimada em R$ 6 bilhões, estava inaugurando um moderno aeroporto para a aviação executiva na cidade, resultado de um investimento de R$ 100 milhões.
Para Eraí, ali se plantava uma semente e ele pedia atenção porque entende que, daquele empreendimento, pode brotar uma nova onda de desenvolvimento no estado, desde que todos, governos e empresários locais, ajudassem a regá-la.
“O Aeroporto Bom Futuro é para atender o Mato Grosso, o Brasil, o agro. E conectar empresários e banqueiros de São Paulo e de onde for ao agro de Mato Grosso”, ele disse mais tarde a um pequeno grupo de jornalistas. “Aqui, eles vão chegar e já sentir o potencial desse gigante”.
Eraí acredita que “a fase de produção (agrícola) está batendo no teto” e diz que a meta, agora, é industrializar o estado. “Mas para industrializar precisa de grana. E é um dinheiro mais concentrado, de maior risco. É diferente do dinheiro para produtor, que é mais pulverizado”.
E o luxuoso terminal aéreo que construiu nos arredores de Cuiabá seria, na sua visão, uma importante porta de entrada para esse capital. Assim como foi, há cerca de 40 anos, um casarão erguido por seu irmão e sócio, Fernando Maggi Scheffer, dentro de uma das propriedades do grupo na então minúscula Sapezal, cidade a cerca de 510 quilômetros de Cuiabá.
A conexão entre as duas histórias ele contou aos convidados em seu discurso de cerca de 10 minutos. Ele começou contando dos três anos de desenvolvimento do projeto, de como os custos iam “dobrando e dobrando a conta”.
“E eu fiquei meio revoltado com esse assunto de gastar tanto. Mas eles foram fazendo... ‘Ah, vamos ganhar um dinheiro ali e vamos pagando, isso aí vai ser bom, vai ficar para o futuro, para Mato Grosso’. E realmente é”, prosseguiu.
E então, disse que começou a analisar o sentido do negócio e lembrou da construção da casa pelo irmão. “Na época falei pro Fernando: ‘Você tá doido, gastar três, quatro milhões?’ Isso 30, 40 anos atrás. Muitos da família ficaram chateados. Hoje, vários do Brasil e do mundo conhecem aquela casa. Aquilo, eu confesso, ajudou muito o Mato Grosso e o Brasil e o agro”.
Eraí Scheffer lembrou que a primeira visita à propriedade foi do presidente da Cargill à época. E que, logo de início, já sentiu que dali poderiam sair muitos negócios. Segundo ele, da conversa com o executivo da trading surgiram oportunidades que, brincou, “já pagaram 50 casas”. “Hoje ela tem uma lotação de 70%, 80%, de gente do mundo inteiro”.
A parábola da casa de Sapezal, para a qual chamou a atenção, resume sua convicção em torno da relevância estratégica de seu novo negócio na aviação. Eraí acredita que ter um local em que, mais que chegadas e partidas, exista espaço para conversas e relacionamentos de alto nível pode ser um primeiro passo para encurtar distâncias entre o principal centro de produção agropecuária do País e os principais polos financeiros capazes de financiar a próxima fase de desenvolvimento que acredita ser necessária para o estado.
“Isso vai acontecer muito no Brasil, onde tiver estrutura para receber quem pode gerar riqueza. Geralmente as pessoas que chegam aqui vem conversar sobre negócios de alto valor, dar crédito. E é bom que elas conheçam o que realmente está acontecendo aqui”, disse depois da cerimônia de inauguração.
Eraí afirmou que um conhecimento mais profundo do potencial local pode reduzir o que chama de “voo de urubu do banco, que quando tá ruim, vai embora”.
Ele se refere ao momento mais difícil enfrentado pelos agricultores do Estado na safra passada, em que problemas climáticos com a falta de chuvas provocaram quebras, que resultaram em dificuldades financeiras para muitos produtores.
Para o empresário, a observação de mais longo prazo mostra que se trata quase de um episódio isolado. “Temos 50 anos de Mato Grosso e um ano de seca”, afirmou. “Ainda assim, pagou o custeio. Mas se apertar um pouco mais, eles vazam”, disse, referindo-se, genericamente, aos bancos.
O futuro da Bom Futuro
A bandeira da industrialização do Mato Grosso é, claro, uma proposta para valorizar a atividade agropecuária local, com a agregação de valor aos grãos produzidos por lá.
Nos últimos anos, esse processo vem se intensificando, com a construção, por exemplo, de usinas de etanol de milho ou a instalação de confinamentos e granjas para a produção de frangos em municípios como Sorriso e Lucas do Rio Verde.
Para Eraí Scheffer, há espaço para muito mais, mas o capital necessário para que isso aconteça é intensivo. “Carregar estoque custa muito dinheiro”, disse, lembrando que, para processar durante o ano inteiro grãos ou algodão que são colhidos em períodos curtos, as indústrias precisam manter grandes estruturas de armazenagem. Sem elas, a produção precisa ser escoada para longe.
Com o aeroporto, a Bom Futuro espera ter dado uma contribuição a esse processo. Por enquanto, segundo seu fundador, o grupo não pretende investir em agroindústrias próprias, como fez, por exemplo, a Amaggi.
Eraí disse que já participa desse movimento através de parcerias com indústrias para quem fornece soja, milho, algodão, caroço, energia e ração. “A Bom futuro está fazendo muita parceria. Queira ou não queira, já é uma indústria”, afirmou. Em Sapezal, exemplificou, entrega algodão para 15 indústrias.
Seus investimentos mais relevantes devem continuar concentrados na atividade agropecuária, inclusive na aquisição de terras, mesmo com a valorização expressiva dos imóveis rurais no estado nos últimos anos.
“A terra está ficando mais cara, mas sempre tem oportunidade”, avaliou. “Entre os produtores, um terço está com muito dinheiro, um terço é muito conservador e um terço sempre tá com problema. Tem sempre aquele que alargou as pernas demais ou teve um acidente e precisa negociar”.
Na sua visão, a consolidação das áreas agrícolas continua ocorrendo e mesmo em terras arrendadas há décadas pode haver oportunidades pra aquisições.
“Tem uma conta para ser feita entre pagar aluguel e comprar”, pontuou. “Pagar juros para comprar ou pagar aluguel? Às vezes é melhor pagar juros”, disse. A lógica é que, juntamente com o arrendamento há o pagamento dos impostos sobre os ganhos com a produção.
“Já o juro que você paga é despesa, desconta do Leão. Um terço, o governo tá te ajudando. É feito pra isso, pra ajudar a investir”.
A safra e o efeito dólar
Se pediu atenção a Fávaro no seu discurso, Eraí Scheffer fez um elogio ao ministro e ao governo federal na conversa com os jornalistas. Para ele, em um período de juros altos e dificuldade de crédito, uma das ações vindas de Brasília têm potencial de destravar uma parte importante do financiamento das safras a taxas mais baixas: a possibilidade de contratar crédito em dólar.
“O governo trouxe um modelo muito bacana, que é parar de cruzar moeda”, afirmou. “Ao trazer o dólar e já financiar o dólar, a taxa fica em 6%, 7%, ao invés de 16%, que, no banco, já vai a 20%. Em qualquer atividade, a 6%, 7% você toca. A 16%, não toca”.
Eraí defendeu a necessidade de uma mudança cultural dos agricultores de menor porte, de forma a que eles também possam se beneficiar dessa modalidade de financiamento. “Nós, grandes produtores, estamos nisso há 20 anos, e deu muito certo, a dívida não fica estourada”.
Para ele, os produtores costumam ter “medo desse bicho” e hesitam em contratar o crédito em dólar. Mas, na sua lógica, o próprio preço das commodities é uma garantia nessas operações. “O dólar fica sempre dólar. E soja é dólar, algodão é dólar, milho é dólar”, completou.
Resumo
- Fundador do Grupo Bom Futuro disse que seu aeroporto executivo em Cuiabá (MT) vai atrair empresários e investidores ao agronegócio do estado
- Ele defende que o Mato Grosso precisa avançar da produção agrícola para a industrialização, o que exige capital concentrado e de maior risco
- O empresário afirmou que o grupo manterá seus investimentos na produção agrícola e que ainda há oportunidades para aquisição de terras no MT