A pequena ilha de Taiwan tem apenas 36 mil metros quadrados, mas instiga um país com dimensões continentais de mais de 9 milhões de metros quadrados há quase 70 anos. Desde a emancipação do território, a China busca, seja diplomaticamente ou não, reincorporá-lo aos seus domínios.
No meio dessa tensão, um abacaxi com aroma de manga tem movimentado ministérios e autoridades locais. No final do ano passado, autoridades taiwanesas descobriram que essa variedade da fruta, que é patenteada e que foi desenvolvida pelo agrônomo Kuang Ching-shan, estava, de alguma forma, sendo vendida na China.
Até aí, uma relação de importação e exportação entre países é comum, mas não nesse caso. O governo chinês cortou qualquer intercâmbio político, comercial ou cultural com Taiwan. A China, por exemplo, impede que a ilha se junte à ONU e suas organizações, como a União Internacional para a Protecção de Novas Variedades de Plantas.
O vice-ministro da Agricultura de Taiwan, Chen Junne-jih chama esse caso de “roubo” e, ao longo das últimas décadas, acusa a China de “furto agrícola”.
Segundo os governantes taiwaneses, ao mesmo tempo que não importa os frutos da ilha, a China incentiva o cultivo de variantes desenvolvidas em Taiwan e, seu território.
“Cerca de 80% das frutas que cultivamos aqui na ilha de Hainan são de Taiwan. As variedades de plantas taiwanesas realmente impulsionam toda a nossa indústria de frutas", disse Wang Heng, presidente da associação de abacaxi no Condado de Chengmai, na China, ao site americano NPR.
Mas se existem restrições, como esse fruto foi parar na China? Segundo alguns especialistas em agricultura ouvidos pelo site, é provável que agricultores taiwaneses tenham feito contrabando das mudas para a China.
A China usa essa “transferência de tecnologia” agrícola da ilha, sendo legal ou não, como um componente chave das políticas em curso destinadas a aproximar Taiwan de sua influência política e econômica.
Há alguns anos, um jornal taiwanês alegou que a tática usada pelos chineses é de enviar empresários do agro conhecidos na ilha para persuadir os agricultores a se desenvolverem na China.
A questão é que, para os agricultores taiwaneses, a venda para a China faz sentido. O mercado consumidor é muito maior no continente, segundo um dos maiores produtores comerciais de Taiwan ouvido pela NPR.
Ele não quis se identificar para a reportagem porque continua vendendo frutas para a China e está preocupado em perder negócios. Um consultor de negócios local declarou que conhece muitos agricultores que contrabandeavam sementes e mudas para a China, sempre em busca de pagamentos maiores e subsídios estatais chineses.
"Em Taiwan, eles têm que trabalhar muito, mas as margens de lucro são escassas. Quando você vai para a China, seus lucros são maiores. Por que você faria a mesma coisa por menos dinheiro?" ele diz.
A ideia é que a partir de agora, Taiwan restrinja ainda mais quais sementes e mudas podem ser levadas para fora da ilha, em resposta ao caso do abacaxi.
O abacaxi da liberdade
A importância do abacaxi na ilha de Taiwan vai além da economia e da alimentação. O pequeno país é conhecido por cultivar dezenas de variedades do fruto, sejam doces, azedos ou até misturados com outros frutos de alguma forma.
O agrônomo Kuang Ching-shan, que desenvolveu o abacaxi com aroma de manga, começou sua carreira em uma filial local de um instituto de pesquisa do Ministério da Agricultura em Chiayi, um condado no sudoeste de Taiwan, em 1994.
Essa variedade encontrou um mercado lucrativo na China e, em 2021, Taiwan exportava cerca de 97% dos seus abacaxis para a China. Mas em março de 2021, a China proibiu as importações do “diamante dourado”, o que forçou os reguladores taiwaneses a desembolsar bilhões de dólares em subsídios aos agricultores, à medida que os preços do fruto despencavam.
A China alegou, na época, que descobriu pragas nas frutas. O cenário se repetiu para os produtores de maçãs na mesma época.
Líderes taiwaneses consideraram estas medidas como coerção econômica e disseram que isso só prejudica moradores de distritos dependentes da agricultura, o que traria uma pressão a mais para Taiwan voltar a ser parte da China.
O ministro das Relações Exteriores de Taiwan apelidou a fruta tropical de “abacaxi da liberdade”, o que fez o abacaxi se tornar em um símbolo local contra essa pressão chinesa.
A descoberta feita no ano passado irritou o governo da ilha. Anúncios do abacaxi-manga no Taobao, um importante site de chinês, afirmam que a fruta está sendo cultivada na província tropical insular chinesa de Hainan. Segundo relatos da mídia chinesa, algo em torno de 64 hectares de campos de frutas de origem taiwaneses já foram plantados na região.
Nos últimos vinte anos, Taiwan investiga o que considera uma “transferência ilegal” de orquídeas, flores de amendoim, abacaxi, feijão edamame e folhas de chá Oolong. Do lado de Pequim, essas transferências são vistas como perfeitamente legais.
Wang Heng, presidente da associação de abacaxi no Condado de Chengmai, na China, acredita que Taiwan não deve ter esse direito exclusivo aos cultivares, avaliando que a região de Hainan, na China, é o melhor local para o cultivo. “Hainan não tem tufões nem geadas de inverno, ao contrário de Taiwan”, afirmou.
No início deste ano, Taiwan alterou as suas leis para aumentar as multas máximas e o tempo de detenção para aqueles que forem apanhados a retirar sementes e mudas de Taiwan.
Apesar disso, a ilha não tem tantos recursos para forçar a China a cumprir as investigações de propriedade intelectual agrícola.
O vice-ministro da Agricultura de Taiwan, Chen Junne-jih, acredita que Taiwan até pode, por exemplo, alertar países amigos como o Japão e os Estados Unidos para que não aceitem importações chinesas de plantas e frutas supostamente roubadas. A questão é que a ilha pouco poderá fazer se os seus próprios cidadãos levarem as plantas para a China.
Kuang Ching-shan, que desenvolveu o cultivar abacaxi-manga, pouco se preocupa com as questões políticas, e se diz ocupado cuidando de suas frutas e buscando uma próxima variedade. “Nunca me canso de abacaxi”, diz ele.