Santo Tomé (Argentina) - Depois da pior safra de grãos da história em 2022/2023, os diferentes elos da cadeia agrícola da Argentina mostram otimismo com as condições climáticas favoráveis no início da temporada e a expectativa de mudanças na política econômica a partir da próxima segunda-feira, quando já estará no cargo o novo presidente do país, Javier Milei.

Com a multinacional alemã Basf, que está entre as maiores do mundo em defensivos e sementes, não é diferente. A empresa já vem aumentando a fabricação de formulações químicas e produtos biológicos no país vizinho e se diz "na expectativa” de um ambiente ainda mais favorável aos negócios.

Enquanto no Brasil só se falou em "ano de ajuste" ao longo de 2023, a receita da Basf na Argentina vai fechar a temporada crescendo "dois digítos”. Foi o que afirmou o diretor do Negócio Soluções para Agricultura da Basf, Gustavo Portis, em entrevista ao AgFeed, durante visita de jornalistas a duas unidades argentinas da empresa. O executivo é responsável pelo segmento em quatro países: Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia.

Um dos motivos do otimismo é o fato de a safra de grãos já estar em fase de plantio, com boa quantidade de chuvas na maioria das regiões produtoras. Depois de três anos seguidos de La Niña, que no ano passado causou a maior quebra de safra da história da Argentina, desta vez o país sofre a influência do El Niño, que costuma ser mais chuvoso e beneficiar a agricultura platina.

Outro fator considerado pelos executivos – embora ainda em clima de expectativa – é a posse do novo presidente da Argentina, Javier Milei, no próximo domingo. O político é próximo dos representantes do setor agrícola e vem sinalizando um caminho mais liberal na economia, o que poderia beneficiar as exportações.

"Do ponto de vista da pré-disposição política, do ambiente, já foram anunciados quase todos que vão atuar na Secretaria da Agricultura e são pessoas do setor agropecuário. Isso é muito positivo para o diálogo", disse Gustavo Portis, da Basf, ao lado de agricultor da região de Pergamino, que se queixava aos jornalistas sobre as dificuldades de administrar financeiramente o negócio em meio às instabilidades da economia argentina.

Na conversa, Santiago López Menéndez, um dos sócios da Agronasaja, que cultiva 25 mil hectares de soja, milho e trigo, disse que espera "regras claras” por parte do novo governo e, obviamente, criticou o sistema atual das chamadas “retenciones”, impostos que a Argentina aplica sobre o preço de exportação dos produtos agrícolas, para influenciar o câmbio e a inflação.

Neste cenário, o diretor da Basf espera que o crescimento de dois dígitos se repita e seja ainda melhor em 2024. Caso se confirme, mais uma vez seria um avanço nas vendas da empresa “acima da média de mercado".

Portis diz que o mercado argentino de defensivos agrícolas vem crescendo entre 2% e 5% ao ano, o que deverá se repetir, mesmo que não houvesse mudança na política econômica.

"Mas se economia melhorar, sem duvida vai trazer investimentos maiores por parte dos produtores. Talvez nem tanto em volume de tecnologia nas lavouras, porque os argentinos sempre procuram isso, mas é possível que aquelas tecnologias de alto padrão possam ganhar uma perspectiva maior, o agricultor tende a investir mais", disse ele.

O executivo pondera, no entanto, que as decisões são tomadas com visão de médio e longo prazo. "Estamos na Argentina há 70 anos, independente de qual for o governo sempre crescendo e investindo. Mas se houver mudança e for positivo para o setor, será positivo para a gente”.

Projeto de expansão em biológicos

A fábrica de biológicos da Basf em Santo Tomé, na província argentina de Santa Fé, atualmente fornece 40% dos inoculantes de soja comercializados pela Basf no mercado brasileiro.

O inoculante é um produto que contém bactérias fixadoras de nitrogênio e vem sendo amplamente utilizado no Brasil e na Argentina, onde já atinge 85% das lavouras. A principal vantagem é viabilizar o nitrogênio para a planta em um processo natural, o que reduz a necessidade de aplicação de fertilizantes nitrogenados.

A empresa não revela qual é a capacidade total da fábrica, mas informa que 20% do que é produzido no local tem como destino o Brasil.

Para atender a demanda crescente pela tecnologia na América do Sul, foram investidos 2,3 milhões de euros na unidade em 2020.

"Neste último investimento incorporamos mais biorreatores para formulação e implantamos também um sistema automatizado, que aumentou a capacidade entre 30% a 40%. Isso permitiu começar a atender o Brasil, mas essa demanda em crescimento não está somente lá, inclui também Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia", explicou a gerente sênior de operações e supply chain da Basf na Argentina, Maria Florencia Palacio.

A executiva contou ao AgFeed que no momento se dedica a mais um projeto de investimento para ampliar, novamente, a capacidade de produção da fábrica. A expectativa é de que seja possível, no mínimo, repetir os milhões de euros e os percentuais de expansão do último projeto.

"Estamos trabalhando na etapa de cálculo dos custos, mas esperamos ver esta possibilidade entre 2024 e 2025", afirmou Florencia.

A planta de Santo Tomé foi construída pela argentina Red Surcos há mais de 10 anos. Foi incorporada pela Basf em 2012 como parte de uma aquisição feita globalmente pela empresa, da Becker Underwood.

Novo Centro de Desenvolvimento Tecnológico da Basf, que fica em Rojas, na província de Buenos Aires

Palacio diz que, desde que a Basf assumiu, a fábrica vem ampliando a produção em cerca de 10% ao ano. "Hoje somos a segunda maior empresa de produção de inoculantes na Argentina, com 20% de market share", ressaltou.

A fábrica não produz – pelo menos por enquanto – defensivos biológicos para aplicação diretamente nas lavouras. O foco é o tratamento de sementes, com destaque para a soja e alguns produtos para o cultivo do amendoim.

O projeto de ampliação também está relacionado ao esperado aumento de demanda para novos inoculantes para a soja que terão um pré-lançamento em 2024, começando pelo mercado argentino. “Mas haverá um similar daqui a alguns anos para o Brasil também”, disse Palacio.

Sobre a possibilidade de passar a produzir também biológicos para aplicação nas plantas, como biofungicidas, por exemplo, na unidade de Santo Tomé, a executiva diz que “análises estão sendo feitas, mas precisamos ter muito cuidado para eliminar riscos de contaminação".

De qualquer forma, ela se mostrou otimista com o investimento anunciado em outubro deste ano pela Basf na Europa. Trata-se da construção de uma fábrica, na Alemanha, que vai demandar “dois dígitos de milhões de euros”, segundo a empresa, com foco na fermentação de produtos biológicos.

Maria Florencia admite que suas equipes já estão interagindo com os times globais, em função disso.

"Lá vão fazer outros tipos de formulações biológicas, estamos apostando no desenvolvimento destas tecnologias como empresa, em complemento com o portfolio de químicos, a colaboração será não apenas técnica, mas também para decidir em conjunto a alocação de demanda em função da necessidade de cada mercado", afirmou.

Mais produção de químicos na Argentina

Embora a demanda seja crescente, estima-se que na Argentina no máximo 7% do mercado de defensivos agrícolas seja de biológicos. Por isso, o foco nas soluções químicas segue fortalecido.

"Começamos este ano a produzir alguns formulados de agroquímicos na Argentina, dois produtos premium que antes trazíamos de fora e agora estamos produzindo aqui. É para abastecer o mercado diretamente, em tempo mais curto", destacou Ricardo Pancelli, gerente sênior de Relações Governamentais da Basf.

A decisão faz parte de uma estratégia da empresa que foi adotada nos últimos dois anos, confirmou Gustavo Portis. "Nos países estratégicos tem que estar mais perto, por isso prospectamos como incrementar a produção local".

Segundo o executivo, a produção de glufosinato de amônio, por exemplo, "foi de zero a 1 bilhão de litros em 2 anos", na Argentina, abastecendo os demais países.

Um dos principais herbicidas para o milho, chamado Convey, também passou a ser produzido em solo argentino. Para isso, no entanto, a Basf não constrói novas fábricas. O modelo é de parceria com empresas locais que possuem capacidade ociosa. "Com isso a gente ganha flexibilidade", disse Portis.

A multinacional não revela os volumes totais produzidos e comercializados na Argentina, atualmente, nem a receita por país.

"Estamos prospectando muita coisa nova. Posso dizer que, dos 10 produtos mais importantes da Basf em volume, não em receita, estamos prospectando todos".

Em paralelo, a empresa segue investindo em pesquisa e inovação. Globalmente foram 944 milhões de euros, em 2022.

Na Argentina, o AgFeed visitou o Centro de Desenvolvimento Tecnológico da Basf, que fica em Rojas, na província de Buenos Aires. No local, são testadas soluções da empresa para diferentes países do mundo, desde sementes, variedades, princípios ativos da proteção de cultivos, até a plataforma digital da Basf, a xarvio.

O centro recebeu investimentos de US$ 2,3 milhões recentemente e possui uma área de 65 hectares, entre campos experimentais e laboratórios.

Nos próximos três anos, a expectativa é lançar entre 20 e 25 inovações para o agro da Argentina, disseram os executivos.

Entre as prioridades na região, segundo Gustavo Portis, estão os herbicidas, considerado um mercado muito atrativo, e o tratamento de sementes. "A gente brinca que aquele que testa uma semente tratada profissionalmente nunca mais volta a fazer na sua fazenda".

Sobre o mercado de defensivos para os demais países da América do Sul, Portis acredita que o Paraguai também seguirá crescendo dois dígitos. No Uruguai, não chegou a dar números, mas afirmou que o país, entre os quatro, é o mais estruturado legalmente. Já na Bolívia a expectativa é de estabilidade nas vendas.