O déficit hídrico é um dos grandes desafios para a agricultura no presente. E será ainda mais crítico no futuro. Mesmo que no Brasil, a abundância de chuvas e a proeminência de rios garanta, em muitas culturas, a irrigação necessária, em algumas de nossas regiões e em outros países a realidade não é a mesma.
Uma das alternativas buscadas por pesquisadores mundo afora é o cultivo de alimentos utilizando água salgada, já com algumas empresas obtendo resultados promissores, principalmente por envolver algumas das mais importantes culturas agrícolas, como trigo e arroz.
São projetos antigos, mas que graças a avanços tecnológicos se aproximam da viabilidade. Há 10 anos, por exemplo, os biólogos moleculares suecos Henrik Aronsson e Olof Olsson, fundadores da startup OlsAro, se debruçam a estudar e desenvolver culturas mais resistentes ao clima utilizando a descoberta de características possibilitadas pela Inteligência Artificial.
Dentre as apostas da companhia, uma das que vem chamando maior atenção pelo seu potencial é o cultivo do trigo na água salgada. A empresa tem testado, em diferentes países do mundo, variedades de sementes desenvolvidas para tolerar a salinidade do ambiente (seja do solo, seja da água).
“Fizemos testes de campo no Paquistão, na Sérvia e no Quénia e parece que as nossas sementes também estão bem adaptadas a estas condições”, comentou ao AgFunder News, a CEO da empresa, Elén Faxö.
Ela pontuou que o mundo observa uma redução constante na quantidade de terras agricultáveis por conta da salinidade do solo, o que pode ou diminuir ou impedir a produção em várias regiões.
“Essa maior salinidade deve-se, em parte, às inundações e aos ciclones, mas também à falta de água doce. Nesses locais, os agricultores têm irrigado com água salina ou salobra, o que para nós é um enorme mercado endereçável.”
A executiva ingressou na startup para buscar investidores e cuidar da parte comercial do negócio. Até agora, ela já levantou US$ 620 mil em uma rodada pré-seed e busca mais US$ 2,14 milhões para alavancar a empresa.
O mercado vislumbrado pela empresa é o da Ásia, tanto pela abundância de terras quanto pela costa marítima ampla, onde há dificuldade de cultivo. Em Bangladesh, no Sudeste asiático, a empresa possui um contrato comercial em vigor com uma empresa de sementes.
“Nosso foco é tornar as terras não cultivadas novamente cultiváveis, por isso temos três anos de testes de campo e, em comparação com o controle do trigo moderadamente tolerante ao sal, temos um rendimento 52% superior”, comentou a CEO.
A companhia ainda não está oficialmente nesse mercado por questões regulamentares, mas garante que também está em diálogos comerciais com o Paquistão e Omã.
De acordo com Faxö, a OlsAro tem dois caminhos de desenvolvimento, dependendo do cenário regulatório dos mercados que visa. O primeiro está relacionado com um tratamento de sementes com uma substância que introduz uma diversidade genética elevada.
Nesse sentido, a empresa afirma ter mais de 2 mil linhagens de trigo com esse perfil e aposta em comercializar esse tipo de linha. O outro caminho envolve identificar os códigos genéticos que se mostram favoráveis para desenvolver novos “eventos genéticos”.
Dessa forma, a CEO define o modelo de negócios da OlsAro como um “pré-melhorador de sementes”, que atua diretamente com sementeiras.
Arroz salgado
No Canadá, outra startup usa uma técnica de rativação de genes adormecidos para criar um arroz, alimento consumido por mais da metade da população global, resistente ao sal.
A Alora, fundada em 2019 por Rory Hornby e Luke Young, está desenvolvendo o que a própria companhia chama de “a planta terrestre mais tolerante ao sal do planeta”, em um estudo com a Universidade de Guelph, em Ontário.
Nos testes, as plantas geneticamente modificadas são cultivadas em uma água com oito gramas de sal por litro. No mar, a proporção é de cerca de 30 gramas por litro. A ideia, segundo Young, é aumentar a tolerância à salinidade em até 28 gramas no final deste ano.
Caso o teste ocorra com sucesso, a empresa afirma já ter três parceiros prontos para assinar o contrato, o que faria a Alora a começar a gerar receitas.
A empresa quer resolver os problemas da cultura do arroz causados por um uso excessivo de fertilizantes e pela intrusão de água do mar nos aquíferos costeiros.
Num financiamento inicial, a Alora levantou US$ 3,7 milhões em financiamento de investidores, incluindo Toyota Ventures, Sustainable Oceans Alliance e Mistletoe. Até o final do ano que vem, a ideia é levantar uma rodada série A.
A empresa atua com testes em Cingapura, em parceria com uma universidade local, e com o Laboratório Marinho Nacional da Ilha de St. John e tem recebido grupos interessados em estabelecer testes oceânicos e terrestres nas Bahamas, Japão, Bangladesh e também no Brasil.
Do ponto de vista regulamentar, a empresa enfrenta problemas iguais aos da OlsAro. “A edição genética apresenta um caminho um pouco mais fácil para o mercado”, disse Young ao AgFunder News.
Embora o foco inicial da Alora seja o arroz, a tecnologia também pode ser aplicada a diversas outras culturas, incluindo milho e algodão.
O arroz tolerante ao sal não é novo, observou Young, que citou o trabalho do cientista agrícola chinês Yuan Longping, que usou técnicas de melhoramento tradicionais, além de startups como a Red Sea Farms e gigantes agrícolas como a Bayer.
A Alora, contudo, alcançou níveis de tolerância significativamente mais altos através da aplicação da tecnologia CRISPR, de edição genética.