As vacas da fazenda Vaqueria El Remanso, no interior de Porto Rico, chamam a atenção de quem visita o local. À primeira vista, o pelo ralo, com aparência “recém-barbeada”, pode dar a impressão de alguma doença ou deficiência nutritiva. Mas a verdade é que elas são saudáveis e têm uma característica que as favorece naquele ambiente.

O que lhes dá essa pelagem é uma mutação genética natural, batizada como “slick” (liso, em inglês), segundo Rafael López-López, dono da propriedade.

Graças a essa condição, essas vacas “mutantes” têm mostrado, ao longo de vários anos, melhor adaptação ao clima quente da região. Descendentes de vacas da raça Holstein, de genética holandesa conhecida por serem as maiores em termos de volume de leite produzido, elas se tornaram alvo do interesse mesmo fora do território.

A mutação genética dá às vacas lisas, além da pelagem mais curta, glândulas sudoríparas mais ativas, que as ajuda manter uma temperatura corporal saudável.

Com isso, os animais são menos afetados por um problema que tem tirado o sono de produtores de leite em várias regiões do mundo. Para melhor produzir, as vacas leiteiras precisam de ambientes confortáveis, com temperatura que variam de 5 a 25 graus.

Mas, com as temperaturas globais em elevação, picos de calor em regiões produtoras têm provocado enormes prejuízos ao setor leiteiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, segundo mostrou um estudo publicado na revista acadêmica The Professional Geographer, o esse stress térmico gera perdas anuais de US$ 670 milhões anual à indústria.

Esse cenário, segundo o estudo, pode trazer uma queda de 6,3% na produção de leite até o final do século. E, em casos mais graves, acarretar a morte de rebanhos inteiros.

No ano passado, cerca de 10 mil vacas morreram em apenas dois dias quentes e úmidos no estado americano do Kansas. Neste ano, durante o mês de julho mais quente da história, há centenas de relatos de mortes. A tendência, segundo especialistas, é só piorar o cenário.

Isso acontece porque, em uma faixa próxima a 38 graus, a regulação da temperatura interna das vacas fica comprometida, o que as faz pastar menos, comer menos ração e ter mais problemas de fertilidade, além de ficar mais suscetível a doenças. Por consequência, a cadeia do leite se compromete.

Até agora, esse desafio era solucionado por investimentos em ventiladores e outros sistemas de refrigeração. É nesse ponto que a mutação vista em Porto Rico – e também em propriedades na Venezuela e países do Caribe – pode ajudar a solucionar esse problema estrutural.

No caso da fazenda de López, cada lactação das vacas slick rende 1,8 mil libras (o equivalente a mais de 800 litros) a mais por animal, segundo relatou o produtor em reportagem produzida pela Nexus Media.

O produtor começou a criar ativamente a mutação no seu rebanho no final dos anos 1990. Hoje, metade de suas 155 vacas apresenta essa mutação. Diante da oportunidade, ele passou a criar e vender touros com a mesma “habilidade” para outros pecuaristas.

López criou também o primeiro touro Holandês “liso” homozigoto do mundo. Isso significava que ele possui duas cópias do gene que gera a característica “antitérmica”, garantindo que 100% de seus descendentes também nasceriam com a mutação.

Nos últimos cinco anos, o sêmen dos touros vendido por ele foi usado por empresas americanas de inseminação artificial para gerar outros touros, ainda mais adaptados, em estados do sul dos EUA, como Kentucky e Flórida, além das Américas do Sul e Central, Indonésia, Tailândia e Catar.

A origem dessa mutação, vista inicialmente em Porto Rico, ainda é incerta para os cientistas, mas a aposta é que quando vacas do tipo Holstein chegaram em Porto Rico na década de 1950, foram cruzados com vacas do tipo Crioulas, uma raça que serve tanto para carne quanto laticínios e já era adaptada ao clima quente local.

Os pesquisadores suspeitam que essas vacas locais já tinham a mutação e a transmitiram aos seus descendentes. Por lá, os fazendeiros porto-riquenhos chamavam essas vacas de "rabo fina” e, a princípio, as consideravam inferiores.

mutação foi identificada pela primeira vez pelo professor de criação animal da Universidade da Flórida, Tim Olson, que mapeou a mutação e fez parceria com cientistas de Porto Rico para conduzir pesquisas no início dos anos 2000.