Guaxupé (MG) - A necessidade (cada vez mais urgente) de descarbonizar a agricultura está fazendo dois gigantes, que já tinham projetos de tornar sua produção mais sustentável, se unirem.

A Yara, companhia global de fertilizantes, e a Cooxupé, maior companhia de café arábica do mundo, responsável por 15% da produção nacional da commodity, firmaram uma parceria em 2022 com foco no fornecimento de fertilizante verde.

A partir dali, prometeram avançar em pesquisas para o uso de fertilizantes nitrogenados de baixo carbono na produção de café.

Um evento realizado nesta sexta-feira, dia 8 de novembro, na sede da Cooxupé, em Guaxupé (MG), perto da divisa entre Minas Gerais e São Paulo, reuniu produtores de café, representantes das duas empresas e jornalistas para apresentar as primeiras ações práticas.

Um grupo de oito produtores da cooperativa recebeu no mês passado o primeiro lote dos produtos YaraLiva e YaraMila, que vieram da fábrica da Yara em Porsgrunn, na Noruega, produzidos a partir da eletrólise da água, uma fonte renovável de energia.

Os produtos já vinham sendo testados em campo e a primeira venda de café produzido com os fertilizantes verdes também acaba de ser feita, para o Japão.

A expectativa das duas empresas é de que tanto o volume de utilização dos fertilizantes, quanto o de vendas cresça a partir do lançamento dessa parceria – ainda que existam percalços como o custo do produto e o prêmio a ser pago.

A parceria entre Yara e Cooxupé ocorreu de forma natural, segundo o vice-presidente de Agronomia e Marketing da Yara Brasil, Guilherme Schmitz.

"Selecionamos a dedo o parceiro para fazer isso acontecer. É a cooperativa a nível global que domina a cadeia de café. é por isso que escolhemos a Cooxupé para desenvolver clientes compradores desse produto de baixa pegada de carbono", afirma Schmitz.

"Fomos, somos e seremos protagonistas de café a nível mundial. Ter acesso a um fertilizante que colabore com a produção (sustentável) é uma grande conquista", resume Carlos Alberto Rodrigues de Melo, presidente da cooperativa.

O produto da Yara é produzido com catalisadores de redução de óxido nitroso, que tem efeito poluidor semelhante ao CO2.

A Yara promete uma redução em até 90% da pegada de carbono na produção do fertilizante e de 40% no cultivo de café.

Segundo a companhia, a pegada de carbono deixada pela produção de cada 1 kg de café é de 3,45 kg de CO2 equivalente quando são utilizados fertilizantes convencionais, montante que cai para 2,03 kg de CO2 equivalente quando utilizados produtos do Yara Climate Choice, portfólio de fertilizantes no qual estão inseridos os itens utilizados pela Cooxupé.

A parceria com a Cooxupé faz parte de uma estratégia maior da Yara, globalmente, que persegue a meta de atingir a neutralidade em suas emissões de CO2 até 2050.

Segundo o executivo da Yara, dentro das emissões de gases de efeito estufa da agropecuária – que respondem a cerca de 20% do total no mundo – as emissões vindas dos fertilizantes nitrogenados correspondem a 11% desse total.

Na produção de café em específico, segundo a Yara, cerca de 67% da pegada de carbono do cultivo tem origem na produção e uso de fertilizantes nitrogenados.

Uma saída para isso é a diversificação da fonte energética de gás natural de origem fóssil para outras como a eletrólise da água, na Europa e, no Brasil, o biometano.

A Yara inclusive tem um acordo firmado com a Raízen desde o ano passado para produzir amônia verde com biometano fornecido pela companhia da Cosan.

Para alavancar produtos mais sustentáveis, a companhia defende, segundo Schmitz, a criação de políticas públicas de incentivo à transição energética para baratear e facilitar o acesso de fertilizantes com menor pegada de carbono.

“O custo da energia no processo produtivo de um fertilizante nitrogenado é na ordem de 80%. Se eu aumento esse custo para uma fonte renovável, que de uma forma geral, é mais cara, mais elevada, vou elevar esse custo extra no preço dos fertilizantes”, afirma.

Hoje, o fertilizante de baixo carbono utilizado pela Cooxupé é fabricado na Noruega.

A ideia da Yara é fabricar outros produtos semelhantes, dentro do portfólio Climate Choice, também no Brasil, em sua fábrica localizada em Cubatão (SP). Neste semestre, a unidade passou a produzir nitrato de amônio.

“A tendência é que o grande fornecimento de produtos, na medida que a gente escalar, continue sendo via Europa, mas estamos preparando a fábrica de Cubatão para fabricar outros produtos da linha Climate Choice”, afirma.

Custo ainda é alto

O projeto da Yara com a Cooxupé ainda é um piloto. A ideia é que mais produtores, no futuro, também adotem esse fertilizante em seu cultivo.

Durante a apresentação da iniciativa, os dirigentes da cooperativa informaram, inclusive, que um primeiro lote de café produzido com a utilização do fertilizante foi comercializado junto a um comprador do Japão.

"São seis ou sete contêiners, cerca de 2,5 mil sacas de café. É um volume bastante significativo", afirma Osvaldo Bachião Filho, vice-presidente da Cooxupé.

Ele não soube precisar o prêmio pago sob o lote, mas disse que tem “certeza” de que vai cobrir o custo.

A dúvida sobre quem vai pagar a conta é algo que pode determinar o sucesso da iniciativa à frente.

No momento, os cooperados da Cooxupé que adquiriram o fertilizante de baixo carbono pagaram valor equivalente ao montante despendido para um fertilizante normal, segundo Guilherme Schmitz, da Yara.

Hoje, no entanto, a estimativa do executivo é de que o fertilizante tenha um custo adicional de cerca de US$ 250 por tonelada ao valor que já é pago pelo fertilizante convencional.

A ideia de Yara e Cooxupé é que o prêmio pago pela produção de café de baixo carbono cubra o custo de aquisição.

"O produtor precisa receber isso ou mais que isso em breve, senão não vale a pena. Sendo transparente: eu não compraria algo que custa US$ 250 mais caro", afirma Schmitz.

"Se não conseguirmos gerar algum interessado em pagar um prêmio por esse café que pelo menos remunere o investimento, isso vai ser algo de marketing, e não algo que vamos perpetuar", emenda.

"Na ponta, o consumidor que quer um café sustentável também tem que pagar mais caro, se não se viabiliza", acrescenta Carlos Augusto Rodrigues de Melo, presidente da Cooxupé.

O atual momento de preço do café, cotado na faixa de US$ 250 na Bolsa de Nova York, também ajuda a cobrir parte do custo de aquisição, situação que também não é a ideal, segundo ele.

"(Por isso é) necessário que o prêmio pague esses custos. Esse ônus, com preços de café baixos, traz uma dificuldade e eu não vou me iludir de que isso será um sucesso (em um cenário de baixa)", afirma Melo.

Para Osvaldo Bachião Filho, vice-presidente da cooperativa, o mercado externo deve ser o foco de comercialização do café produzido com insumos com baixa pegada de carbono, especialmente o europeu.

"Quem deveria estar demandando esse café são os europeus, já que eles estão querendo implantar no mundo o protocolo deles e precisam ser os mais responsáveis com a contrapartida financeira na aquisição desses produtos, que entregam mais do que eles estão pedindo”, afirma.

Por mais que entenda que o produto ainda seja de nicho, Bachião diz que o valor a ser pago pode compensar volumes menores de comercialização.

“Nós produzimos entre 6 e 8 milhões de sacas de café. Se o nicho for de 0,5%, temos 1,5 milhão de sacas de café com um valor agregado por ter uma entrega diferenciada”, afirma.

Exportadora de café para mais de 50 países e de olho nas exigências de mercados como o europeu, a Cooxupé possui iniciativas ESG, entre elas, um protocolo próprio de sustentabilidade, chamado Gerações, lançado no começo do ano passado.

A cooperativa também já faz remessas inclusive de café com o selo EUDR (lei antidesmatamento da União Europeia) e, segundo o presidente Carlos Augusto de Melo, está apta a cumprir as exigências da lei antidesmatamento da União Europeia, que restringe a entrada de commodities no bloco que tenham sido produzidas em áreas desmatadas a partir de 2020 e é bastante criticada pelo setor produtivo brasileiro.

"Eu até queria que a EUDR começasse a valer já agora, porque já estamos preparados", afirma Melo.

Café e grãos

Nos dias em que a reportagem passou pelo Sul de Minas, onde está instalada a sede da Cooxupé, caía bastante chuva.

Mas, até semanas atrás, a situação era diferente: há tempo que não chovia na região. “Entre abril e setembro não choveu praticamente nada e quando choveu, choveu pouco, só não chega a ser nada de extraordinário porque tivemos ciclos até maiores de falta de chuva”, afirma Bachião Filho, vice-presidente da cooperativa.

O clima, em geral, vem afetando a produtividade do café – e da cooperativa – nos últimos anos, desde 2020, segundo Carlos Augusto Rodrigues de Melo.

"O clima tem interferido especialmente no café não só pelas geadas, chuvas de granizo, déficit hídrico, mas principalmente pelas altas temperaturas, que tem mudado a produtividade do cafeicultor", afirma o presidente da cooperativa.

Ele diz que a produtividade baixou de uma faixa que ia de 35 a 40 sacas de café por hectare no passado para 25 a 30 sacas no momento.

"É uma perda muito grande de produtividade e tem impacto muito grande nos custos do produtor rural", diz.

A Cooxupé viu seu faturamento recuar 37% em 2023, passando de R$ 10,1 bilhões em 2022 para R$ 6,4 bilhões no ano passado.

Para este ano, Melo projeta que o faturamento da Cooxupé “deve passar” dos R$ 10 bilhões – carregado pelo nível atual da cotação do café.

“Não que houve um aumento de safra, a colheita 2024 e 2023 foi muito parecida, mas os preços estão totalmente diferenciados”, afirma.

Um indicativo disso é que o volume de produção recebida deve se manter praticamente estável, segundo Osvaldo Bachião Filho, vice-presidente da Cooxupé.

“Deve ser um pouco menor de 2023, mas muito próximo. Em 2023, foi de 6,7 milhões de sacas, e em 2024, deve ser 6,5 milhões de sacas recebidas”, afirma ele.

Para 2025, Bachião Filho espera que os problemas de produtividade continuem.

“Não vai mudar o cenário, não sei nem se fica no nível que está ou se vai menor, mas ainda é cedo para falar. Em fevereiro vamos conseguir ter uma perspectiva maior, mas certamente vamos continuar a ter o problema de produtividade”, afirma.

No começo do ano, o AgFeed antecipou que a Cooxupé iria entrar no mercado de soja e milho nesta safra 2024/25. Em conversa com a reportagem nesta sexta-feira, Bachião Filho não trouxe detalhes sobre a operação, mas disse que o momento, por enquanto, está sendo de aprendizado sobre a dinâmica dos grãos.

Ele disse que a cooperativa já montou uma equipe comercial dedicada a grãos. “Eles estão a campo, e a gente já consegue oferecer insumos e as mesmas facilidades que temos no café”, diz.

O número de cooperados que trabalha com grãos ainda é pequeno, segundo Bachião Filho. “Estamos engatinhando, agora querendo aprender a colocar o joelho no chão e precisamos ter juízo do que fazer", brinca.