Debilitado financeira e juridicamente, após fracassadas tentativas de ter seu pedido de recuperação judicial homologado pela justiça do Mato Grosso, o Grupo Safras pode estar trocando de mãos, em um movimento que surpreendeu até quem acompanha de perto a agonia da companhia.
Seus sócios fundadores, Dilceu Rossato e Pedro de Moraes Filho – além de seus familiares e executivos ligados a eles –, receberam nesta segunda-feira, 7 de julho, uma notificação, assinada pelos gestores dos fundos Axioma e Alcateia, da gestora FIDD Group, informando que cederiam ao fundo AGR I Brazil Special Situations Fund, gerido pela Yards Capital, os direitos sobre uma opção de compra de 60% do Safras, conforme previsto em um contrato assinado em agosto de 2024.
O fundo foi constituído recentemente pela AM Agro, empresa criada em 2019 que tem entre seus sócios Marco Teixeira, executivo com passagem por várias grandes empresas do agro, como AgroGalaxy, e que atualmente é CEO da Superbac, com a finalidade específica de levantar recursos para adquirir, reestruturar as dívidas, gerir e colocar novamente o Safras em operação plena, mas sob nova gestão.
Até agora, foram investidos apenas R$ 100 mil, valor estabelecido para a cessão dos direitos que pertenciam aos dois fundos. Mas a intenção da AM Agro é levantar, através do veículo criado, entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão para usar na operação.
“Toda a gestão da companhia será feita diretamente pelo fundo”, afirmou Teixeira ao AgFeed. “Nosso time já está no Mato Grosso, tendo as conversas que tem que ter”.
Entre as conversas estão, segundo ele, se alinhar com Rossato e Moraes, que no modelo desenhado pela AM Agro passam a ser minoritários no grupo, com 20% de participação cada um.
“Para nós, a oportunidade foi interessante exatamente por sermos majoritários, para podermos fazer os ajustes necessários para a retomada do Safras. Mas queremos fazer isso como sócios e ter uma proximidade com os fundadores”, disse Teixeira.
O AgFeed procurou Rossato e Moraes através da assessoria de imprensa do Safras, mas não teve retorno dos fundadores até o fechamento dessa reportagem (que será atualizada caso eles se manifestem).
Mas uma fonte que acompanha de perto a tentativa de reestruturar a empresa através da RJ afirma que ainda não houve nenhum contato entre as partes.
Teixeira, por sua vez, afirmou acreditar que a entrada da AM Agro surge como “uma das últimas opções” que o Safras tem para “criar alguma coisa viável para todo mundo”.
“Até pela história recente, desde o ano passado, com todas as idas e vindas que a gente se conhece, acho que todo mundo tem que estar sentado à mesa. É assim que nós, como investidores, entendemos. Os sócios tem que estar sentado à mesa, os credores, os parceiros...”
A proposta da nova personagem na complexa novela do Grupo Safras é, assim que tomar pé da real situação da companhia, é desenhar um novo plano de reestruturação das dívidas, que ultrapassam os R$ 1,78 bilhão, de acordo com os documentos anexados no processo que buscava a homologação da recuperação judicial.
E, assim que possível, iniciar um programa de investimentos que tem como primeiro objetivo recolocar a empresa em operação até o fim deste ano, de forma que possa passar a receber grãos de produtores quando começar a colheita da nova safra de grãos na região.
“A empresa não pode perder mais uma safra”, decretou Teixeira. “E, se a gente olhar para a região, verá que uma empresa independente como a Safras faz muita falta quando a produção é colhida e precisa ser armazenada”.
Um “case” para a a AM Agro
Teixeira disse ser apenas um investidor recente da AM Agro, embora seja hoje o rosto visível da companhia, praticamente desconhecida no setor.
Segundo ele, a empresa foi formada por um grupo de executivos com experiência em empresas do agronegócio e de mercado financeiro. “Somos um veículo de investimento, nossa proposta conectar capital com quem tem interesse em operar tanto no agronegócio quanto no segmento de mineração”, definiu.
A tese da AM Agro, de acordo com o executivo, é, a partir dos recursos captados junto a investidores, construir um negócio verticalizado, que vá da aquisição de terras e da produção agropecuária à agroindústria, com usinas de processamento de grãos e de produção de biocombustíveis, por exemplo.
Em seu site na internet, publicado recentemente, a AM Agro afirma operar fazendas, tanto de agricultura como de pecuária, desenvolvendo projetos de larga escala “com foco na maximização da produtividade”, investir e operar na infraestrutura de armazenagem, operar plantas de crushing, “transformando grãos (soja, milho) em óleos, farelos e outros derivados de alto valor agregado, essenciais para as indústrias alimentícia e de ração animal” e também de biocombustíveis.
“Nossas fábricas de etanol de milho representam um compromisso com a energia renovável e a economia circular, produzindo biocombustível de alta qualidade e coprodutos de valor como o DDGS”, afirma o texto na página da companhia.
Não há, entretanto, nenhum detalhe sobre porte e localização dessas operações. Questionado pelo AgFeed, Teixeira também não informou nenhuma propriedade rural ou agroindústria sob gestão da AM Agro.
“A empresa, desde 2019, fez algumas operações, dentro de uma política de investimento bem ampla, desde a aquisição de terras e operação até um foco em operar no agronegócio de forma verticalizada”, respondeu, de forma genérica.
Solicitado a dar uma informação mais específica, também não detalhou: “A gente tem investimentos uns adiantados e outros em fase de avaliação de fazendas no Mato Grosso do Sul, tem algumas alterações fora do Brasil. E a gente pretende, com o Grupo Safras, fazer um case de sucesso do time de gestão que a gente colocou e está montando no plano”.
Da mesa forma, Teixeira evitou citar nomes de profissionais envolvidos nos times de gestão e de investimento que, segundo ele, já estão envolvidos no caso Safras. Disse que esses nomes serão revelados nos momentos devidos, com a evolução das conversas e da operação.
A aquisição
O investimento no Safras era, segundo Teixeira, uma das opções analisadas pela AM Agro. Ele conta que o interesse foi despertado pelas características e ativos do grupo, que coincidiam com o modelo de verticalização defendido pelos investidores.
Ele disse entender que, ao operar em várias etapas da cadeia, “você consegue gerenciar segmentos diferentes e ter uma rentabilidade melhor a médio prazo”, superior à que teria se ficasse exposto a apenas um elo do negócio.
“A verticalização faz muita diferença, ela cria valor e quando o momento de um segmento é ruim, é possível fazer gestão obtendo uma margem melhor em outra etapa da cadeia, afirmou.
A oportunidade de aquisição, sem ter de negociar diretamente com os donos de um negócio em dificuldades, também atraiu a AM Agro. Segundo Teixeira, ao avaliar diferentes opções, o time de investimentos da AM Agro teve contato com a FIDD, gestora dos fundos Axioma e Alcateia, donas da opção de compra dos 60% do Safras.
Em troca dessa opção, prevista em um contrato assinado em agosto de 2024, os fundos prometiam captar R$ 400 milhões em três anos, para injetar no Safras. Esse contrato chegou a ser questionado por credores durante a tramitação do pedido de RJ do Safras.
A Carbon Participações, credora que lutava também pela reintegração de posse de uma usina esmagadora de soja operada pelo Safras, afirmou no processo que o contrato, que havia sido registrado em um cartório da cidade de Maringá, no Paraná, teria sido retirado de registro “a pedido das próprias partes”.
Na ocasião, a juíza Giovana Pasqual de Mello, da 4ª Vara Cível de Sinop (MT), responsável pelo processo, considerou que, como a opção não havia sido exercida, não trazia, naquele momento, impacto na composição acionária do Safras e, portanto, à continuidade do processo.
Desde então, entretanto, o Safras teve frustrada suas demandas pela homologação da recuperação judicial e o quadro se inverteu. O contrato reapareceu, com a notificação da FIDD de que os fundos estavam transferindo a opção ao AGRI I, constituído pela AM Agro e gerido pela Yards.
“Essa alternativa nos pareceu mais viável para a gente entrar no grupo”, afirmou Teixeira. “A gente constituiu um fundo de special situation com a ideia de estar trazendo investidores para a operação. Ele é o veículo no qual a gente está fazendo o investimento no Grupo Safras. É ele que vai escolher os diretores e mudar a gestão”.
O caso, segundo o próprio Teixeira adminte, “não é trivial”. Ele acredita, entretanto, que a AM Agro reúne profissionais que “sabem operar as questões financeiras do agro, inclusive de gestão de passivos elevados”.
“Nosso time de gestão que vai estar diretamente no Grupo Safras tem todos os skills, capacidade e contatos pra fazer acontecer, passando por uma negociação com os credores e pelo levantamento de novos fundos para fazer a operação rodar”, disse.
“Temos acesso a capital e investidores querendo entrar em boas oportunidades, é totalmente viável, na nossa avaliação”.
Teixeira afirma que a AM Agro deve colocar no Safras um time de profissionais que combina expertises operacionais nos diversos negócios do grupo e também de reestruturação financeira, para lidar com a complexidade das negociações que devem ser iniciadas com os credores.
“Obviamente vamos aproveitar e usar os recursos humanos que a companhia tiver”, afirmou. “É um grupo que tem uma história interessante do ponto de vista operacional. Os ativos da Safra no mercado são tidos como bons do ponto de vista de nível de serviço e atendimento para o produtor. E no final é isso, o produtor é que paga toda a conta dessa história”.
Conversas preliminares foram realizadas com alguns credores antes mesmo da decisão de seguir com a aquisilção, segundo Teixeira. “Todo mundo ali está procurando uma alguma coisa viável, porque estava todo mundo muito preocupado com a questão da RJ, que tentou ser homologada e por diversas razões, que não cabe a mim comentar, não evoluiu”.
“O fato é que todos os players estão buscando alternativas e temos apoio de credores e o interesse de investidores de colocarem recursos numa tese interessante, mas obviamente é importante, para que isso aconteça, essa conversa do passivo”, prosseguiu.
“A companhia não tem condições de atuar com o passivo que tem nesse momento, então precisa ter uma conversa de construir um plano de reestruturação para a companhia que consiga preservar os objetivos dos credores, mas ao mesmo tempo seja factível para a sua operação. A companhia vai precisar de um tempo, de um fôlego para fazer acontecer”.
O risco da judicialização
Um dos riscos iminentes da operação é uma judicialização dessa tomada de controle, com a contestação, por parte tanto dos credores como dos próprios fundadores, do contrato de opção cedido à AM Agro.
Uma fonte próxima de Rossato e Moraes afirmou ao AgFeed que a intenção de ambos seria insistir na saída via recuperação judicial e que acredita que que a AM Agro estaria atuando como “fronting”, ou seja, como fachada para a ação de outros grupos interessados na saída dos fundadores do controle da empesa.
Esse tema foi recorrente ao longo de toda a discussão em torno da RJ, com denúncias de que uma intrincada rede de fundos e gestoras estaria atuando nos bastidores do Safras, financiando suas operações e comprando direitos creditórios de sua carteira em benefício dos sócios.
Como garantia, eles teriam justamente contratos de opções que lhe dariam o controle da empresa. Alguns desses foram listados entre os principais credores e foram alvo de rumores de, indiretamente, já exercerem o controle da companhia.
A suspeita recaiu sobretudo sobre a Flowinvest, gestora com sede em Maringá, no Paraná. A juíza da 4ª. Vara Cível de Sinop (MT) chegou a determinar que a relação entre a gestora e o grupo Safras fosse investigada, mas não há uma conclusçao sobre essas investigações.
A Flowinvest já havia negado possuir tal instrumento. Procurada pelo AgFeed para a realização dessa reportagem, declinou de se manifestar.
Teixeira preferiu não entrar no tema das denúncias quando questionado sobre o risco de judicialização do negócio. “O caso de Safra teve bastante discussões judiciais e não cabe a mim discutir o passado ou mesmo como a empresa conduziu um caso como esse”, afirmou.
Segundo ele, “é natural que existam visões diferentes, que os players envolvidos busquem preservar os seus interesses”.
O sócio da AM Agro disse, entretanto, estar seguro, a partir da avaliação dos advogados da empresa, de que possui “um instrumento bem instituído, que não tem nenhum vício”.
“Nós não entraríamos no cenário em que a gente tivesse alguma dúvida disso. Não acreditamos que esse seja um problema, até porque, vamos falar a verdade, a entrada de um player que está demonstrando interesse em resolver o problema, seja da forma operacional seja na discussão com os credores e na forma de colocar dinheiro novo na operação é uma boa notícia”.
“Somos muito pé no chão e responsáveis com o nosso plano nós acreditamos, porque tem um ativo muito subutilizado em todos os sentidos. Em se resolvendo a questão do passivo com o time correto na operação e com o fôlego de capital de giro necessário, a companhia é totalmente viável”.
Resumo
- A AM Agro, por meio do fundo AGR I Brazil Special Situations Fund, assumiu a opção de compra de 60% do Safras, com planos de reestruturar a empresa
- Essa opção de compra está prevista em contrato assinado pelo Safras com os fundos Alcateia e Axioma, geridos pelo FIDD Group
- Empresa diz que pretende captar até R$ 1 bilhão para repactuar dívida de R$ 1,78 bi do Safras e reiniciar atividades para aproveitar a próxima safra