Seis meses separam duas conversas do AgFeed com Pierre Santoul, CEO da Tereos no Brasil. Um semestre intenso, daqueles de fazer rever algumas convicções.
Em junho passado, por exemplo, o executivo que lidera uma das maiores operações so setor sucroenergético do País, falava em produzir ainda mais açúcar nas sete usinas do grupo, elevando o mix do produto, na comparação com o etanol, para algo em torno de 70%.
No encerramento do ano passado, já com a moagem da safra encerrada, ele não escondia sua frustração com o resultado “decepcionante”, que fez esse índice cair de 67% para 64% -- ainda um dos mais altos do setor, em que a média é de 49%.
“A seca e os incêndios machucaram bastante o nosso negócio”, lamentou Santoul.
Com 3% menos cana processada (na safra 2023/2024 foram 21,1 milhões de toneladas) e com teor açucareiro perdido por conta dos problemas climáticos e as queimadas nos canaviais, a Tereos não mudou, entretanto, a estratégia.
A companhia, segundo seu CEO, vai manter a fé e as apostas na produção do adoçante. “Não por filosofia”, ressaltou, “mas por um ponto de vista econômico, pois continua a fazer mais sentido fazer açúcar do que etanol”.
Depois desse ano difícil, entretanto, o biocombustível ganhou mais visibilidade na estratégia do grupo, ainda que não para o curto prazo. Se há seis meses Santoul qualificava o mercado do etanol como “complicado” e preferia deixar o tema fora do radar de curto prazo, agora ele celebra a obtenção, pela operação brasileira, da certificação ISCC CORSIA, que a habilita a vender etanol para a produção de combustível sustentável de aviação (SAF).
O cenário mudou rápido e a Tereos quer mostrar que está atenta e pronta para se ajustar ao que a conjuntura tem a oferecer.
“Basicamente, não tem mudança de posição”, disse Santoul em dezembro passado.
“A Tereos é mais açucareira, mas a base da nossa competitividade é a opcionalidade que temos de fazer vários produtos e também de vender em vários mercados, a capacidade que temos de otimizar o nosso mix entre produtos e canais de distribuição”. Então, hoje mesmo, o açúcar continua mais interessante que o etanol e, então, continuamos puxando o mix do açúcar.
Segundo ele, o radar estratégico da companhia está mais aberto a entender quais são as tendências do mercado. Em um futuro breve, a visão é a de que o açúcar continuará remunerando bem a indústria, com uma demanda global crescente que vem se mantendo.
“No outro lado, sobre o mercado do etanol, é um mercado que tem um potencial de crescimento muito importante, com várias rotas”, afirmou.
No mercado interno, os preços baixos não animavam Santoul e sua equipe, mas nos últimos meses o cenário ficou mais positivo, com uma série de fatos que deram mais previsibilidade em relação ao aumento de demanda do combustível.
O executivo cita, por exemplo, o fato de o programa Renovabio, de incentivo à descarbonização, estar “ganhando maturidade” e entende haver “sinais muito fortes de que tem uma vontade política e legislativa de reforçar esses mercados”.
A aprovação da lei do Combustível do Futuro é a confirmação disso, na sua visão. “Ela vai aumentar naturalmente em 10% a demanda do etanol anidro”, analisou.
“E tem mercados de exportação e uma demanda para os mercados industriais sobre o etanol brasileiro, com certo grau de definição”.
Nesse contexto está inserido o SAF, antes considerado distante por Santoul, mas que parece cada vez mais próximo, com o estabelecimento de prazos mandatórios para a isua incorporação pelo setor aéreo “no Brasil, no Japão e nos Estados Unidos”;
“Isso é uma boa notícia. Porém, a capacidade de produção não está instalada ainda”, alertou. “Tem investimentos a serem feitos, e, nesse sentido, a Tereos se prepara caso a demanda virar uma realidade”.
“Com essa filosofia de opcionalidade, de ter a capacidade realmente de arbitrar entre os diferentes mercados, estamos colocando uma opção adicional para estarmos prontos, caso necessário, para vender etanol para produção de SAF”.
De acordo com Santoul, as unidades da companhia no Brasil já estão prontas para esse momento, o que é demonstrado pelas certificações obtidas, garantidas pelo modelo de gestão ambiental da empresa.
O maior desafio, segundo ele, é garantir a sustentabilidade da matéria-prima. Hoje, diz, a Tereos consegue rastrear e quantificar a pegada de carbono da produção de sua própria cana e também a dos fornecedores.
De acordo com o CEO, antes mesmo das certificações a empresa já caminhava nesse sentido, em virtude dos compromissos de redução de emissões assumidos.
“Isso nos forçou realmente a ter todas as ferramentas prontas, assim não precisamos de nenhum esforço particular e só realmente cumprir a certificação”, afirmou.
As conversas com potenciais clientes para a venda de etanol para a produção de SAF já estão encaminhadas, mas a demanda, na visão da companhia, só deve começar efetivamente a ocorrer após 2027. Até lá, adiantou Santoul, a Tereos não deve fazer nenhum investimento mais significativo nessa área.
“Estamos esperando para ver a demanda se materializar”, destacou. Ele lembrou que, no papel, as promessas são ambiciosas. Somente no Brasil, por exemplo, os mandatos preveem, em 2037, uma demanda estimada de 1,3 bilhãoões de litros de SAF. “E você tem que multiplicar por dois para saber a quantidade necessária de etanol”.
No Japão, são 1,7 bilhão de litros em 2030 – ou seja, uma demanda de 3,4 bilhões de litros de etanol. “E nos Estados Unidos, é preciso 10 bilhões, se multiplicarmos por dois, em 2031”.
“Se essa capacidade de produção entrar realmente em operação, pode mudar significativamente o jogo”, afirmou.
Para efeito de comparação, a produção atual de etanol no Brasil é de 35 bilhões de litros por ano, sendo que cerca de 29 bilhões produzidos a partir da cana e o restante, do milho.
“Por isso somos mais optimistas sobre o futuro do etanol do que, nos últimos anos, ele tem demonstrado de rentabilidade”, disse.
Também por isso, a Tereos mantém também um olhar atento ao etanol de milho, como uma potencial aposta futura. “Estamos ganhando maturidade em nossos projetos de investimentos”, afirmou.
O preço do fogo
No curtíssimo prazo, os recursos da Tereos já têm um destino prioritário: recuperar os canaviais da companhia depois de um ano em que pouca chiva e muito fogo trouxeram danos severos, seja agronômicos, seja financeiros.
As regiões onde estão concentradas as lavouras de onde sai a maior parte da cana processada nas usinas do grupo no interior paulista – no triângulo entre os municípios de Rio Preto, Ribeirão Preto e São Carlos – esteve entre as mais atingidas, primeiro pela estiagem e, depois, pelos incêndios que se alastraram pelo território do Estado.
Segundo Santoul, a área total da companhia queimada chegou a 55 mil hectares. Destes, 30 mil ainda não haviam sido colhidos quando o fogo chegou, entre a metade de agosto e meados de setembro.
“Isso gerou muitos problemas dentro das nossas operações”, disse o executivo. Nas áreas que jpa haviam sido colhidas, o fogo consumiu a palha, que protege o solo e gera matéria orgânica para enriquecê-lo.
Nas demais, a cana ainda pode ser aproveitada, mas com menos ATR (taxa de açúcar recuperável) não permitiu o desempenho esperado na produção do adoçante.
As chuvas mais regulares nos últimos três meses do ano trouxeram alívio, já se pensando na próxima safra. A preocupação, agora, é que elas continuem a cair durante a entressafra, que dura até abril, ajudando na “reconstrução dos ativos biológicos” da companhia, nas palavras do CEO.
“Qualquer precipitação abaixo do normal ou do histórico pode colocar um risco adicional sobre a safra de 2025 ou 2026, sendo que temos um ponto de partida que é mais atrasado do que os anos anteriores”, disse.
De acordo com Santoul, uma parte importante dos investimentos da empresa têm sido feitos na adaptação do canavial ao aquecimento global.
“A prioridade é de trabalhar sobre tudo o que pode melhorar a resiliência da cana à seca. Isso é muito, muito, claro e todos os esforços são feitos sobre isso”.
Força aérea contra pragas
Um dos exemplos dos desafios que vêm pela frente após as secas e as queimadas é a ameaça das plantas daninhas nos canaviais. Com menos palha no chão e, portanto, mais expostas ao calor e, no período de chuvas, à umidade, essas ervas se proliferam com mais rapidez, concorrendo com a cana pelos nutrientes do solo.
“Nas primeiras chuvas, elas tomam uma dimensão absurda”, afirmou Fábio Franco, gerente-geral da agtech israelense Taranis no Brasil. Em dezembro, a Tereos fechou um contrato com a startup para garantir, durante três anos, o monitoramento de seus canaviais com o uso de uma moderna tecnologia de imagens.
A ideia, segundo Franco, é utilizar dados obtidos através de fotografias feitas com o uso de equipamentos exclusivos instalados em aviões para balizar toda a estratégia de controle das daninhas.
Segundo Franco, no último ano as duas empresas realizaram uma série de testes com a tecnologia e agora, com os resultados comprovando sua efetividade, iniciaram um trabalho em escala, que deve cobrir toda a área de canaviais do grupo sucroenergético.
Assim, até março a Taranis deve sobrevoar as lavouras e capturar todos os dados e, então, fazer um comparativo com o último período de seco. Com base nessa comparação, a empresa organizará sua estratégia de ação contra as daninhas, inclusive definindo o orçamento para a aquisição de herbicidas.
O equipamento óptico utilizado pela Taranis foi desenvolvido no Brasil nos últimos anos e, mpor enquanto, de acordo com Franco, é utilizado apenas no País. Ele consiste em um conjunto de câmeras com espelhos refletores, conectadas a hardwares que fazem upload automaticamente para os computadores da companhia enquanto as fotos são capturadas.
Para poder cobrir grandes áreas em tempo mais curto, a Taranis instalou os equipamentos, na fuselagem de aviões tripulados, que foram adaptados especialmente para recebê-los. No caso da Tereos, é utilizado um Cessna 172, fretado junto a um prestador de serviços e que passou por uma série de certificações para poder realizar esses voos.
Franco explicou ao AgFeed que o avião sobrevoa os canaviais a uma altitude média entre 65 e 70 metros, a uma velocidade de 200 quilômetros por hora. “AssimCom isso, uma aeronave faz 2 mil hectares por dia, enquanto um drone faz cerca 400 hectares por dia”, disse.
“Quando lançamos a primeira versão do produto, fazíamos uma foto por hectare. Depois duas, quatro, e agora fazemos até oito. Então são oito amostras por hectare em 100% dos hectares”.
Depois de coltadas, as imagens são processadas com softwares dotados de inteligência artificial, capazes de identificar e quantificar as daninhas presentes em cada talhão.
“Estamos em evolução no uso do equipamento. O objetivo é aplicar os herbicidas com assertividade, usar a molécula correta para cada área. A hora que você identifica, você direciona”, afirmou Éverton Carpanezi, diretor de Operações Agroindustriais da Tereos.
“Com a identificação de anomalias logo nas fases iniciais, conseguimos evitar perdas e tomar decisões em relação ao manejo de forma mais assertiva. Nosso objetivo é ampliar ainda mais a produtividade e garantir que nossos canaviais estejam saudáveis ao longo de todo o ciclo”.