Da sede, em Piracicaba, aos seus mais de 30 polos de bioenergia, os dias têm sido mais tensos para milhares de funcionários e executivos da Raízen. Desde o início de novembro, quando Nelson Gomes assumiu o posto de CEO da companhia, várias peças internas têm sido movidas na gestão da companhia e os rumores de que uma grande venda de atuvos está a caminho crescem no mercado.
Nesta quarta-feira, 4 de dezembro, por exemplo, a especulação ficou em torno da negociação de um lote de centrais de geração de energia renovável de pequeno porte, que, juntas, poderiam render cerca R$ 1 bilhão à companhia.
Também teria sido colocada à venda uma grande usina de açúcar e etanol localizada em Leme, no interior de São Paulo, que passou ao controle do grupo desde a aquisição, em 2021, dos negócios da Biosev, por R$ 3,6 bilhões.
Divulgadas pelo jornal Valor Econômico, as informações esquentaram as discussões em torno da mudança de ventos no maior conglomerado bioenergético do País, um gigante que teve receitas superiores a R$ 220 bilhões no ano safra 2023/2024.
Dias antes, outros rumores apontavam que a Raízen estuda também a venda de sua participação na rede de lojas de conveniência OXXO, que mantém em sociedade com o grupo mexicano Fomento Economico Mexicano SAB, e de participações em unidades de produção de etanol de segunda geração (E2G), um ambicioso projeto com o objetivo de, até o final da década, colocar a companhia como protagonista no mercado global de biocombustíveis.
A Raízen não comenta essas informações e, desde que Gomes assumiu, seus principais executivos passaram a adotar uma posição de silêncio diante de qualquer tema, sobretudo a estratégia adotada pelo novo CEO e as mudanças que ele vem promovendo.
Ao longo dos últimos dias, a reportagem do AgFeed procurou contato com alguns deles, sem sucesso. Mas conversou com pessoas que conhecem de perto os bastidores da empresa, acionistas e analistas que acompanham seus movimentos.
A visão compartilhada entre eles é a de que mudanças na gestão eram mesmo necessárias diante de um quadro que desagradava e preocupava sócios e investidores. Segundo eles, a Raízen, nos últimos meses, era um grupo que, apesar de seu gigantismo e da sua ambição, praticamente não gerava caixa e seu ritmo forte de investimentos, em um cenário de juros altos, podia comprometer a alavancagem.
Ao AgFeed, um dos acionistas confirmou a intenção da nova gestão de vender ativos não alinhados diretamente com as principais linhas de negócios da companhia na produção e comercialização de biocombustíveis e bioenergia.
Maior processadora de cana e produtora mundial de açúcar, etanol e segunda maior distribuidora de combustíveis no Brasil, a Raízen controla 35 polos de bioenergia, que processaram mais de 84 milhões de toneladas de cana na safra passada.
Verticalizada, possui 7,3 mil postos de combustíveis, que atendem 50 milhões de consumidores por ano. Seu controle é dividido pelo grupo energético europeu Shell e pela Cosan, grupo empresarial comandado pelo bilionário Rubens Ometto.
Os dois sócios mantém 44% de participação, cada. Os demais 12% das ações são negociados na B3.
Foi Ometto quem definiu, em outubro passado, a mudança no comando da companhia. Em uma grande ciranda entre os principais executivos de seu grupo, ele definiu a substituição do então CEO, Ricardo Mussa – que havia liderado o IPO da raízen, en 2022, e estava no posto há quase cinco anos – por Nelson Gomes, que ocupava o posto de CEO da própria Cosan.
Visto como mais operacional, Gomes foi escolhido para responder a críticas dos próprios acionistas, inclusive da Shell, à gestão da companhia. “Havia muito cacique, muita burocracia, e isso tornava a operação pouco eficiente”, declarou ao AgFeed uma fonte que conhece Ometto de perto.
Essa ineficiência, segundo a fonte, se refletia nas decisões do dia a dia dos próprios polos de produção, que precisavam vencer vários níveis de aprovação para serem efetivadas.
Por isso, Gomes teria recebido instruções de iniciar um amplo processo de reestruturação interna, tendo ao seu lado um um novo CFO e diretor de relações com investidores, Rafael Bergman.
Diante desse quadro, a expectativa é a de que, além da venda de ativos, seja feita uma revisão de todos os escalões gerenciais, com a eliminação de postos considerados desnecessários.
Os recursos obtidos com a venda de ativos como plantas fotovoltaicas, centrais hidrelétrica e de cogeração de energia, pertencentes ao braço Raízen Power, devem reforçar o caixa, ajudando também a reduzir a alavancagem, segundo analistas e acionistas da companhia ouvidos pelo AgFeed.
No último balanço trimestral divulgado pela companhia, a alavancagem estava na casa de 2,6 vezes, na relação entre dívida líquida e Ebitda ajustado. Olhado individualmente, o número não gera preocupação, sobretudo diante do nível de investimento do grupo.
A questão é que, em um ano, ela subiu o,7 vezes e até o momento, segundo reclamam os acionistas, os investimentos não resultaram em maior geração de caixa. Além disso, o endividamento aumentou em um momento em que os juros voltam a entrar numa linha ascendente no País.
Para Gabriel Barra, analista responsável por agronegócio, petróleo e gás no Citi Brasil, os juros no País, com a Selic em 11,25% e perspectiva de alta na taxa básica de juros, seriam os principais responsáveis pelo freio de arrumação na Raízen.
Barra explica que o cenário setorial é muito positivo para a companhia, com açúcar e etanol “indo muito bem”, mas o investimento acelerado recente esbarra no preço pago pelo capital.
“Com isso, imaginamos um uma alocação de capital mais conservadora, com um Capex menor, que deve sair de R$ 14 bilhões, R$ 15 bilhões, para R$ 10 bilhões anuais”, disse.
Para Barra, o processo de mudança na Raízen passa também por uma maior seletividade nos investimentos, com visão mais conservadora nos aportes de recursos e, posteriormente, redução na alavancagem.
A análise coincide com o que o AgFeed ouviu em um evento sobre etanol em Campinas (SP), nesta quarta-feira. Em uma apresentação aos presentes, um executivo da Raízen reclamou justamente dos juros altos no Brasil, ao comentar o cronograma de implantação das usinas de E2G.
São nove unidades anunciadas até a safra 2027/2028, cada uma a um custo de R$ 1,3 bilhão. Um programa que já sofre com atrasos, mas que tem, segundo a empresa, um Capex garantido pela venda do biocombustível atrelada a contratos de dez anos para o mercado europeu.
O projeto E2G da Raízen inclui mais 11 usinas e prevê chegar a 20 unidades para produção de E2G até 2030. Cumprir essa meta parece ser cada vez mais difícil, diante de atrasos na construção da primeira etapa e do cenário macroeconômico.
“É possível que a companhia use os recursos com as vendas desses ativos da Raízen Power para investir nas plantas de E2G, mas seria um valor correspondente a menos de uma unidade produtora”, disse um analista norte-americano que há décadas acompanha o mercado brasileiro.
“Pelo nosso modelo, não serão 20 usinas (2G), mas um número bem menor. O cenário do IPO da companhia, em 2021, mudou e os juros e as perspectivas são bem diferentes atualmente”, completou Barra, do Citi Brasil.
Em resumo, racionalização e freio nos investimentos e seletividade nos aportes em um cenário de juros altos, revisão no portfólio para excluir ativos fora do foco da companhia e uma solução para a alavancagem que não é linear e está sujeita a picos de safra e entressafra. Tudo isso entra no caderno das tarefas da Raízen no curto prazo.
Para o mercado, as possíveis mudanças e a venda de ativos foram bem recebidos. Na quarta-feira, os papeis da companhia tiveram leve alta, depois de alguns dias de desvalorização. O Citi, por exemplo, indicou posição de compra para os papeis da Raízen e avalio, em relatório distribuído a clientes, a possível venda de ativos como uma boa notícia.
“O potencial negócio veio em linha com a nossa estimativa da estratégia de reciclagem do portfólio, especialmente após a mudança de gestão. para colocar a empresa novamente no caminho da desalavancagem”, diz o texto.
Com reportagem de Gustavo Porto.