Nas últimas duas semanas, uma série de eventos marcou as comemorações dos 25 anos da Sementes Goiás. O nome indica a procedência – a empresa foi criada em Rio Verde, capital do agronegócio goiano –, mas não o destino. Adquirida em 2020 pela canadense Nutrien, hoje é uma marca nacional, comercializada em dez estados e uma das maiores produtoras de sementes de soja do País.
Passada a festa, entretanto, a realidade aguarda os executivos da empresa. O momento é de forte movimentação no setor, já que se trata do período do ano em que os produtores fazem as compras para o plantio da próxima safra, em alguns meses. E 2024 tem se mostrado um ano um pouco diferente dos anteriores.
“Por mais que o segmento de sementes de soja ainda seja reconhecido como o que sofreu menos com a crise do agro, ele está sofrendo”, afirma o diretor comercial da empresa, Túlio Santos, ao AgFeed.
“No final do dia, depois de uma consequência de crises, principalmente financeiras, a gente está saindo de um ano muito difícil. E o agricultor, onde conseguia apertar, apertou”.
Primeiro foram os fertilizantes (“ele não consegue mais negociar”), depois os defensivos (“também já entende que chegou no limite”). Agora, diz Santos, a negociação por preços mais baixos bateu à sua porta. “Está uma pressão muito forte com o segmento de sementes de soja”, afirma.
O cenário, diferente do vivido nos anos anteriores, em que os ganhos dos produtores permitiam às sementeiras também manterem margens bastante atraentes, traz, segundo o executivo, um desafio adicional de “conciliar volume de produção com comercialização na ponta”.
Santos afirma que a empresa está superando também essa dificuldade. As vendas, apesar de seguirem o novo ritmo do produtor e estarem ligeiramente atrasadas, permitem uma previsão ainda otimista.
“Caminhamos para ter um ano com crescimento. Comparado com o ano passado, um crescimento importante”, diz.
Esse crescimento se dá em volume. Em receita, a estimativa da empresa é, como diz Santos, andar de lado, mantendo-se no patamar entre R$ 650 milhões e R$ 700 milhões no ano. “A gente está crescendo em torno de 15% em volume”, diz .
Isso compensa, em grande parte, uma redução em torno de 15% a 18% nos preços das sementes, reflexo da pressão dos produtores, mas também do aumento da concorrência. Túlio Santos registra que o mercado positivo dos últimos anos fez com que houvesse um salto na quantidade de novas sementeiras, um movimento que ele vê como cíclico.
“Elas surgem também porque sempre foi um mercado visto como um mercado de boas margens. Então, acaba seduzindo muita gente, que tem a sensação que pode ser fácil produzir semente de soja”, afirma.
Da mesma forma, avalia, a mortalidade dessas novas concorrentes acaba sendo alta, diante do alto nível de exigência do agricultor brasileiro por qualidade.
“É difícil competir com empresas sólidas, com empresas que já estão estabilizadas. Principalmente em anos difíceis de crédito, que é o que a gente está vivendo”, completa.
Mercado aberto
Na Sementes Goiás, a percepção para a safra 2024/2025 é de um mercado em aberto, principalmente na região sudeste do país. No Cerrado, as compras estão um pouco mais adiantadas, com cerca de 15% restando para ser completado.
É menos que no ano passado nessa mesma época, em que as vendas estavam mais aceleradas. Segundo Silva, a empresa tem cerca de 80% do volume já comprometido.
O preço da soja, evidentemente, se reflete na cotação das sementes. Se a commodity saiu de R$ 150 em 2023 para R$ 120 agora, é normal que o agricultor busque uma redução semelhante na aquisição dos insumos.
A questão é que as sementes vendidas hoje foram produzidas na safra passada, portanto carregam custos mais elevados. E, assim, as margens das sementeiras despencam.
A estratégia da Sementes Goiás, nesse momento, tem sido expandir mercados para manter a consolidação dos resultados. Nos últimos anos empresa avança na cola das aquisições da rede de revendas da sua controladora, a Nutrien – apenas 5% dos negócios da empresa são feitos através do acesso direto a produtores.
Assim, até 2022 a sementeira atuava apenas em Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais. Quando a Nutrien adquiriu a rede Casa do Adubo, os mapas de vendas se abrirarm para outros oito estados. Desses, a companhia ocupou cinco – as exceções são Acre, Espírito Santo e Rio de Janeiro, onde a produção de soja não tem relevância.
O aumento das vendas implica em uma oferta maior de sementes. Para este ano, a Sementes Goiás deve produzir 1,6 milhão de sacas, cerca de 15% acima do ano passado. Segundo Túlio Santos, esse aumento foi obtido de forma orgânica, dentro das áreas próprias e dos campos de produção com os cooperados.
Além disso, a companhia ampliou parcerias para a produção de variedades no Sul do País. “Temos alguns parceiros no Rio Grande do Sul e no Paraná que nos ajudam a completar o nosso portfólio”, diz.
A empresa, por enquanto, não prevê a diversificação de culturas, embora, “no papel”, já exista um plano para iniciar uma operação também com sementes de milho.
“Estamos em um processo de realmente focar na estratégia de semente de soja, tem muito para fazer ainda. E a gente entendeu que trabalhar com semente de milho poderia ser uma distração”, afirma o executivo.
A empresa tem uma meta de fechar 2025 com uma produção de 2 milhões de sacas. Túlio Santos ressalta que, para chegar lá, há muito trabalho a ser feito, sobretudo de consolidação nos mercados em que a companhia passou a atuar mais recentemente.
Ele admite que a empresa ainda vive “um processo de amadurecimento da nossa operação como um todo na Nutrien”. E diz que o período é de otimização do parque industrial, permitindo ganhos de eficiência, que permitam “produzir semente com baixo custo, mais adequado para o mercado”.
“A nossa ambição é nos tornarmos ainda mais competitivos e atraentes do ponto de vista comercial para os nossos clientes. Então, sim, 2 milhões de sacas é um número a ser atingido. Mas eu colocaria em segundo plano. O primeiro plano é a gente realmente se estabelecer nos estados onde a gente já está com uma rentabilidade adequada, buscando a sustentabilidade do nosso negócio”.
Outra ambição é ampliar a participação das sementes tratadas industrialmente (TSI), com maior valor agregado, dentro do mix de vendas da empresa. Atualmente, elas representam 75% do volume comercializado, um índice acima da média do mercado. Santos acredita que é possível superar os 90%, eventualmente a totalidade das vendas da companhia no futuro.
Atualmente, o portfólio da Sementes Goiás inclui cerca de 50 diferentes variedades de soja, a maioria processada em suas duas plantas industriais em Rio Verde, com capacidade para produzir 1,3 milhão de sacas – o restante vem dos parceiros. Segundo Túlio Santos, nos últimos anos foram feitos investimentos em equipamentos de alta tecnologia para essas unidades e, agora, o objetivo é extrair mais delas.
“A gente tem capacidade de produzir mais dentro da nossa indústria. Quando falo em otimização, que no final do dia é uma redução de custo, é como eu uso mais o recurso onde a gente já investiu. Nós temos, tranquilamente, uma capacidade estática, considerando as duas plantas, de chegar até 2,2 milhões de sacas, sem necessidade de nenhum tipo de investimento mais”.
Expansão, só mais tarde
Isso significa que, para os próximos dois anos, a capacidade está contratada. Depois disso, entretanto, uma nova fase de expansão significaria olhar para fora, sobretudo para pontos mais distantes da sede em Rio Verde.
Os olhos de Santos e da companhia, é claro, estão no Mato Grosso, maior estado produtor de soja. “De dois a três anos para frente, a gente pretende já pensar em algo nesse sentido”, afirma. “Por enquanto, está muito claro dentro da organização que para 2025, 2026, realmente esse trabalho de Estressar ao máximo a nossa capacidade produtiva para, a partir de 2027, 2028, a gente já pensar em adentrar em outros estados”.
A Sementes Goiás acompanha com atenção os movimentos de consolidação do mercado de sementes, liderado por concorrentes como a Boa Safra ou fundos como o Patria Investimentos, que adquiriu recentemente a Sementes São Francisco, também sediada em Rio Verde.
A decisão de momento do grupo é manter-se distante de novas aquisições, depois de a Nutrien ter sido bastante ativa em M&As nos últimos anos. “A gente não descarta essa possibilidade nos próximos anos, depois de passar esse processo de maturação, de otimização das nossas estruturas”, afirma
Santos considera a agitação no setor como “natural”, sobretudo, como acontece no caso da Nutrien e do Patria, controlador da rede de varejo Lavoro.
“Há cinco anos estamos vivendo um processo de consolidação entre indústria e entre canais de varejo. E uma coisa é fato: no mercado de varejo, sem uma estrutura de semente de soja, fica muito difícil se tornar competitivo”, avalia.
Para eles, mesmo com margens menores, as sementes ainda trazem uma contribuição maior para os distribuidores do que os mercados de defensivos e fertilizantes. Então, esse movimento vai continuar acontecendo”, diz.
Segundo um levantamento da Blink Inteligência Aplicada, divulgado em primeira mão pelo AgFeed em maio passado, existem atualmente 369 sementeiras ativas no País. O estudo indica que o atual processo de concentração pode fazer esse npumero cair para 100, com o surgimento de grupos de maior porte como resultado de fusões e aquisições. A Semente Goiás deve estar entre eles.