Prestes a completar um ano no cargo de presidente da Nutrien Soluções Agrícolas na América Latina, uma das gigantes globais de insumos agrícolas, o engenheiro agrônomo Carlos Brito se diz “motivado com o projeto” e não se assusta com o período “desafiador” que o segmento vem enfrentando desde o ano passado.

Não é à toa: Carlos Brito ocupou importantes cargos executivos na Monsanto e Bayer por 24 anos e já tem 5 anos de Nutrien, tempo suficiente para ter passado por algumas safras desafiadoras.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, Brito admitiu que 2023 foi um período para aprimorar a operação e ganhar maturidade, mas mencionou mais de uma dezena de vezes a palavra “crescimento” ao falar da estratégia da companhia para o Brasil.

“A Nutrien vem de uma agenda de crescimento muito acelerada nos últimos três anos e meio, com oito aquisições. Isso trouxe para nós uma reflexão sobre qual a melhor forma de atuar no Brasil. E, de fato, tem uma ambição ainda presente sobre o crescimento da empresa nos próximos anos”, afirmou o executivo.

Os números mostram que realmente o ritmo de “crescimento” da empresa no Brasil é impactante. Quando chegou ao País, em 2019, faturava cerca de R$ 300 milhões. Logo em seguida, em 2022, a receita da Nutrien já alcançava R$ 8 bilhões, conforme informaram executivos na época.

A explicação para um avanço tão intenso está principalmente nas aquisições feitas entre 2019 e 2022. Foram compradas 10 empresas, a maioria redes de revendas de insumos agropecuários com destaque em determinadas regiões, como a Casa do Adubo e a Safra Rica.

No leque de aquisições também estavam negócios nas áreas de fertilizantes, sementes e biológicos.

Atualmente, a multinacional canadense não divulga dados de faturamento específicos por país. Globalmente, a receita da empresa chegou a US$ 29 bilhões em 2023, valor que envolve não apenas as operações de varejo, mas também a forte presença em distribuição e produção de itens como potássio, fosfatados e nitrogênio. O resultado ficou abaixo da expectativa e também inferior ao recorde registrado em 2022, quando havia chegado a US$ 37,8 bilhões.

O AgFeed perguntou a Carlos Brito se a companhia também se deparou com queda nos resultados em 2023 por aqui, cenário que foi comum entre as empresas de insumos que atuam no mercado brasileiro.

“Diminuir não faz parte da nossa história, a Nutrien só vem crescendo como companhia, mas 2023 foi desafiador sob o ponto de vista de preços”, respondeu.

A descrição feita por Brito pode ser entendida no balanço global divulgado pela empresa em fevereiro deste ano, que menciona aumento no volume de vendas, porém com queda na receita influenciada por preços de fertilizantes e margens no varejo mais baixas.

Na Nutrien Ag Solutions, que engloba as operações de varejo, o ebitda ajustado caiu de US$ 2,3 bilhões para US$ 1,5 bilhão em 2023. O relatório global indica que a região “América do Sul” havia contribuído positivamente em 4% para este resultado em 2022, mas que no ano passado puxou para baixo os números, com uma participação negativa de 8%.

Apesar deste cenário, Brito se diz otimista para 2024, com expectativa de recuperação, mas ainda diante de um quadro complexo.

“Temos que ter cuidado para não generalizar, já que existe o impacto do preço e com a quebra de safra (dos grãos). É difícil, mas participamos de outros mercados e, nas outras culturas, o que vai fazer a diferença é a proximidade. Estamos capacitando muito time de campo para estar mais preparado e se posicionar”, afirmou.

O executivo reforçou que “a agenda de crescimento da Nutrien permanece, com muita parcimônia, ética e integridade". E completou: “Mas estou otimista de que temos bastante oportunidade (para retomar mercado) ganhando a confiança do cliente e solidificando relacionamentos. Nosso compromisso com o Brasil é de longo prazo”.

Globalmente, a Nutrien prevê atingir um ebitda de pelo menos US$ 1,65 bilhão em 2024, o que representaria um crescimento de 10% em relação ao ano passado.

Amadurecimento

Depois de um período tão intenso de aquisições no Brasil, Carlos Brito deixou claro, ao longo da entrevista, que 2023 foi o momento de “aprimorar a operação e o modelo de negócio, um momento importante de ganho de maturidade para ganhar excelência operacional. Aceleramos a integração das empresas e fizemos investimentos significativos em sistemas, por exemplo, na plataforma digital”.

“A aquisição da Casa do Adubo, por exemplo, nos trouxe uma relevância muito grande. É uma empresa de 85 anos, com uma história relevante no agro. Saímos de 10 mil clientes para mais de 80 mil clientes ativos”, explicou.

Neste cenário, houve um incremento na abrangência geográfica e também nas culturas atendidas pela Nutrien, indo além de soja, milho, algodão, e de alguma participação que já havia em hortifruti e cana.

“Passamos de cinco estados para treze e isso nos trouxe acesso a novos segmentos. Já estamos muito relevantes em café, em citros, reflorestamento, pecuária, e o próprio varejo do dia a dia, com a Casa do Adubo”, disse Brito.

“Hoje é uma empresa mais madura, comparada há 2 anos. Trabalhamos ganho de efetividade comercial, discutindo muito forma de operar, para ficar uma empresa mais ágil. Focamos bastante também no ganho de eficiência logística, trabalhando pra maximizar nossos inventários”.

“Produtos proprietários” estão no foco

Recentemente, o presidente da Nutrien na América Latina reuniu seus principais executivos e lideranças da empresa num encontro em Campinas para reforçar os compromissos estratégicos do grupo.

“Queremos oferecer no varejo um posicionamento de inovação, um olhar sobre oportunidades de prover melhor serviço para os agricultores, desenvolver novas soluções, esse modelo que permanece, revisitamos ele na nossa reunião”, contou ao AgFeed.

Por outro lado, Brito revelou que agora a empresa está trazendo também novos segmentos que “lá no começo da estratégia não estavam pensando”.

Uma das apostas é acessar grandes, médios e pequenos produtores, onde quer que eles estejam, nestes 13 estados de abrangência, disse ele.

“Vamos acessar o mercado por redistribuição, é um compromisso. Nós temos a Agrichem, que é uma empresa baseada em inovação e que trabalha muito a questão da nutrição de plantas e que nos traz uma expertise importante para levar ao nosso varejo”, detalhou Brito.

A prioridade aqui é o que o executivo chama de “produtos proprietários”, o que inclui fertilizantes especiais, sementes de soja e até biológicos. A Agrichem do Brasil foi 100% adquirida pela Nutrien no início de 2019 e pode ser uma das armas da empresa para ampliar presença nesta linha de produtos.

“Queremos ter a primeira e a segunda melhor solução para todas as necessidades do agricultor, seja em relação à praga, planta daninha. Vamos lá entender e vamos buscar as soluções”, explica.

O que não for possível desenvolver internamente, a multinacional deve buscar via parcerias estratégicas.

Brito lembrou que, globalmente, a Nutrien fez aquisições na área de nutricionais. “Existem tanto parcerias quanto aquisições feitas dentro dessa linha de proprietários e nutricionais, estamos olhando bastante pra isso, o que vai se adequar ao mercado local”.

O executivo também promete fortalecer a relevância da “Sementes Goiás”, uma das marcas do grupo, além da “Loveland”, a linha de biológicos da empresa.

Este aspecto mencionado por ele está relacionado a algo bastante destacado na mensagem do CEO global, Ken Seitz, na divulgação do balanço. Na carta, o CEO disse que “os produtos proprietários melhoram a produtividade para o agricultor, o desempenho ambiental, além de dar melhor margem para a Nutrien”.

Enquadram-se aí produtos para nutrição de plantas e a linha de bioestimulantes. Segundo o relatório, estes itens contribuíram com US$ 1 bilhão na margem bruta em 2023 e vem crescendo 15% anualmente, nos últimos cinco anos.

O documento global menciona uma previsão de investir US$ 500 milhões no pilar de soluções agrícolas em 2024 “sendo a metade destinada ao crescimento orgânico nas principais geografias, com expansão do portfolio de produtos proprietários”.

Em relação aos fertilizantes tradicionais, Brito cogita uma expansão geográfica, já que as misturadoras da empresa hoje atendem de forma mais concentrada a região Sudeste. “Precisamos de parcerias estratégicas para atender as necessidades regionais do agricultor”.

A empresa não revela quais produtos têm maior peso no seu faturamento, mas diz que “acompanha o custo de produção do agricultor”, o que daria um percentual maior para os fertilizantes.

Em relação aos biológicos, o CEO da Nutrien disse “que é uma plataforma importante neste momento”.

“Nossa visão de biológicos é uma visão de crescimento, tem produto de linha própria, tem parcerias estratégicas, com empresas que investem em inovação para construir uma plataforma robusta de crescimento também”.

Próximos passos

É possível que 2024 seja mais um ano de pausa nas aquisições da Nutrien, pelo tom das mensagens de seus executivos.

“As aquisições foram primordiais para construir o que estamos construindo hoje. Estamos entre as três maiores plataformas de varejo do agro”, disse Carlos Brito.

Ele destaca, no entanto, que agora “é ganhar conhecimento e excelência operacional para alavancar o crescimento nos próximos anos”. Para isso, lembra que a empresa conta com o “footprint” ou a variedade de ativos que já possui como a presença em 130 localidades, seis misturadoras de adubo, fábrica de sementes, defensivos e 900 profissionais em campo. “É muito significativa a presença e relevância”.

Um dos trechos em que se fala do Brasil no balanço global da Nutrien diz que “as perspectivas para a agricultura brasileira continuam positivas” e que, no curto prazo, haverá “foco na integração das aquisições recentes e na otimização da estrutura de custos”.

Mas isso não significa, como reforçou Brito, que não haverá crescimento. Ele deve ocorrer principalmente pela expansão da produção e portfolio.

“Quando se fala da Nutrien é uma conversa de longo prazo, ainda tem muita oportunidade de desenvolver soluções inovadoras”.

Em relação a market share, Brito também avalia que tem oportunidade significativa no Brasil, “não do ponto de vista de aquisição, mas de ganho de participação, já que é um mercado bastante pulverizado”.

“Não quero fechar as portas da aquisição, mas já tem bastante elemento de estrutura física, presença geográfica, portfolio e pessoas, bem expressivo, para fazer um crescimento significativo”, acrescentou.

“Super Barter” será ampliado

Dentro das soluções – e serviços – com propósito da inovação, Carlos Brito destacou o chamado “Super Barter”, lançado recentemente pela empresa.

O tradicional barter é bastante utilizado no mercado brasileiro de grãos e consiste nas operações de troca, em que o agricultor adquire insumos e paga com a entrega das commodities. O modelo pressupõe uma “trava de preços” em que se estabelece, previamente, antes da colheita, quanto vale aquele insumo em relação aos grãos.

Mas na ferramenta proposta pela Nutrien é possível obter uma espécie de opção de venda para que, se na hora de pagar a conta o preço da soja estiver mais alto que no período em o insumo for comprado, o agricultor tenha a possibilidade de se beneficiar disso.

Analistas de mercado costumam recomendar que o produtor “trave” uma parte de sua produção para garantir uma margem razoável e se proteger contra quedas futuras nos preços. Porém, muitos resistem em aderir ao modelo justamente pelo risco de o preço subir e ele “perder a chance de ganhar” o valor mais alto.

Com o novo modelo, a Nutrien espera chegar a 40% do faturamento no Brasil via barter. No ano passado esta participação foi de 25%.

Na conversa com o AgFeed, o presidente da empresa revelou que o “super barter” já está sendo oferecido aos produtores de café e não apenas aos que produzem grãos.

“A história bacana desta ferramenta é a combinação de fazer algo novo, que dá a possibilidade de ele participar da alta e podermos usar a nossa presença. O barter é muito comum no grão, mas nós já somos presentes em café, por exemplo, e os agricultores já querem saber como levar para outras culturas”, contou.

Brito disse que, depois do café, o super barter também será oferecido aos clientes da cana-de-açúcar, mas ainda sem uma data definida. “Até interesse de produtor de trigo nós já vimos”.

Segundo ele, a intenção é ir testando e ampliando a abrangência, “faz parte da nossa cultura, quando buscamos algo inovador, claro que algumas inovações amadurecem mais rápido do que outras”.

Veja outros destaques da entrevista do AgFeed com Carlos Brito, da Nutrien.

“Crise do agro”

“Acredito que todo mundo sofreu, todos os elos da cadeia, talvez em momentos diferentes, mas todo mundo levou seu pedaço. Isso é notório no mercado. Existe preocupação com as recuperações judiciais, porque foram anos muito importantes de construção de crédito, o investidor olhando o agro como um segmento estável, relevante e de bons retornos”.

“Essa preocupação existe, mas na minha visão ela é passageira. Lembramos (de outra crise) em 2004/2005, teve uma menor em 2008. O agro é muito estruturado do ponto de vista de oportunidades para crescimento. É cíclico e momentâneo. Em breve vamos estar vivendo uma agenda bastante positiva”.

Digitalização

“Nosso trabalho de digitalização começa em entender as dores dos agricultores e desenvolver soluções. Trabalhamos bastante na plataforma digital para que ela facilite e forneça informação aos nossos consultores”.

“Seguimos testando modelo novos. Temos o Nutrien Recomenda, é uma ferramenta que começou por fertilidade, tira a amostra de solo, manda para laboratório, os dados carregam na plataforma digital e, a partir daí. se consegue dar a recomendação para o agricultor”.

“Ter um marketplace não é nossa visão. A nossa plataforma digital foi desenvolvida pela própria Nutrien e lá tem várias soluções. O objetivo é capacitar o consultor. Num lugar só ele ter as soluções e ferramentas para levar ao cliente. Isso passa também por serviços. O barter está na plataforma digital.”

Missão como líder

“O desenvolvimento de pessoas é uma das prioridades. Somos uma empresa jovem com muita oportunidade de aprendizado. Quero todos estejam buscando o caminho de desenvolvimento necessário para cada um, para suportar o crescimento que temos”.

“Minha visão para o futuro é como fazer com que o reconhecimento venha também de fora para dentro, que os nossos clientes falem da gente, nos admirem, temos um time que vem evoluindo como organização”.