Parece conversa de vendedor... E realmente é. Para ganhar força na relação com seus clientes na América Latina, a gigante alemã Bayer tem testado (e até agora aprovado) um modelo de negócios que propõe dividir com o agricultor uma parte do risco de suas lavouras.

A oferta, testada na safra 2022/23 por um grupo de cerca de 400 produtores de milho no Brasil, garante o ressarcimento aos agricultores dos valores investidos a mais para seguir as recomendações da plataforma de agricultura digital da companhia caso elas não alcancem os resultados prometidos.

Limitada inicialmente ao negócio de sementes de milho, a experiência, segundo a Bayer, foi bem-sucedida. Tanto que a empresa já estuda ampliar a utilização do modelo para novos mercados, como o uso de nitrogênio no milho e o controle de nematoides na cultura da soja.

Lançado em maio de 2022, de forma pré-comercial, o programa Valora surgiu de uma demanda dos clientes que já estão adotando a agricultura digital, acompanhando mapas e diagnósticos, mas que demonstraram a necessidade de um apoio mais efetivo na prescrição do que fazer, indo além dos relatórios com a geração de dados.

"Identificamos que havia um gap de produtividade de 37% no milho em relação ao que vinha sendo alcançado nas lavouras brasileiras na comparação com seu potencial produtivo", explica Marlon Denez, responsável por novos modelos de negócios digitais da Bayer para o milho na América Latina.

"Os próprios clientes, pediram para que a empresa apresentasse uma prescrição sobre isso"

O foco inicial do programa foi no que se chama de "população" de sementes no milho. Ao invés de distribuir as sementes de forma homogênea, a Bayer sugeriu que os produtores separassem áreas específicas, às vezes dentro de um mesmo talhão, para aumentar a densidade de plantas e, assim, colher mais.

Ou seja, onde antes se plantava 4 plantas por metro, por exemplo, o modelo sugeriu que podiam ser plantadas 5 ou 6, sem prejuízo à produtividade.

"Onde tem mais comida, mais gente pode comer”, explica Denez. Segundo ele, com os dados coletados pela plataforma digital da Bayer, a Climate Fieldview, é possível fazer cruzamentos entre a presença de nutrientes no solo e as características de cada híbrido cultivado, permitindo assim recomendações customizadas para cada área.

Dessa forma, diz, foi possível utilizar mais sementes sem a necessidade de aumentar o uso de outros insumos.

O passo seguinte foi dar uma garantia ao perfil tradicionalmente desconfiado do produtor, que temia investir mais em sementes sem ter um resultado satisfatório.

"Ao final do ciclo os resultados são mensurados e se o ganho financeiro não for superior ao investimento adicional que foi feito, o produtor recebe um cupom financeiro, já integrado ao ecossistema digital, que pode ser usado no marketplace Orbia, para que o valor seja resgatado em sementes ou em outros produtos da Bayer", disse ao AgFeed Thiago Bortoli, líder de novos modelos de negócio e ventures da divisão agrícola da Bayer para a América Latina.

O executivo explica que a digitalização da agricultura foi a responsável pela tendência mundial chamada de “outcome-based pricing model", que não vem sendo seguida só pela Bayer.

“Com dados, podemos garantir resultados, podemos realmente medir a produtividade", afirma. Além disso, Bortoli destaca que a agricultura tem muito risco, por isso essa opção tem uma pegada forte para o produtor brasileiro.

O lançamento comercial do Valora será feito somente em 2024, mas enquanto isso qualquer cliente pode procurar a empresa e solicitar a inscrição.

Os responsáveis pelo projeto admitem que, entre os clientes que já vem testando o modelo desde 2019, já houve casos de metas não atingidas e com o "direito de devolução” exercido.

"Mas na prática o que ocorreu foi um interesse ainda maior desse cliente, já que fizemos um estudo detalhado para cada produtor, identificando os motivos de a meta não ter sido atingida", destaca Marlon Denez.

Ele conta que um grande grupo do setor do milho, após não atingir a meta e receber o estudo detalhado, aumentou de 200 hectares para mais de 10 mil hectares a área inscrita no programa.

Em média, segundo Denez, as áreas inscritas no Valora vêm apresentando ganhos entre 5% e 10% na produtividade média do milho.

Ampliação do modelo

O ritmo de adoção das ferramentas digitais vem entusiasmando os executivos da Bayer, que já começam a testar o modelo de forma mais ampla.

Dos 89 milhões de hectares mapeados pela Fieldview mundialmente, 25 milhões de hectares estão no Brasil.

"O Brasil é o país que mais cresce em adoção do Fieldview no mundo e a América Latina é a região que mais gera prescrições com a ferramenta", afirma Bortoli.

Neste cenário, a Bayer acaba de adicionar mais uma funcionalidade ao Valora para o produtor brasileiro de milho, que até então vinha sendo testada somente na Argentina: a otimização do uso do nitrogênio.

"Agora o produtor que aderir ao programa pode optar por também mensurar e receber prescrições sobre o uso do nitrogênio e não somente sobre a população de plantas”, explicou Denez.

Neste caso não há uma meta financeira relacionada ao nutriente, como no caso específico da compra adicional de sementes, quando há mudança na população de plantas.

“É apenas mais uma variável, otimizar o nitrogênio pode ajudar a atingir o ROE que foi proposto, o importante não é só o ganho de produtividade, mas sim garantir a rentabilidade", explicam os executivos.

A experiência com a prescrição de nitrogênio começou na Argentina devido ao maior uso de máquinas com taxa variável no país vizinho.

Agora, o racional que já foi feito por lá, os algoritmos e a inteligência, estão sendo adaptados à realidade brasileira, especialmente ao milho segunda safra.

O próximo avanço no modelo de compartilhamento de risco deve ocorrer na cultura da soja. A Bayer já começou a testar com mais de 50 produtores brasileiros um modelo semelhante ao Valora no manejo de nematoides.

"As ferramentas identificam onde tem presença de nematoides na soja, com danos econômicos para a cultura e, utilizando diferentes dados e imagens de satélites, é possível fazer a recomendação”, explicou Bortoli.

A estratégia está relacionada ao nematicida “Verango” que, recentemente, recebeu autorização para ser aplicado sobre a cultura e não apenas nos sulcos.

Espera-se que haja um maior número de pulverizadores conectados ao sistema Fieldview, o que amplia a possibilidade de uso da ferramenta.

Com a recomendação, o produto pode ser aplicado somente onde realmente existe o dano econômico pelo nematoide e não na área inteira.

Embora não garantam que a soja vai integrar o Valora, nem quando isso vai acontecer, os executivos admitem que esta é a visão da empresa e uma tendência forte, de que a partir do trabalho que está sendo feito novos produtos digitais sejam lançados com propostas semelhantes.