O grupo AgroGalaxy cumpriu nesta segunda-feira, 2 de dezembro, a primeira etapa do cronograma do seu processo de recuperação judicial.
Pouco antes das 22h, nos minutos finais do vencimento do prazo estabelecido pela Justiça de Goiás, a companhia protocolou junto à 19 Vara Cível e Ambiental de Goiânia a sua primeira proposta para o plano de pagamento aos cerca de 2,5 mil credores atingidos pelo pedido de proteção judicial, deferido em 1 de outubro passado.
Em síntese, o documento protocolado detalha prazos e condições em que cada uma das classes de credores receberá os valores devidos pela rede de varejo de insumos agrícolas – que somam mais de R$ 4,1 bilhões.
A proposta do AgroGalaxy, entretanto, estabelece “subcategorias” dentro dessas classes que terão condições mais favoráveis , seja em prazos, seja na aplicação de deságios nos pagamentos da empresa. Produtores rurais que possuíam grãos depositados em armazéns da empresa, por exemplo, estarão no início da fila, assim como fornecedores que mantiveram negócios com a companhia após 18 de setembro, data em que a empresa entrou com o pedido de RJ.
“Os três principais eixos da empresa ao elaborar o plano foram os colaboradores e depois os parceiros, como aquele fornecedor que, desde o dia seguinte à RJ, sentou com eles para falar de negócios, e por fim os produtores rurais”, disse ao AgFeed uma fonte que acompanhou de perto o processo.
Como em toda RJ, os créditos trabalhistas serão os primeiros a serem quitados. A proposta da empresa é pagar integralmente, sem descontos, todos os ex-funcionários com valores até 150 salários mínimos (o equivalente a R$ 211,8 mil). A primeira parcela, de R$ 6 mil, seria liberada em até 30 dias depois da aprovação do plano e o restante em até 12 meses. Os valores acima do limite estabelecido estariam, então sujeitos às mesmas condições oferecidas aos credores quirografários.
É nas demais categorias, entretanto, que a ordem de pagamento, no que depender do AgroGalaxy, favorecerá o que a empresa chama de “clientes e credores colaboradores”, como se refere aos produtores e fornecedores parceiros.
No primeiro caso, a empresa propõe saldar os compromissos sem deságio a todos os agricultores listados que tiveram seus grãos retidos nos armazéns da companhia. “Eles vão receber 100% do que é devido a eles”, afirmou a fonte.
“A única diferença é que aquele produtor que, independente do que está acontecendo, continua depositando grãos com o AgroGalaxy vai receber em uma janela de tempo menor”.
As condições estabelecidas, neste caso, seriam manter armazenada no silos do AgroGalaxy a mesma média de originação dos últimos dois anos e comprar, pelo menos, 20% do volume de insumos comprados ao longo das safras de verão 2023/2024 e de inverno.
Para os que concordarem, a empresa se compromete a depositar 25% do valor devido nos primeiros dois meses após a aprovação do plano. O restante, seria saldado em dois anos,.
Para os demais, que decidiram suspender as relações com a empresa, a promessa é de pagamento integral, mas em até cinco anos, com um período de carência de dois anos.
“O eixo do produtor rural é algo diferente do que aconteceu em outras recuperações judiciais”, apontou.
Assim, a empresa busca, além de equacionar o pagamento, administrar a crise de confiança decorrente da entrada em RJ, enviando uma mensagem ao segmento, para que volte a confiar em fazer negócios com ela.
Já entre os fornecedores, o AgroGalaxy também está oferecendo pagamento sem deságio, mas apenas para aqueles que mantiveram relações comerciais com a companhia nos últimos meses.
A proposta prevê, para eles, dois anos de carência e o pagamento integral ao longo dos oito anos seguintes, desde que, além de aprovar o Plano de Recuperação Judicial (PRJ), concordem em não litigar contra o AgroGalaxy e mantenham um nível de fornecimento que atenda as demandas da empresa durante todo o período da RJ, com vendas 100% a prazo.
Entre os credores financeiros, também há distinção entre “parceiros” – ou seja, que mantiveram abertas linhas de crédito – e aqueles que fecharam as portas à empresa.
Para valores proporcionais aos créditos concedidos, os “parceiros” receberão em até 11 anos, com dois de carência, sem deságio. Assim como os fornedores, eles precisam estar de acordo com o PRJ e concordarem em não moverem processos judiciais contra a companhia
Nos dois casos, credores quirografários que interromperam o relacionamento com a empresa estarão submetidos a condições de deságio e prazos maiores de pagamento. Esse desconto seria de 85%, aplicado na data de homologação do PRJ, e o restante pago em até 13 anos, depois de vencidos três anos de carência.
Aos credores financeiros com cessão fiduciária do fluxo de grãos, a oferta do AgroGalaxy é a conversão dos montantes sujeitos à RJ em debêntures. Nesse caso há duas opções sobre a mesa: uma con debêntures de duas séries, sendo 20% com vencimento em até 11 anos e 80% obrigatoriamente conversíveis am ações da empresa.
A segunda opção prevê a conversão de 100% do crédito, com amortização do principal em 13 anos, após três anos de carência.
"A proposta alia condições para retomarmos a rentabilidade, preservando nossa relação com os produtores e parceiros comerciais de longo prazo”, afirmou, em nota, o CEO do grupo, Eron Martins.
É justamente na área financeira que o Agrogalaxy tem enfrentado maiores reações dos credores desde o pedido de RJ. Credor de um total estimado em R$ 391,2 milhões, o Banco do Brasil, por exemplo, tem feito uma série de recursos junto à justiça goiana buscando fazer com seus créditos não sejam incluídos no processo.
Na semana passada, o BB conseguiu uma vitória parcial em uma dessa ações. O Tribunal de Justiça de Goiás autorizou o banco a reter recebíveis da AgroGalaxy dados como garantia em empréstimos. Outras instituições, como Sicoob e Santander, também têm buscado preservar parte de seus créditos, mas sem sucesso até agora.
O rito da aprovação
Com o plano de recuperação protocolado, começa a correr a próxima etapa, que é a apreciação dos credores e, posteriormente, a assembleia em que a proposta será votada.
Como o processo corre de forma pública, todos os credores passam a ter acesso ao documento assim que a juíza responsável pelo caso, Alessandra Gontijo do Amaral, publicar um edital informando-os do seu recebimento.
A partir de então, os credores têm 30 dias para apresentarem eventuais objeções ao plano. Essas objeções têm uma única finalidade, que é determinar a realização de uma assembleia de credores, em que o plano será votado.
A aprovação precisa ser feita pelas quatro diferentes classes de credores. Na classe 1, de créditos trabalhistas, e na classe 4, dos créditos detidos por pequenas e microempresas, a aprovação é feita com maioria simples do número de credores presentes na assembleia.
Já nas classes 2, de créditos com garantia real (ou seja, revestidos de penhor ou hipoteca) e 3, de créditos quirografários (que não possuem qualquer garantia no ecossistema das empresas em RJ), é exigida para aprovação a chamada dupla maioria. Assim, além da maioria numérica dos credores presentes, eles precisam representar mais de 50% dos créditos somados.
Por isso, já ao longo da elaboração do plano a direção do AgroGalaxy, com Martins, à frente, começou a conversar com credores em busca de costurar um plano com maiores possibilidades de ser apoiado por eles.
Fontes ligadas à empresa afirmam que Martins e seu time acreditam ter obtido boa aceitação, mas devem intensificar seus esforços em busca da aprovação nas próximas semanas.
“Não temos, realisticamente, a expectativa de que essas condições sejam, desde logo, aprovadas, mas a gente tinha um prazo a ser cumprido, previsto em lei. Cumprido esse prazo, as negociações prosseguem”, afirmou ao AgFeed um executivo que participa do processo.
“Seguimos em busca dos apoios necessários para que oportunamente esse plano possa ser colocado em votação em assembleia de credores”.
Uma dificuldade nessas conversas é convencer os credores que, mesmo conseguindo aprovar o plano, a empresa terá condições de executá-lo de forma rigorosa.
Com aqueles que têm aceitado conversar, Martins tem procurado demonstrar os impactos das medidas que foram tomadas imediatamente após o pedido de RJ, que reduziram pela metade o número de lojas e em 40% a força de trabalho da empresa em apenas dois meses.
O custo dessa reorganização para as contas do AgroGalaxy e a esperável queda brusca nas vendas só serão efetivamente conhecidas, ainda de forma parcial, no dia 18 de dezembro, data em que a companhia deve divulgar seu balanço referente ao terceiro trimestre.
O demonstrativo já deveria ter sido publicado há cerca de um mês, conforme as determinações legais, mas em virtude do pedido de RJ a empresa solicitou à CVM uma extensão do prazo.
O que os interlocutores de Martins têm ouvido é que a parte mais dramática do trabalho de redução e adequação da estrutura da companhia já foi concluída.
Agora, os executivos do AgroGalaxy têm feito análises da performance já dentro da nova realidade e fazendo ajustes pontuais a partir dos resultados obtidos.