Prédios semelhantes a grandes unidades habitacionais populares têm surgido quase do nada em regiões tradicionalmente agrícolas na China. Não se trata de empreendimentos urbanos avançando sobre áreas produtivas. São fazendas verticais para a criação de suínos em uma escala, digamos, chinesa.

O novo modelo produtivo de suinocultura no país asiático vem chamando a atenção do Ocidente. As instalações com até 26 andares abrigam muita tecnologia, como câmeras de alta definição, distribuição automática de ração e um centro de comando semelhante ao da Nasa.

Como tudo na China, os números são expressivos e estima-se que a capacidade produtiva de apenas dois prédios pode chegar a 1,2 milhão de suínos por ano.

No mega criatório vertical, cada andar atende a uma fase diferente da vida dos porcos, do nascimento ao abate, e funciona como uma granja independente. Cada edifício consome mais de 450 mil quilos de ração por dia, transportados em correias até o último andar e depois distribuída pelos andares por um sistema automatizado.

A fazenda vertical foi a solução rápida que a China encontrou para restabelecer o seu plantel de suínos, que foi dizimado depois do surto de Peste Suína Africana (PSA) em 2018. Antes, a carne suína, principal proteína da alimentação dos chineses, era produzida em pequenas propriedades com instalações precárias.

Um modelo de produção pulverizado que, praticamente, acabou depois da PSA, dando lugar a uma produção empresarial e de maior escala. Além da velocidade, a produção vertical também tem o objetivo de reduzir os riscos sanitários. Um aspecto visto com ceticismo por especialistas.

"À medida que aumenta a população de animais na produção em uma mesma área, maior é a pressão sanitária e, consequentemente, maior é o impacto na mortalidade e controle de qualquer infecção", alerta Alexandre Rosa, diretor da Agroceres PIC, empresa especializada em melhoramento genético de suínos.

O especialista diz que no Ocidente não existem modelos de produção com mais de 15 mil fêmeas em um só lugar. "Nestes prédios, estão alojando 80 mil fêmeas, quase um milhão de animais. Duvido da viabilidade técnica deste modelo”, afirma.

O presidente da Associação Catarinense de Criadores de Suínos, Losivanio Luiz de Lorenzi, concorda que o modelo traz riscos, mas diz que o crescimento das escalas de produção nas granjas suinícolas também é uma tendência no Brasil.

“O modelo vertical não serve para nós, mas aqui também existe uma pressão para se manter só os grandes produtores, aumentando assim os riscos sanitários”, afirmou. O modelo de granjas verticais esbarra em exigências de mercado cada vez mais crescentes no Ocidente. O primeiro é o ambiental. A suinocultura, de modo geral, tem um grande desafio que é o tratamento de dejetos.

“No Brasil, temos a vantagem do calor, usamos biodigestores para operar e tratar efluentes e transformar em energia. Na China tem que fazer um tratamento mais convencional, por conta do frio”, explica Alexandre Rosa.

A segunda exigência é o bem-estar animal. Lorenzi afirma que no Brasil, por exemplo, até 2026 as fêmeas não poderão mais ser criadas em gaiolas. Uma demanda que vem do mercado externo e que, segundo ele, tira competitividade da produção brasileira.

“Uma legislação adaptada da Europa e do Canadá exige da suinocultura moderna mais espaço, ventilação mínima e luminosidade para os animais. O mundo Ocidental não admite mais um modelo produtivo sem pensar em sustentabilidade e bem-estar animal”, complementa Rosa.

Impactos para o Brasil

Viável ou não, o modelo de produção vertical é uma realidade na China e foi recentemente retratado pelo The New York Times com espanto. A expectativa é que dentro de dois anos o plantel de suínos chegue aos patamares de antes da PSA.

“O processo está atrasado. Além da Covid-19 e problemas econômicos, a China enfrentou dificuldade em encontrar material genético para recompor essas granjas por conta dos números enormes. Usaram matrizes de baixo potencial genético e, por isso, estão com índices produtivos reduzidos”, afirma Rosa.

O plano é estabilizar o fornecimento de carne suína para a população chinesa de 1,4 bilhão de pessoas e, para isso, a meta é ser 95% autossuficiente na produção de suínos até 2035.

Há impactos para o Brasil, entre positivos e negativos. Para a suinocultura, os efeitos já são sentidos. Em 2022, as vendas totais de carne suína caíram 2% (1,120 milhão de toneladas) em volume e 3% em receita (US$ 2,572 bilhões).

Ainda assim, a China continua sendo o principal destino das exportações brasileiras, respondendo por cerca de 42% do volume total vendido. Para 2023, segundo o banco holandês Rabobank, a política de estabilização de preços na China deve favorecer as compras externas da proteína e elevar as importações entre 5 e 10%, sustentando assim a produção brasileira.

Apesar das projeções, o setor produtivo aposta na diversificação. “O que salvou no ano passado foi a exportação para as Filipinas, Chile, Vietnã, Japão e Estados Unidos. Ainda estamos de olho na Índia, que deve ultrapassar a população da China”, disse o representante dos produtores catarinenses.

Já o executivo da Agroceres PIC, acredita que a recomposição do plantel e a produção vertical não vão trazer impactos. “Para o controle de estoque e preços, a China se comprometeu a importar 5% do seu consumo, o que significa quase 3 milhões de toneladas. Um volume importante e o Brasil é competitivo para atender essa demanda”, explica.

Para a Associação  Brasileira das Indústrias  Exportadoras de Carnes (Abiec), as exportações de carne bovina também não devem ser afetadas.

A entidade aposta que a proteína caiu no gosto do consumidor chinês, sem contar que boa parte do volume vendido é destinado às indústrias, para produção de hambúrgueres, almôndegas, entre outros produtos. As vendas de carne bovina brasileira para a China saltaram de 322 mil toneladas em 2018, ano que começou o surto de PSA,  para 1,2 milhão de toneladas em 2022.

O milho, por sua vez, deve ser o grande beneficiado pelo novo modelo de produção chinês. A ex-chefe do Departamento Brasil-China, ligado ao governo brasileiro, Larissa Wachholz, conta que uma das principais diferenças entre o modelo familiar para o vertical é a nutrição.

Na produção anterior, a alimentação era baseada em restos de comida, conhecida como “lavagem”,  mas agora, a base nutricional da suinocultura chinesa será o milho. “A PSA abriu oportunidade para as proteínas brasileiras e, agora, para os grãos”, afirma Wachholz.

O executivo da Agroceres Pic também acredita que a China vai ser o principal destino das nossas exportações de milho. “Há limitação de área, questões climáticas e uma demanda nova, que é a produção vertical", declarou, calculando que 20% das importações chinesas do grão serão para alimentar suínos.

Já o representante do setor produtivo vê com preocupação o crescimento da demanda por milho. Segundo Lorenzi, os custos de produção já estão elevados, reduzindo a competitividade da suinocultura brasileira no mercado externo.

“Defendo que os produtores possam importar milho do Paraguai com incentivo fiscal de PIS e Cofins. O livre comércio tem que valer para os dois lados, para quem vende e para quem compra”, afirma.