Uma startup por dia, trinta por mês, cerca de 360 por ano. Na rotina de Frederico Logemann, avaliar novos negócios é quase uma obrigação, estabelecida em metas definidas no mandato que recebeu do Conselho de Administração da SLC Agrícola.
É assim, vasculhando o trabalho de empresas recém-nascidas, que ele cumpre seu papel para a perpetuação da empresa criada por seu bisavô há 77 anos.
Head de Inovação da maior empresa brasileira de produção agrícola, Frederico (mesmo nome do fundador) faz parte da quarta geração da família e tem nas mãos o encargo de definir futuras linhas de negócio para essa gigante que, em 2022, cultivou mais de 672 mil hectares e faturou R$ 7,3 bilhões.
O balanço do primeiro trimestre de 2023, divulgado na noite da segunda-feira 15, apresentou uma receita líquida de R$ 2,2 bilhões, 7,9% inferior ao do mesmo período no ano passado. Com a queda nas receitas provenientes da comercialização de algodão, ficou comprometido também o lucro, que caiu para R$ 574,9 milhões no trimestre de 2023, 27,9% abaixo do registrado no ano anterior.
A fotografia momentânea diz pouco sobre a história ou o futuro da companhia. O sobrenome Logemann, de certa forma, está associado aos principais movimentos no agronegócio brasileiro nas últimas seis décadas.
“A SLC participou de todas as revoluções que ocorreram nesses anos todos”, lembra o executivo em entrevista ao AgFeed. “Fomos nós, por exemplo, que produzimos a primeira colheitadeira brasileira nos anos 1960”.
Diante da grandeza dos números da SLC, cujas 22 fazendas somam uma das maiores áreas cultivadas do mundo, as verbas sob controle de Frederico são relativamente modestas. Ele recebeu da companhia um cheque de R$ 50 milhões para, através da SLC Ventures, fazer investimentos em novos negócios em cinco anos, que se encerram em 2025.
Com metade do caminho percorrido, fez três aquisições de participações em agtechs em diferentes áreas – a Aegro, que produz softwares de gestão para fazendas, a Pink Farms, de agricultura indoor, e, em abril passado, a mineira Sensix, que utiliza inteligência artificial na análise de lavouras através de imagens de drones e satélites.
“Mais ou menos metade dos recursos já foram utilizados”, afirma Frederico, já anunciando que novas aquisições podem ocorrer em breve. “Temos dois ou três já engatilhadas”.
Mais relevante que isso na função do jovem Logemann, de 41 anos, é a estruturação de um ambiente de inovação aberta que, em um futuro não muito distante, faça a SLC ser bem mais que uma produtora de comercializadora de grãos, proteínas e fibras. Por que não vender serviços de tecnologia, por exemplo?
“Estamos preparados para construir novos negócios a partir do zero”, diz. “Não queremos ser apenas clientes das startups, mas investir nelas e participar do seu sucesso”.
A ideia de implementar, dentro da SLC, uma cultura de venture builder (construtor de negócios, em uma tradução literal) veio da observação de que algumas das jovens empresas que testaram suas inovações nas fazendas do grupo e foram bem sucedidas teriam sido boas oportunidades de investimento.
Exemplo claro, citado por Frederico, é o da Strider, plataforma de agricultura digital mineira que foi adquirida, posteriormente, pela Syngenta.
Frederico propôs ao conselho e foi autorizado a investir na ideia e criar um programa interno voltado justamente à identificação de potenciais novos negócios. Além dos investimentos já feitos em startups externas, desenvolveu o Corporate Venture Builder, projeto que promove rodadas internas em busca de ideias que possam ser escaladas.
Centenas são avaliadas por ano. Quatro a cinco passam para o estágio seguinte e efetivamente testadas. Se tiverem bom desempenho, são aplicadas no grupo e, eventualmente, podem ganhar tração.
Isso aconteceu, por exemplo, com o QBen, sistema que redesenhou todo processo interno de beneficiamento do algodão. Desenvolvido internamente, a ideia consiste na criação de tags implantadas em cada fardo de algodão colhido, com informações sobre as condições e local dessa colheita. “Isso permitiu o escalonamento e organização do pipeline de beneficiamento, criando um padrão para o nosso produto”, explica Frederico.
Outro exemplo é um sistema de tracking para monitorar o fluxo de veículos dentro das fazendas, principalmente em momentos mais intensos de movimento de caminhões para entrega de insumos ou transporte da safra.
Isso pode ser levado ao mercado, como produtos de tecnologia da SLC? Frederico garante que sim. “Queremos inverter a lógica da inovação. Não ficar esperando o que nos trazem, mas definir e desenvolver o que precisamos”.
Dentro do programa de Venture Builder, a empresa usa sua rede de conexões para trazer mentores e palestrantes, criando trilhas de capacitação que ajudem na construção desses novos negócios.
Também foi criado o Digital Labs, onde uma equipe de desenvolvedores trabalha na criação de softwares sob demanda para a viabilização tecnológica dessas novas ideias.
Reinvenção na prática
“Nos últimos cinco anos tivemos de nos reinventar para adaptar a SLC a uma nova realidade”, afirma Frederico. Essa nova realidade tem muito a ver com o acesso às inovações. Pelo seu porte e cultura, a SLC nunca teve dificuldade em obter, em primeira mão, as mais novas tecnologias desenvolvidas no campo.
A diferença é que, anos atrás, essas novidades vinham de alguns poucos parceiros, em geral grandes empresas do setor, como John Deere (que adquiriu, nos anos 1980, a indústria de máquinas do grupo), Bayer, Monsanto e outras.
Cliente dos sonhos de qualquer fornecedor de produtos e serviços para a agropecuária, a SLC sofria com a dificuldade de identificar as tecnologias que mais faziam sentido para o seu negócio.
“Tudo que é startup quer falar conosco”, diz Frederico. “Era tanto assédio que estávamos nos vendo atrapalhados. Vinha muita coisa parecida, com proposta de valor um pouco diferente, e tínhamos dificuldade de selecionar o que é bom e o que não é”.
A prática de testar novas tecnologias nas fazendas – cada unidade da SLC tem áreas de 100 a 200 hectares reservadas para esse fim – é antiga na área agronômica, com centenas de experimentos rodando a cada safra na busca de melhores sementes, técnicas de fertilização ou de manejo com defensivos.
O primeiro desafio foi ampliar esse universo, incluindo muitas outras áreas da tecnologia para a realização de provas de conceito e validação de soluções que possam ser incorporadas nas operações.
Um marco nesse sentido foi a criação de um departamento de agricultura digital. A área tem um gerente responsável e equipes, com três ou quatro pessoas em cada fazenda, dedicadas usar “uma nova camada de software e hardware que não utilizávamos anos atrás”.
Em seguida, a estrutura criada tem a missão de selecionar as melhores soluções e colocá-las em funcionamento dentro da escala exigida pela SLC. E, posteriormente, integrá-las aos sistemas já em operação no Centro de Inteligência Agrícola (CIA).
Em 2019 um programa específico para gerir a conexão com startups foi criado, o Agro Exponencial. A empresa inverteu o fluxo da conversa, lançando campanhas para atrair soluções que estivessem dentro das suas zonas de interesse.
Além da Strider, passaram por ele agtechs hoje bem estabelecidas, como Solinftec, de automação de operações agrícolas, e Zeus, de sensores meteorológicos.
Onde está o futuro
Desde 2021, sob comando de Frederico, todo o ecossistema de inovação foi reunido em torno de uma única marca, a Horizonte SLC. Por definição, esse horizonte não respeita fronteiras, tem escala global.
“Se vejo uma startup com uma solução que pode nos interessar na Índia, entramos em contato”, afirma. “A SLC hoje é reconhecida em qualquer lugar do mundo e isso abre muitas portas”.
E o que a empresa está buscando? Na SLC Ventures há várias teses de investimento ativas, baseadas em centenas de observações. Fredrico tem sido ativo nas conversas com fundos de venture capital, que é onde, segundo ele, as tendências aparecem primeiro. “Quer saber para onde as coisas vão, veja para onde os VCs estão indo”.
Pelo menos seis verticais despertam maior interesse do grupo atualmente para futuros investimentos. O próprio Frederico comenta e dá as pistas do futuro da SLC:
- Biológicos: “Biodefensivos e bioestimulantes são campos que nos interessam enormemente”.
- Agricultura de hiperprecisão: “Agricultura de precisão já é um termo até gasto. Precisamos ir além, com a incorporação de dados vindos de drones, de satélites e de visão computacional com robótica. É um enorme campo de oportunidades”.
- Mercado de carbono: “Temos de entender a economia do carbono e como ela está se desenhando. Isso ainda engatinhando no agro, apesar do esforço enorme das empresas para desenhar protocolos e fazer trade dos créditos.
- Desintermediação das cadeias produtivas: “Novas soluções vão indicar como os produtores podem comprar insumo e máquinas em plataformas, ao invés da intermediação de corretores. Há players se estabelecendo, muitas startups a se observar, inclusive tratando de tokenização, criptoativos, que estão ligados a ligados a essa tese”.
- AgFintech e insuretechs: “Há uma carência enorme de crédito, seja na concessão ou na análise há oportunidades. A tecnologia pode ajudar de forma exponencial em questões como cálculo do custo de seguro, por exemplo. É preciso adaptar essas tecnologias de forma escalável”.
- Educação: “Acreditamos que tem espaço para algo que podemos chamar de ‘agroedtech”. Empresas que usem a inovação para questões relevantes como difundir conhecimentos, treinar operadores e agrônomos nas tecnologias que estão surgindo. A academia está ficando defasada”.
- Inteligência artificial: “Buscamos aplicações mais interessantes em visão computacional, com o uso de algoritmos para interpretar imagens. Substituir ou treinar olho do agrônomo com uma tecnologia que não dorme, não pisca, não erra. Isso tem potencial bastante disruptivo”.