Maior exportador mundial de celulose, o Brasil vem registrando investimentos significativos neste setor. Nenhum outro local, porém, concentra tantos recursos para implantação de novas fábricas quanto o Mato Grosso do Sul. Pelo menos R$ 50 bilhões em investimentos já iniciados ou previstos devem movimentar a economia do estado, promovendo uma transformação também no campo.
“Há capacidade para nos tornarmos o Vale da Celulose”, afirma Jaime Verruck, titular da secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação no estado (Semadesc). Isso, segundo afirmou ao AgFeed, apesar das dificuldades recentes, como o custo mais alto no arrendamento das terras, já um efeito da enorme onda de aportes que tem chegado.
A projeção tem como base a atual área plantada com florestas no estado, de 1,5 milhão de hectares. Segundo Verruck, “os investimentos já anunciados" vão levar o cultivo para um total de 2 milhões de hectares.
"Mas podemos avançar em mais 1 milhão de hectares ainda, o que, sim, mostra o potencial de dobrar a área atual", afirmou.
O estado hoje é segundo maior produtor de celulose do País, perdendo por pouco para a Bahia, mas é o primeiro em exportações.
Entre os projetos conhecidos, que devem mudar este cenário, está a nova fábrica da Suzano, em Ribas do Rio Pardo, que vai totalizar investimentos de R$ 22 bilhões, revolucionando a economia de pequenos municípios, como mostrou o AgFeed.
A fábrica deve começar a operar no ano que vem e é projetada para produzir 2,55 milhões de toneladas de celulose.
"Esta fábrica ainda tem um ano de execução de obra, mas a operação da Suzano já é consolidada, nosso foco agora é o impacto social por lá, que está sendo redimensionado", afirma Verruck.
Mas esse é apenas um dos megaprojetos em execução. O secretário lembra que já está em fase de licenciamento a construção de uma fábrica da chilena Arauco, em Inocência, outra pequena cidade do estado, a cerca de 300km de Campo Grande.
"Há oito anos reunimos os principais órgãos responsáveis por autorizar um novo investimento de uma empresa no estado, numa mesma secretaria”, conta.
“Então rapidamente reunimos o corpo técnico e a Arauco já sabe quando deve receber as licenças. Isso facilita o planejamento em um setor como o florestal, que tem ciclo de sete anos”, destaca.
Segundo Verruck, o investimento da Arauco será de R$ 28 bilhões, com previsão de chegar a 5 milhões de toneladas, mas o foco inicial é uma planta de 2,5 milhões de toneladas.
Se confirmados estes valores, somente os dois investimentos juntos já totalizam R$ 50 bilhões voltados ao cultivo de eucalipto e produção de celulose em Mato Grosso do Sul.
O diretor presidente da Arauco no Brasil, Carlos Altimiras, informou que "a fase atual do projeto chamado Sucuriú considera investimentos da ordem de US$3 bilhões (aproximadamente R$15 bilhões) e capacidade de produção de 2,5 milhões de toneladas/ano".
Já o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) elaborado pela empresa para o mesmo projeto, segundo o executivo, prevê a possível instalação de duas linhas, de forma faseada, o que explica a capacidade total de 5 milhões de toneladas e investimento de R$28 bilhões.
Expansão deve continuar
Outro projeto importante vem sendo aguardado no estado, segundo o secretário. Verruck diz que "gostaria que já tivesse acontecido o investimento da Eldorado, na construção de uma segunda linha de produção”.
Ele explica que o projeto aguarda o desfecho da disputa judicial entre as controladoras J&F – holding dona da JBS – e a multinacional Paper Excellence.
"Mas eles já se comprometeram em, assim que definir a situação, fazer esta segunda linha”, afirmou. O secretário relata que já haveria um excesso de base florestal na Eldorado, que já está licenciada. "Por isso, o start é muito premente, está só baseado na definição judicial".
O AgFeed procurou a Eldorado, que disse não haver decisão tomada sobre o investimento na segunda linha.
A expectativa do mercado, no entanto, é que o projeto possa pelo menos dobrar a atual capacidade da empresa, que é de 1,8 milhão de toneladas de eucalipto. Se ficar próxima dos 2,5 milhões de toneladas dos projetos concorrentes, mais uma vez o investimento poderia ficar próximo de R$ 20 bilhões.
O titular da Semadesc também citou a presença crescente da Bracell, pertencente ao grupo Royal Golden Eagle (RGE), com sede em Cingapura, e líder global na produção de celulose solúvel, que desde 2022 está expandindo sua base florestal em Mato Grosso do Sul.
"A Bracell não sinalizou sobre a questão industrial, mas já tem mais eucalipto do que precisa para sua fábrica de Lençóis Paulista (SP). Então acreditamos que, no longo prazo, também é possível pensar em expansão".
Ao AgFeed, a Bracell respondeu que “vem expandindo suas operações florestais para o Mato Grosso do Sul, com atividades de plantio, colheita e transporte de madeira", destacando ainda que “dispõe de diversas posições de emprego no estado, contribuindo para o desenvolvimento local”.
Este pode ser um dos gargalos ou entraves para a expansão pretendida pelos integrantes do governo – a falta de mão de obra.
Dito Mário, diretor executivo da Reflore-MS, entidade que representa as indústrias, disse que "não é apenas falta apenas mão de obra qualificada, falta pessoas para que sejam qualificadas, já que o estado vive praticamente uma situação de pleno emprego”.
Apesar disso, o dirigente concorda com o otimismo em relação à expansão do setor.
"Já contamos com isso, com o 'Vale da Celulose’, uma vez que hoje produzimos 5 milhões de toneladas e passaremos para 10 milhões de toneladas de eucalipto somente com os projetos da Suzano e da Arauco”, ressalta.
Dito Mario lembra que a produção brasileira é atualmente estimada em 22 milhões de toneladas, por isso Mato Grosso do Sul poderá responder por quase 45% do total nacional.
A oportunidade de expandir a área plantada pode vir “além da celulose". O estado vem recebendo investimentos em etanol de milho e cresce o uso do eucalipto como biomassa nas indústrias.
Em paralelo, há um mercado de carvão vegetal. Estima-se que a Vetorial, que produz ferro gusa, também possa futuramente ampliar o consumo de eucalipto.
"O fato é que temos diversas vantagens competitivas em relação a outros estados", afirma Dito Mario. Segundo ele, a topografia mais plana é um fator importante e o preço mais baixo das terras em relação ao Sudeste também.
"Outro diferencial é o ambiente de negócios, que tem sido muito favorável a novos investimentos", diz.
Jaime Verruck afirma que o governo sul-matogrossense segue “buscando novos empreendedores”, além das empresas que já estão no estado, porque acredita neste potencial de dobrar a área plantada.
Já o diretor da Reflore-MS acredita que 2 milhões de hectares são a meta mais factível de atingir, "considerando os desafios de logística e infraestrutura”, principalmente rodovias. Ele afirma também que os municípios precisam estar melhor estruturados, já que muitos, ainda hoje, por exemplo, têm problemas de comunicação, por falta de conectividade.
O governo sabe dos gargalos. Anunciou recentemente um projeto de uma "infovia” para levar mais conectividade ao interior do estado. Quanto à logística, diz que no setor florestal o caminho ainda é facilitar o acesso ao porto de Santos.
"Hoje temos a Ferronorte, temos o terminal da Suzano já em Aparecida. A Suzano está construindo um terminal em Inocência para exportar de Ribas do Rio Pardo e temos já um pedido da Arauco, que vai fazer um ramal ferroviário também pela Ferronorte. Além disso também está em licenciamento um ramal da fábrica da Eldorado, são 90km até chegar na Ferronorte”, conta Verruck.
Enquanto isso, o drama continua sendo as estradas com alto índice de acidentes, como a BR 262. O secretário diz que o estado está buscando autorização junto ao governo federal para que possa assumir determinados trechos de rodovias, com o objetivo de agilizar concessões. “Também conseguimos um empréstimo de R$ 2,5 bilhões junto ao BNDES para investir nas rodovias”.
Foco na sustentabilidade
Como o eucalipto costuma ser alvo de críticas de ambientalistas, o avanço dos investimentos em florestas em Mato Grosso do Sul tem sido acompanhado por um discurso de transformar o estado em “carbono neutro, até 2030”.
As lideranças reforçam que o cultivo de florestas avança em áreas de pastagens degradadas, o que contribui para reduzir as emissões de gases causadores de efeito estufa.
"Há um ganho substancial ao se substituir a pastagem degradada”, afirma Verruck. “O setor florestal vai ajudar o estado a ser carbono neutro em 2030”.
Dados da Semadesc indicam que, entre 2010 e 2023, houve uma redução de mais de 4 milhões de hectares nas áreas de pastagens. Enquanto isso, o cultivo de florestas (não apenas eucalipto) avançou 965 mil hectares.
O estado também seria o primeiro em áreas destinadas à ILPF – Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, com 3,169 milhões de hectares.
Verruck destaca que um decreto estadual definiu que todo o licenciamento a partir de agora precisará apresentar balanço de carbono, “o que antes não existia".
O objetivo é começar a contabilizar, já que ainda não se sabe se é positivo ou negativo. "Obviamente que teremos a pecuária emitindo metano, por mais que tenhamos a carne carbono neutro e de baixo carbono, mas é uma cadeia integrada com os sistemas florestais, portanto a solução também passa pelas florestas", explica.
Ele afirma que o pasto como estava, com baixa produtividade, levava a degradação das APPs, que agora estão mais preservadas. Além disso, conta com as políticas de ESG das grandes indústrias de papel e celulose que, para garantir certificações internacionais, “muitas vezes seguem regras até mais rígidas que a nossa legislação".