Ribeirão Preto (SP) - Na era dos super drones e alta tecnologia no campo ainda há espaço para um avião agrícola criado na década de 1970?

A Embraer, gigante brasileira e global na fabricação de aeronaves, acredita que sim, pelo menos por mais alguns anos – mas, ao mesmo tempo, já aquece os motores para novos voos no setor agrícola.

A companhia levou seu avião agrícola líder de mercado para a Agrishow 2025, realizada essa semana, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.

No lado de fora do estande o Ipanema 203, modelo mais recente do avião agrícola, atraía a atenção do público que visita a feira. É uma aeronave utilizada para pulverização de produtos sólidos ou líquidos, químicos ou biológicos, como o lançamento de sementes, água e defensivos nas lavouras.

Enquanto isso, os executivos da empresa apostavam em reuniões, não apenas com potenciais compradores do avião, mas também com instituições financeiras, já que o momento é de crédito escasso para viabilizar a compra de um bem tão valioso.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, no estande da Embraer, o líder de aviação agrícola da companhia, Sany Onofre, falou sobre as dificuldades recentes e as perspectivas futuras de ofertas novas soluções ao agronegócio.

Carioca com 26 anos de carreira na Embraer, Onofre está há 6 anos no comando do pilar agrícola. Ele garante que os tempos de “calmaria” (até excessiva, na opinião de agentes de mercado) estão ficando para trás no segmento em que lidera.

Para explicar este momento de retomada é preciso recuperar um pouco da história do Ipanema no Brasil. O modelo foi criado em 1972, atendendo um pedido do Ministério da Agricultura, na época preocupado em acelerar o combate a pragas e doenças nas lavouras.

Ao longo das últimas décadas novas gerações foram sendo lançadas. O modelo 203 que está na Agrishow é a sétima geração, lançada em 2015 e movida à etanol.

Em alguns momentos dessa trajetória a Embraer chegou a fabricar e vender 80 aviões num ano, mas entre 2015 e 2020 a produção caiu drasticamente. A produção ficou em 15 aeronaves por ano.

“Até 2019 o foco estava em outras aviações e menos no Ipanema, mas quando o CEO atual (Francisco Gomes Neto) assumiu a empresa, a gente levou essa questão para ele, que então pediu um plano para entender melhor. Na visão dele, estávamos perdendo oportunidades, era preciso valorizar o produto e a marca que a gente tinha”, contou Onofre.

O executivo diz que, por esse motivo, a produção voltou a aumentar. De 15 unidades em 2020 a média anual subiu para 65 aviões, número alcançado em 2024 e que ainda pode ser repetido em 2025.

Desafios do momento

O diretor da Embraer admite que há demanda no mercado para 100 aviões por ano, mas pondera que a falta de financiamento tem sido o principal entrave, além das dificuldades vistas no agronegócio ao longo do ano passado, com problemas climáticos e preços mais baixos dos grãos.

Por isso, “estrategicamente”, a produção não foi elevada. “Por dificuldade de financiamento, por opções dos próprios produtores, a gente acaba não conseguindo vender todas as unidades. Então, por enquanto, a gente está mais conservador e mantendo nesse nível de produção”.

Hoje se um produtor encomendar o avião ainda consegue receber no segundo semestre, de acordo com a Embraer. A época da longa fila de espera, que levava um ano e meio, ficou para trás, disse Onofre, em tempos de rentabilidade mais apertada no agronegócio.

“O ano passado foi bastante duro. De 2023 para 2024, para os produtores, deu uma retraída boa”, afirmou.

A Embraer precisou “trocar clientes” – ou seja, quando quem comprou não conseguia captar o recurso necessário, era necessário chamar o próximo dia fila.

“O recurso estava muito caro. Ele ponderava e deixava para depois. Esse ano está melhor, ainda não é um ano pujante, mas a gente percebe que o otimismo começa a voltar. O clima está ajudando”, analisa.

A Embraer diz ter condições de produzir 75 aviões no ano, sem grande esforço, caso entenda que o mercado volte a ficar mais aquecido.

“Eu acho que, se o clima ajudar, se tiver o crescimento que se espera e se tiver as linhas de financiamento, a gente cresce novamente já a partir de 2026 e 2027”.

O plano é nos próximos 5 anos chegar ao patamar de 100 aeronaves anuais, segundo ele.

A divisão de aviação agrícola representa cerca de 10% do faturamento total da companhia, que fechou 2024 com receita recorde de R$ 35,4 bilhões. Na visão do executivo, é uma operação relevante, mas não é o que “mexe o ponteiro da Embraer”.

Ele lembra que o Ipanema é um produto de R$ 4 milhões, enquanto o item mais próximo dela, nas outras linhas de aeronaves, o mais barato, seria ao redor de US$ 4 milhões.

“Mas ele (o Ipanema) não é desprezível, ele tem um resultado importante, é uma marca importante para a Embraer, é o mais antigo da Embraer, o xodó”, afirmou.

Onofre contou que quando a empresa voltou a dar mais foco à aviação agrícola, em 2020, também optou por mudar a cor do Ipanema, que era azul e branco e passou a ser amarelo.

“Uma homenagem ao produto brasileiro, o produto da Embraer para o agro. Essa pegada do dourado, do grão, da terra”, ressaltou.

Oportunidade “verde”

Um dos momentos marcantes na história do Ipanema foi o desenvolvimento do motor à etanol, que ocorreu em 2004. Já são cerca de 800 aviões operando com o biocombustível no Brasil e todas as novas unidades saem de fábrica com esse tipo de motor.

A oportunidade de “descarbonizar” a aviação e até mesmo cumprir metas ambientais da própria Embraer acabou viabilizando um financiamento da compra de um avião Ipanema com recursos do Fundo Clima, via BNDES, no ano passado.

Porém, foi uma única operação e muitos compradores que pleiteavam o mesmo financiamento seguem no aguardo de que o banco de fomento abra novas oportunidades no Fundo Clima.

“Logo o fundo se esgotou. Quem estava no processo acabou não conseguindo capturar o recurso”, disse Onofre.

“Dos 200 aviões que a gente vendeu nos últimos 3 anos metade foram pagos por recurso próprio e metade foram pagos por recursos de terceiros”, explicou Onofre.

A maior parte dos financiamentos são feitos via Finame, uma linha também do BNDES, mas que acaba sendo insuficiente. O executivo conta que também há vendas por meio de consórcios ou de crédito dos fundos constitucionais, mas admite que são poucos os “agraciados”, com essas taxas mais baixas.

O diretor contou ao AgFeed que esteve reunido com equipes do BNDES e ficou otimista. “Garantiram para a gente que o fundo vai sair vai sair bom e a gente está na expectativa”.

Apesar de frisar que a Embraer não depende do Fundo Clima, a empresa gostaria de contar com mais recursos em função das taxas de juros, que ficam bem mais interessantes para os clientes.

“As outras estão muito caras, por conta da inflação, dos juros. Então estamos buscando alternativas”.

Onofre diz estar mantendo diálogo constante com instituições financeiras para abrir novas possibilidades de crédito, sendo uma das saídas as linhas verdes. Porém, a Embraer não financia aviões com recursos próprios, seria necessário fazer uma parceria, o que fica mais complexo.

“À medida que os fundos começam a aparecer. Se comprovar o que estão falando. A gente acredita que esse ano começa a virar o jogo”.

“Drone” da Embraer?

O mercado especula se os aviões agrícolas estariam com dias (ou anos) contados e quais seriam os próximos passos da Embraer para o agronegócio.

Sany Onofre garante um time dedicado de pesquisa e desenvolvimento segue trabalhando em melhorias para o Ipanema e modernizações estão previstas “em breve”.

“A produtividade do Ipanema para aplicação de sólido, por exemplo, é imbatível. Então, tem sido um avião bastante vencedor. É o avião mais vendido do Brasil e o custo operacional, por ser etanol, é muito interessante”.

O executivo explica que um produtor sempre começa somente com a pulverização terrestre. Depois ele vai crescendo e passa a necessitar do aéreo, “porque o terrestre não dá mais conta, em função da janela de aplicação que ele tem”.

O caminho seguinte é contratar um serviço aéreo terceirizado e só depois o cliente parte para comprar um avião próprio. “A partir de 2 mil hectares, o cliente começa a fazer essa ponderação; Pode crescer a área plantada, sem precisar competir com os outros”.

Onofre acredita, porém, que a demanda aquecida por aviões deve se manter pelo menos “até 2030”.

“A partir dali depende das tecnologias que vão entrar. Seja dos elétricos, seja dos não tripulados. E a gente não está parado olhando. Também temos um time dedicado olhando as tecnologias, olhando as inovações, as tendências de mercado. Seja para um avião desse não tripulado, seja para um avião elétrico menor”, adiantou ele.

Ele diz que por enquanto são estudos e que, assim que o novo projeto for aprovado internamente, ainda seriam necessários no mínimo três anos para iniciar a comercialização.

O parceiro que estaria “no primeiro lugar da fila” para testar um possível drone da Embraer, segundo Onofre, é a Koppert, gigante global de insumos biológicos.

Em 2024, a Embraer anunciou um acordo com a companhia holandesa para testar os aviões agrícolas na aplicação de bioinsumos.

As duas empresas trabalham cooperação para tentar homologar a primeira metodologia de pulverização aérea de defensivos biológicos do País.

As empresas se aproximaram, contou Onofre, em função de outro produto da Embraer, que com base em imagens de satélite consegue capturar falhas de plantio e fazer diagnósticos para a aplicação. Trata-se de um projeto de inovação que virou um negócio e agora também está sob a gestão da divisão agrícola.

“A Koppert entrou no processo e com essa conversa veio também a oportunidade de usar o Ipanema para alavancar o uso de biológicos na pulverização aérea de grande porte”. A companhia de bioinsumos já usa drones nas aplicações.

A Embraer já trabalha também no projeto do Eve, um “carro voador” elétrico, que segundo o executivo, não tem relação com a divisão agrícola, já que tem como foco o transporte de pessoas. O Eve deu origem a outra empresa, por um spin off da Embraer.
Na visão do líder agrícola da Embraer, os drones chineses, que mais uma vez foram amplamente ofertados na Agrishow, não competem com os aviões da empresa. “É um nicho pequeno, de aplicação restrita”.

Já os “mega drones” estão sendo observados de perto, por oferecer maior capacidade de pulverização. Ainda assim, Onofre afirma que o custo é elevado e que o produtor vai demorar muito tempo a decidir por esse investimento.

“Tem muito drone encostado nas fazendas, com dificuldade de operar porque quebra, porque não tem gente pra pilotar, mas é uma ferramenta boa”, diz.

No caso dos equipamentos de maior porte, “à medida que eles cresçam seja os drones com asas rotativas, que é como um helicóptero, como esses com asas fixas, a tendência é que eles comecem a crescer e irem se aproximando de um avião de verdade”, admite. “Mas vai levar um tempo até essa tecnologia ser confiável”.

E por que a Embraer já não coloca seu drone agrícola no mercado? “A gente estuda ter uma solução para o agro. Mas não vai ser tão cedo”, respondeu o executivo. “Ainda é caro para ter uma coisa muito boa. A Embraer não colocaria no mercado algo com possibilidade de não funcionar”.

Fatores como custo de fabricação, robustez, confiabilidade e segurança, estão sendo considerados. Enquanto isso, ele garante, os investimentos no Ipanema prosseguem porque os produtos não são concorrentes.

Questões ambientais

Outro obstáculo para a aviação agrícola tradicional tem sido os movimentos contrários à pulverização agrícola sob o argumento de danos ambientais.

No Ceará, por exemplo, uma lei recente está proibindo o uso de aviões para aplicar os defensivos na lavoura.

É sempre uma ameaça, mas o esforço nosso, com o Sindag (sindicato que representa as empresas do setor), com as outras entidades, é educar e mostrar que não é isso”, disse o diretor da Embraer.

Ele ressalta que o problema não é o avião e sim a forma como ele é operado. “Se bem usado, ele entrega com segurança aquilo que ele está prescrito para entregar”.

Onofre alertou uma eventual proibição mais ampla da aviação agrícola no Brasil “quebraria” o País e não a Embraer.

“O agro hoje depende de avião. Hoje a gente tem cerca de 2,7 mil aviões voando no Brasil. Desses, 1.200 são Ipanema. Se proibir o voo, não tem máquina suficiente para fazer o combate à praga, que vai comer a plantação, e a gente vai cair muito em produtividade”.

O executivo da Embraer também disse ao AgFeed que a empresa está investindo cada vez mais em ações voltadas à segurança e prevenção de acidentes.

Eventos vêm sendo realizados no País com participação de pilotos de aeronaves agrícolas, além de mecânicos e proprietários rurais. “Há uns 4 anos a gente decidiu ir além da nossa responsabilidade de fábrica”, diz Onofre.

“A gente começou a repensar como é que a gente consegue ajudar a promover segurança independente da causa do acidente ou da probabilidade de acidente.”