Gigante indiana compra empresa de bioinsumos americana para conquistar o mundo a partir do Brasil. Dá para resumir assim a estratégia globalizada da PI Industries, multinacional química sediada na Índia, que resultou na compra da Plant Health Care (PHC), no final de agosto, por cerca de 32,8 milhões de libras (mais de R$ 237 milhões, pelo câmbio atual).
O negócio foi fechado lá fora, mas com resultado imediato no agro brasileiro, visto como principal plataforma de lançamento para o grupo indiano, fundado em 1946 e que hoje tem escritórios também no Japão, na China e na Alemanha e vende sua produção em cerca de 30 países.
Em sua terra natal, a PI distribui produtos com sua marca em mais de 70 mil pontos de varejo de insumos agrícolas. No Brasil e na maior parte do mundo, entretanto, a empresa atua com o fornecimento de produtos químicos para a indústria, no modelo B2B.
Agora, a ideia é mudar esse quadro. O Brasil deve se tornar a base principal de avanço em mercados de maior valor agregado, como os de especialidades, onde atua a americana PHC, passando a operar também junto a distribuidores de insumos.
“Até agora a PI se dedicou sobretudo aos mercados indiano e japonês”, afirma Rodrigo de Miranda, diretor global de marketing e diretor América do Sul da Plant Health Care, ao AgFeed. “Com a compra da PHC, resolveram começar uma expansão global a partir do Brasil”.
A expectativa de Miranda está calcada em um diálogo dele com o presidente do grupo indiano, Mayank Singhal. “Disse que a PI está trazendo os recursos que a gente precisa para construir a casa. Fiquei feliz quando ele discordou: ‘Nós não vamos construir a casa, vamos construir um arranha-céu’”.
Ao comprar a PHC, diz Miranda, a PI incorpora também uma tecnologia emergente no mercado de bioinsumos, que cresce em velocidade enquanto o de químicos desacelera. Os americanos são uma das empresas mais consolidadas no uso de peptídeos, proteínas que estimulam as plantas a ativar seus mecanismos de defesas contra doenças.
A PHC vinha obtendo avanços no Brasil em velocidade menor do que a desejada por Miranda. Seu principal lançamento aqui foi um produto destinado ao controle da ferrugem da soja, doença fúngica que provoca prejuízos bilionários aos produtores da leguminosa.
Com o novo controlador, o executivo acredita que haverá um impulso, tanto na força de vendas quanto no desenvolvimento de novas soluções.
“Em 35 anos de carreira, eu já trabalhei em Monsanto, Syngenta, Adama... E nunca vi um centro de pesquisa como o que a PI montou em Udaipur”, disse Miranda, referindo-se ao principal laboratório de desenvolvimento da empresa na Índia.
“São mais de 700 cientistas, 200 deles com doutorado, produzindo inovação 24 por dia, 7 dias por semana. Eles trabalham em turnos, literalmente não param”.
Apesar de ter nascido no laboratório da prestigiada Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, a PHC, segundo Miranda, tinha menos mobilidade.
“Você até encontrava investidores, mas eles não podiam injetar capital porque a empresa era listada na Bolsa de Londres e algumas regras impediam a diluição dos acionistas minoritários”.
De acordo com Miranda, o “arranha-céu” global da PI não será composto apenas pela aquisição da PHC.
“A empresa já declarou que não existem limites: todo investimento necessário para crescer e se estabelecer no mercado brasileiro será feito. Isso vale não só para a entrada em novos segmentos de produtos”, afirma.
“Pode ser estrutura de distribuição, laboratórios, fábricas. O grupo continua buscando outras companhias para adquirir, inclusive no mercado brasileiro. É um business case de mais de 10 anos”.
A PI obteve receita superior a US$ 850 milhões em seu último ano fiscal, encerrado em março – um crescimento de 14% em relação ao ano anterior. As exportações e os produtos biológicos puxaram esse crescimento.
Nos bioinsumos, o aumento de faturamento ficou em cerca de 39%. Já as vendas externas de produtos agrícolas geraram receita 24% superior ao exercício anterior.
Ambiente fértil
Na visão da companhia, uma presença mais forte no Brasil pode representar um novo salto. Segundo Miranda, a PI identifica o País como “must have, must win”. Não apenas por ser um dos maiores produtores agrícolas – e, portanto, um dos maiores consumidores de defensivos e fertilizantes – do mundo. Mas também por sua legislação liberal com novas tecnologias.
“O Brasil é o único país do mundo com todas as tecnologias da PHC registradas e comercialmente ativas. A gente registrou antes da matriz da empresa. Isso mostra quanto a legislação brasileira é eficaz, com um caminho rápido de aprovação para o que é bom”, afirmou Rodrigo. “É um campo de provas e serve de modelo para muitos outros mercados. Isso foi a base para o interesse da PI”.
Para servir de exemplo para outros mercados, a PHC pode dar atenção a nichos da agricultura brasileira, como o cultivo de frutas. Ao propor soluções para grandes problemas, mesmo se forem menos lucrativos, a empresa pode acelerar a aprovação de tecnologias que, uma vez aprovadas, podem alcançar mercados rentáveis.
“Hoje a banana é base da alimentação de 40% da população mundial, mas uma cultura assombrada pela raça 4 do Mal do Panamá. Isso é uma prioridade. Desenvolver a segurança alimentar global é muito simbólico”, avalia Miranda.
“Na França, a uva merlot está sob ameaça, mas a legislação é completamente absurda. As empresas simplesmente desistem. Então a ideia é a gente apresentar para eles alguns estudos que fizemos nos Estados Unidos e propor: se vocês facilitarem o caminho, a gente pode salvar o merlot. Vão preferir perder um símbolo do país?”
Para se estabelecer no mercado brasileiro, a PHC tem alvos específicos em torno dos principais cultivos. “Na prevenção à ferrugem da soja, a gente quer chegar em, no mínimo, 50% de todos os hectares. No combate aos nematóides parasitas, a gente gostaria de 10%, 15%”, afirmou Rodrigo.
Mas o avanço no mercado brasileiro não é para já. “Eu tenho ouvido que alguns agricultores estão pretendendo plantar até sem fertilizante. É horrível, mas a gente não pode recriminar, porque as perspectivas não são nada animadoras”, afirma Miranda.
“Mais do que a demanda fraca no mercado internacional, me preocupa a perspectiva de a chuva vir consistentemente no Sudeste só no início de novembro, em alguns casos do Centro-Oeste no fim de novembro e, no Maranhão e Piauí, meio de dezembro. É muito tarde”, diz.
“Se o cara comprou uma semente para plantar em outubro, muitas vezes ela não serve para dezembro. O potencial de produção cai demais. Então, o que acontece? Eu vou por tecnologia nessa produção? Não”.
Assim, a postura da PHC em 2024 é de pressionar as próprias margens e cultivar um bom relacionamento com o agricultor. “Nós reduzimos em 30% o preço de lançamento para o Teikko (nematicida voltado para a cultura da soja), porque a maior necessidade do produtor é custo e estamos alinhados com ele”, afirma.
“Obviamente, no ano que vem a gente vai querer reestabelecer as nossas margens, porque precisamos pagar os 10 anos de pesquisa nesse produto”.