Brasília (DF) – Uma cerimônia com jeito de Oscar e mais de 200 pessoas na plateia, cheia de luzes e “celebridades” da produção de soja nacional, no último dia 10 de julho, em Brasília, marcou a comemoração dos 10 anos da segunda geração de soja transgênica plantada no Brasil, a Intacta, hoje de propriedade da gigante global Bayer.
Quem conhece a história dos transgênicos no País sabe que foram muitos altos e baixos, desavenças entre produtores, governo e empresas privadas, uma novela tensa que, a julgar pelo clima da festa na capital federal, fica com jeito de final feliz.
Tudo começou no final da década de 90, quando a “soja maradona”, apelido dado às sementes que eram trazidas da Argentina para o plantio no Rio Grande do Sul, geraram entusiasmo entre os produtores.
Na prática, era a soja RR, ou Roundup Ready, desenvolvida pela americana Monsanto, que tinha um gene modificado, que deixava a planta resistente ao herbicida glifosato. No lugar de lavouras infestadas de plantas daninhas passou-se a ver áreas mais verdes e limpas.
Com menos aplicação de defensivo era possível garantir a produtividade. Além disso, como o produto era “contrabandeado”, multiplicado nas próprias fazendas, não se gastava mais por isso, ainda não existia a figura do “royalty” para isso no Brasil.
Nos anos seguintes, porém, com o avanço da soja RR por toda a região Sul, o governo foi obrigado a regular e definir as regras para o plantio da soja transgênica. Houve muita resistência inicial, com diversas ações judiciais por parte de produtores que se negavam a pagar royalties por “sementes salvas”, mas aos poucos o mercado foi se adaptando.
O segundo grande passo nesta biotecnologia da soja foi a chegada da segunda geração, batizada de soja Intacta, que foi plantada comercialmente na safra 2013/2014 (antes disso havia sido lançada e aprovada no Brasil, mas faltavam aprovações dos mercados consumidores).
Além da resistência ao herbicida a Intacta trazia a tecnologia BT que, com outra modificação genética, tornava a soja eficaz no combate a lagartas. Ainda era um lançamento da Monsanto, empresa que só foi comprada pela Bayer em 2018.
Na safra 2023/2024 a soja BT já estava presente em 86% das lavouras brasileiras, segundo André Pessoa, presidente da Agroconsult, que fez uma palestra de abertura na cerimônia da Bayer, em Brasília.
Um estudo feito pela consultoria contabilizou os avanços em produtividade, geração de riqueza e impactos ao meio ambiente ao longo dos últimos dez anos com o uso da tecnologia.
Na safra 2013/14, segundo dados do Rally da Safra, 44% dos produtores tinham produtividade média entre 40 e 60 sacas por hectare. Já em 2023/2024 esta faixa ficou com 27%. Outro dado impressionante é que há 10 anos apenas 1% dos produtores colhia mais que 90 sacas. Agora, esta fatia já representa 14%. A maior parte deles, na última safra, teve produtividade média entre 60 e 70 sacas.
André Pessoa explicou que o uso da tecnologia trouxe mais estabilidade no que se refere ao controle de pragas e doenças, o que acabou gerando o ganho de produtividade.
Em função disso, o estudo indica que a Intacta possibilitou ao Brasil produzir 21,2 milhões de toneladas adicionais de soja – o cálculo leva em conta somente os ganhos com a biotecnologia e não outros avanços tecnológicos no manejo. Este volume é mais do que o Rio Grande do Sul produziu nesta safra, considerada “recorde”, para os gaúchos.
Uma das grandes controvérsias nessa “história da soja transgênica” sempre foi o pagamento de royalties. Mesmo os produtores mais tecnificados, a cada nova tecnologia lançadas, muitas vezes reclamavam dos valores mais altos e os questionamentos na justiça eram frequentes.
Segundo o estudo, porém, o aumento de custos gerado pelos royalties foi mais do que compensando pela queda em outras despesas da lavoura de soja. Em dez anos, de acordo com a Agroconsult, foram economizados R$ 72,3 bilhões em defensivos agrícolas. Enquanto isso, o custo com sementes e royalties aumentou em R$ 68,6 bilhões. A estimativa de faturamento versus custos totais levou a um ganho no lucro total de R$ 54,8 bilhões.
No quesito ambiental também houve avanços, diz o levantamento. Um total de 834 mil toneladas de agroquímicos deixaram de ser aplicados nas lavouras de soja. Para se ter uma ideia, isso equivale a 60% do volume que foi utilizado na última safra.
O estudo menciona também a “poupança de área plantada”, de 6,3 milhões de hectares. Com mais produtividade, não foi preciso ampliar tanto a área cultivada. Somando o menor uso de defensivo e a preservação de áreas que não foram abertas, a Agroconsult estima que deixaram de ser emitidas 24,8 milhões de toneladas de CO2.
“Intacta 3” a caminho
Embora os números sejam animadores, para a Bayer existe o desafio constante de seguir desenvolvendo novas tecnologias e novas “gerações” de soja transgênica. É necessário lidar com a resistência que as plantas estabelecem ao longo do tempo e também rentabilizar as pesquisas que são feitas, já que as patentes tem prazo para vencer.
“Empresas como a Bayer só continuam investindo porque há um ambiente de segurança jurídica, isso é importante”, afirmou o diretor dos negócios de soja e algodão na empresa, Fernando Prudente, ao conversar com o AgFeed, durante o evento em Brasília.
Ele lembrou que a Intacta foi a “primeira tecnologia especificamente desenvolvida e produzida para um país tropical, já que antes, todas as outras eram importadas”.
A próxima geração, que ainda não tem nome definida e por enquanto só usa o apelido de “Intacta 3”, deve estar pronta em 2028, disse Prudente.
Ele ressaltou que, para chegar nas lavouras em 2013, a Intacta começou a ser desenvolvida no início dos anos 2000, com um longo processo de pesquisas e validações.
“Nessa linha posso dizer que os próximos 10 anos ou mais já estão prontos”, afirmou o executivo.
Antes disso, a empresa busca ampliar o ritmo de adoção da Intacta2 Xtend, que além da questão do glifosato e da lagarta, trouxe também a resistência a outro herbicida, o dicamba.
No começo a tecnologia também gerou controvérsia, com líderes de produtores de soja alertando que o herbicida estaria causando problemas ambientais nos Estados Unidos.
O diretor da Bayer garante que este tema está superado. “Estamos na terceira safra comercial e houve zero reclamação em relação ao que se falava no começo. Hoje é um produto seguro, mais uma flexibilidade, mais uma possibilidade para o agricultur”.
Ele diz que a empresa mobilizou um grupo de pesquisadores que fica sempre à disposição dos times para eventuais problemas. Além disso, a Bayer teria treinado “100% dos aplicadores de dicamba, que assinaram um compromisso”.
Até agora, segundo Prudente, se consideradas as três tecnologias – RR, Intacta e Xtend – a presença é de 91% nas lavouras brasileiras.
O ritmo de adoção da Xtend, no entanto, ainda está avançando de forma um pouco mais lenta se comparada à Intacta. “Em penetração e adoção está um pouco menor no segundo ano, mas no terceiro vai igualar com a Intacta”, disse.
Dados da consultoria Kynetec indicam que na safra 2022/2023 a soja RR representava 8% no Brasil, a Xtend ficava com 4%, a Intacta 86% e ainda havia uma área de soja convencional, não transgênica, com 2%.
Em reportagem recente do AgFeed, executivos da Bayer disseram esperar que a Xtend atingisse 30% na safra 2024/2024.
A novidade da “quarta geração da soja transgênica” ou “Intacta 3”, segundo Prudente, será a oferta de mais duas proteínas para BT, ampliando o combate a lagartas e mais dois herbicidas.
Fernando Prudente também revelou ao AgFeed que a empresa está ampliando o número de variedades na Xtend. “Na Intacta começamos com 5, fomos para 20 e depois 30. Já na Xtend vamos de 20 para 120 e chegaremos a 195 variedades na safra 2024/2025”.
Perguntado se alguma outra característica está por vir, ele disse que as pesquisas estão concentradas em temas como percevejos e tolerância a ferrugem, “mas isso ainda para o longo prazo”.