Uma plenária lotada e uma agenda cheia durante dois dias de programação no Transamérica ExpoCenter durante o Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, evento realizado nesta semana em São Paulo, pode trazer esperança para um aumento na valorização e presença de mulheres em cargos de liderança no setor.
Ao mesmo tempo, pode mascarar problemas que elas ainda enfrentam nas propriedades rurais e nas empresas do ramo. Passada a euforia do congresso, que reuniu cerca de 3 mil pessoas, um estudo mostrou que há um grande caminho para elas percorrerem.
De acordo com a pesquisa “Mulheres no agronegócio: principais barreiras para ascensão”, obtida pelo AgFeed, problemas de gênero encontrados em diversos setores da economia persistem no agro, com algumas particularidades.
A pesquisa foi realizada por Taís Carvalho, sócia da FESA Group, um ecossistema de soluções de RH, ouviu 100 mulheres que ocupam cargos de liderança (gerentes, diretoras e CEOs) em empresas de insumos (sementes, fertilizantes e defensivos) no País.
Do total da amostra, 49% possui acima de 43 anos, e a exigência para participar da pesquisa era estar em posições de liderança há no mínimo um ano, sendo que 60% das mulheres tinham mais de 10 anos de experiência e 56% trabalhavam em multinacionais. Apenas 4% eram CEOs.
No estudo, Carvalho mapeou que quase 80% das entrevistadas acreditavam que ainda há uma diferença salarial “considerável” entre homens e mulheres no segmento.
Em nível nacional e considerando todos os setores da economia, o primeiro Relatório de Transparência Salarial, publicado neste ano pelos ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego, mostrou que, no País, mulheres ganham 19,4% a menos que homens.
Considerando toda a economia, as mulheres ocupam hoje somente 39% dos cargos de liderança no Brasil, de acordo com um levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria) feito com dados de 2023.
“Sabemos que se trata de um segmento tradicionalmente conhecido por ser ‘masculinizado’, mas, por outro lado, temos visto uma tentativa por parte dos gestores e RHs do setor para melhorar esse cenário e implementar mais diversidade na área”, diz Taís Carvalho, vice-presidente e sócia da FESA Group, especialista em agronegócio.
Taís Carvalho é zootecnista e filha de um pequeno produtor rural, além de ser irmã de um agrônomo. Criada na “roça”, como ela mesmo diz, teve contato com o setor desde sempre, e afirma que sempre sentiu uma “dificuldade em se expressar nesse ambiente”.
“Escolhi estudar zootecnia já sabendo que iria enfrentar algumas barreiras que já via desde pequena”. Antes de trabalhar na FESA, atuou como assessora municipal de extensão rural e também na JBS, onde cuidou de parte da originação para a Friboi.
“Minha função era contratar executivos de nível médio, que no campo, iriam comprar os animais. Se eu não tivesse algumas soft skills, eu não seria bem recebida”. Quando passou a trabalhar com executivos mais experientes, notou que havia um certo preconceito com mulheres no setor não só nas camadas de entrada, mas também em altas cadeiras de empresas.
Essas soft skills estão relacionadas com a “masculinização” do setor que ela também cita. Na sua pesquisa, 64,6% das entrevistadas disseram que já precisaram assumir comportamentos considerados masculinos para serem respeitadas em suas áreas.
Ela explica que esses “comportamentos masculinos” envolvem manter um tom de voz, evitar “risadas” e desviar de piadas ou comentários de duplo sentido. “Acredito que as mulheres precisam ser elas mesmas, no jeito de falar e na atenção nos detalhes, já que elas possuem escutas mais ativas”, diz.
Para a pesquisadora, as principais barreiras para ascensão de mulheres em cargos de liderança dentro do agro são a discriminação e uma percepção de que há falta de capacidade nessas profissionais.
Outras barreiras são o assédio sofrido por parte das mulheres e a dupla jornada daquelas que optam pela maternidade. No estudo, outro número que chamou a atenção de Carvalho diz respeito ao número de mulheres que diz já ter levado uma cantada no trabalho: 64,6%.
Ela acredita que o segmento agro ainda traz uma particularidade. “Existe uma cultura de que a mulher não pode estar no campo, ou ter uma rotina de trabalho com muitas viagens, algo comum ao setor, pois precisa cuidar dos filhos”, diz.
Durante o estudo, ela percebeu que muitas empresas não contratavam mulheres para posições comerciais no agro, justamente por esse julgamento da dificuldade da viagem. Na pesquisa, 60,8% acreditam que levaram mais tempo para chegar ao cargo de liderança no qual se encontram por serem mulheres.
A passos lentos, a realidade tem mudado. Um total de 64,6% das entrevistadas disse que o discurso de igualdade de gênero é efetivo na empresa, enquanto quase 80% das respondentes afirmaram não serem as únicas mulheres em cargo de liderança dentro do negócio.
Para Carvalho, essa onda positiva é puxada por multinacionais. Em sua visão, empresas de fora do País já tratam do tema de inclusão de gênero há mais tempo e, por isso, muitas já possuem metas a cumprir envolvendo o tema.
“Tudo começa nas matrizes, com as multinacionais na frente, pois as companhias brasileiras nem sempre possuem essa exigência. As demandas para que haja cotas ou outras políticas foram ouvidas quando impactaram o bolso dos executivos”, afirmou.
Por outro lado, as mulheres ouvidas pela pesquisadora também se mostraram menos propensas a aceitar comportamentos retrógrados. Mais de 80% das entrevistadas (81%) disseram que deixariam uma empresa na qual não haja respeito de gênero.
Para continuar a mudar essa realidade, Carvalho acredita que as empresas precisam começar trabalhos de diversidade dentro de casa, treinando principalmente a alta liderança.
A sócia da FESA Group também vê a necessidade de repensar parte dos processos seletivos, com uma atenção especial para a maternidade. “Precisa reter essas mulheres, que saem de licença e se sentem fora da caixa quando voltam seis meses depois. Outras retenções possíveis são auxílio creche, estrutura para amamentação e uma flexibilidade de horários nesses casos”.