Mais de mil quilômetros de carro separam as “duas profissões” de Henrique Faria. De um lado, estão a botina, cabeças de gado e uma fazenda de 1,3 mil hectares em Figueirão, no Mato Grosso do Sul. Do outro, camisas passadas, ar condicionado e um bonito escritório na Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo.
Quando está na capital paulista, Faria lidera a Volt Partners, uma boutique de M&As criada há 15 anos por ele. Quando está no Centro-Oeste, comanda uma fazenda focada em pecuária de recria e engorda.
De acordo com o executivo, as vivências se complementam e se ajudam. Na cidade, a expertise de conviver com outros produtores rurais, fornecedores e entender as dinâmicas de um Brasil profundo ajudam na hora de prospecções para clientes do agro.
No campo, a profissionalização e a governança elevada intrínseca ao mercado financeiro ajudam Faria a realizar uma pequena revolução na fazenda. As terras em Figueirão, que eram de seu pai, foram passadas há cinco anos para o executivo tocar o negócio.
“Acompanho, invisto e supervisiono, mas não no dia-a-dia”, diz. Com apoio de consultores, o pecuarista entrou em uma nova etapa, num planejamento estratégico para os próximos cinco anos na fazenda.
Saindo da fazenda e indo para a Volt, Faria cita que existem 10 mandatos ativos, sejam de compra ou venda, dentro do agro. Ao todo, são 20 mandados em execução no momento, o que faz com que o agro ocupe metade da operação atual da Volt.
Um deles, que a Volt não confirmou seu envolvimento de forma oficial, engloba a venda de cinco fábricas da canadense Nutrien no Brasil. A intenção de venda foi confirmada pelo AgFeed com fontes a par do assunto e posteriormente pela própria Nutrien, em nota oficial.
Das 10 operações da Volt em vigor, três envolvem empresas de fertilizantes, três agroindústrias - uma de carnes nobres, outra de legumes e vegetais congelados e outra de laticínios da região Nordeste -, outras duas focadas em logística, uma envolvendo uma revenda de máquinas e outra uma revenda de insumos.
Na logística, um mandato envolve uma empresa que transporta defensivos e outra envolve um porto no Nordeste.
O perfil do mandato é diversificado. No passado, Faria conta que a Volt chegou a atender empresas de distribuição de insumos, mas os primórdios (e o presente) sempre tiveram mais foco nas empresas de fertilizantes.
“As motivações para M&A são diversas. Tem transações que a empresa faz parte de um grupo maior de outros segmentos e a parte agro deixou de fazer sentido. Tem clientes com tese de crescimento e outros com problemas de sucessão”, exemplifica.
Faria vê que hoje existem “muito mais situações de M&A” no agro do que se via há algum tempo. Ele acredita que isso acontece pois as empresas que atuam com fusões e aquisições têm feito um trabalho melhor de difusão de conhecimento.
A proliferação de fundos de investimento também ajuda. “Tudo isso dentro de um contexto em que o agro é um setor no Brasil que traz perspectivas reais de crescimento e lucro, com um diferencial global”, afirma Henrique Faria.
“Atuamos em deals com um ticket médio entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões, geralmente com compras de participação. Mas não temos limite, já fizemos desde R$ 50 milhões até R$ 1 bilhão. Transações maiores que isso ficam para bancos grandes e não para boutiques”, diz.
Antes de criar a boutique, o engenheiro acumula uma carreira toda focada em M&As. Começou com uma consultoria financeira focada em fusões e aquisições, trabalhou cinco anos no banco Itaú antes da compra do BBA e foi sócio, por alguns anos, da IGC Partners, uma das maiores do País em M&As.
“Depois de mais de 20 anos na área, saí da IGC e fundei a Volt com uma filosofia de ser boutique, ou seja, um serviço menos ‘comoditizado’ do que grandes bancos. A ideia sempre foi ter relacionamento e estar próximo dos clientes, com sócios envolvidos na transação, sem forçar deals”, explicou.
Nos 15 anos de vida, a Volt e seus sócios já atuaram com grandes empresas em M&As e outros serviços como reestruturação financeira. Hoje, a boutique é focada em fusões e aquisições, mas em alguns casos, também atua com avaliação e reestruturação societária. Ao longo dos anos, os sócios da casa, seja na Volt ou em outras boutiques, já auxiliaram companhias como Petrobras, IBM e Itaú.
O agro sempre teve grande protagonismo no pipeline. Além da expertise de Faria, um de seus sócios, Jairo Ohno, também possui raízes no interior, o que ajuda a “falar a língua do produtor”.
“Eu na pessoa física como pecuarista consigo levar as práticas da Faria Lima para o agro”, afirma o sócio-fundador da Volt Partners.
No setor, o deal mais recente envolveu a Alvorada, uma das maiores varejistas de produtos pecuários do Brasil, que captou R$ 400 milhões junto ao Kinea Private, da gestora Kinea, vendendo equity em troca de uma participação minoritária.
No passado, entre deals feitos pela própria Volt e seus sócios em outras casas, os executivos ajudaram a Paulifértil ser vendida para a Nitro, a SLC Agrícola na incorporação da Ferramentas Gerais e outros negócios envolvendo empresas do setor alimentício, como a aquisição da Dafruta pela Maguary e uma captação de recursos da Bom Sabor para a Fama.

De volta ao campo
Na fazenda, a meta é expandir e atingir um plantel de três mil cabeças de gado, sendo mil em confinamento e o restante a pasto. Dos cinco anos no comando, os últimos dois foram mais ativos na transformação da fazenda.
“Hoje eu compro bezerros, recrio a pasto e termino o ciclo no confinamento. Nesses últimos anos investi em animais de melhor genética, de criadores mais conhecidos e com inseminação artificial com origem, reforcei investimentos na parte sanitária e troquei balanças e troncos de contenção para aparelhos mais modernos”, diz.
Além disso, está construindo no momento um reservatório de 500 mil litros de água na propriedade, para que toda necessidade hídrica seja suprida sem o auxílio de fontes naturais. “Daqui 60 dias está pronto”.
Faria também está implantando uma fábrica própria de ração dentro da fazenda, com a qual estima reduzir os custos de alimentação em até 30%.
“Isso demanda além do galpão, uma misturadora, vagão triturador. Junto do reservatório, vemos uma fazenda em evolução”, diz.
“Antes eu tinha pastos de 100 hectares, o que era o padrão. Hoje tenho de 50 e 60, mas estou dividindo para ficar com uma média de 15 hectares, sempre rotativo, fazendo com que os bois fiquem cada semana em um deles”, diz.
Ele explica que a prática ajuda a pastagem e o solo a se recuperar. Além disso, ele também tem investido em recuperação de pastagem, “tratando o capim como se fosse agricultura”, brinca.
“Faço correção de solo com calcário e gesso, além de uma preparação com NPK e adubo de cobertura. Comecei a dar tratos à pastagem. É um desafio muito bacana, pois vejo na prática o que os clientes falam”.
Apesar de não ter exclusividade na venda dos bois, ele afirma que a maior parte é vendida para a JBS, que possui uma ampla operação na região.