O mercado financeiro está descobrindo aos poucos novas formas de se aproximar do agronegócio, um dos principais setores da economia brasileira, que até pouco tempo só era lembrado no crédito voltado à produção.
Primeiro a “Faria Lima”, como é conhecido o centro financeiro do País, foi abrindo caminhos para investimentos via “sopa de letrinhas”, os chamados títulos do agronegócio, como LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) e CRAs (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), além dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros).
A bola da vez é o mercado imobiliário, que está a todo vapor com a forte valorização do setor diante de um metro quadrado cada vez mais caro tanto nas grandes quanto nas menores. Além disso, com o eixo Rio-São Paulo saturado de imóveis, investidores miram os negócios no Centro-Oeste, em meio à pujança do agronegócio.
Há um mês o AgFeed revelou os detalhes do “WTC do agro”, um projeto de R$ 3 bilhões, em Sinop-MT, o primeiro com a grife internacional World Trade Center. Será um complexo com torres comerciais, residências e hotel.
Mas novas iniciativas surgem a todo o momento. A parceria entre empresas de construção civil e do mercado financeiro para o financiamento e desenvolvimento de projetos imobiliários não é de hoje. Essas operações são comuns e, geralmente, se dão por meio de Sociedade de Propósito Específico (SPE), modalidade de negócio com um fim e prazo determinados.
A Monte Bravo, porém, resolveu ir além. Atualmente, com R$ 40 bilhões sob custódia e meta de chegar aos R$ 100 bilhões até 2026, a instituição financeira tem estruturado outro investimento da “sopa de letrinhas” para financiar projetos imobiliários em municípios do Centro-Oeste e que são fortes no agronegócio.
Para isso, a corretora vem fazendo parcerias com incorporadoras locais, em Mato Grosso e em Goiás, para a estruturação e emissão de Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRIs), nos quais os recursos levantados financiam projetos ou pagam dívidas de empresas do segmento de imóveis.
Uma das parcerias foi com a incorporadora Edificatto, na qual a Monte Bravo estruturou um CRI para vencimento em outubro de 2027 e captou R$ 70 milhões. O projeto envolve um condomínio fechado de casas em Primavera do Leste (MT). O investimento também foi ofertado aos mais de 30 mil clientes pessoa física da corretora.
“A Monte Bravo está indo na contramão da Faria Lima, porque o mercado financeiro olha para Primavera do Leste e para o Mato Grosso, como um todo, como um polo de operações de agro. A gente foi buscar no coração do estado uma operação imobiliária”, comenta o head de estruturação da Monte Bravo, Filipe Zavon, em entrevista ao AgFeeed.
A incorporadora Edificatto é de Primavera do Leste e atua no segmento de imóveis de alto padrão. A aproximação entre o Grupo Barco, dono da empresa do ramo imobiliário, e a Monte Bravo foi por meio de um parceiro da corretora, que resultou na estruturação da dívida da Edificatto.
Na primeira fase do projeto, serão entregues 60 unidades em fevereiro de 2026, conforme previsão da incorporadora. Com localização próxima ao centro do município localizado no sudeste mato-grossense, as unidades terão entre 165 e 185 metros quadrados. O condomínio fechado contará com estrutura completa de lazer e de segurança.
Assim como pode ser observado no Sudeste, o mercado imobiliário mostra-se bastante aquecido no Centro-Oeste, com o Mato Grosso tendo o maior destaque no segmento residencial no primeiro trimestre deste ano.
No estado, os lançamentos de empreendimentos cresceram 10,2% na comparação com o mesmo trimestre de 2023, com 820 unidades lançadas, maior número em um ano. As vendas também são positivas e aumentaram 21,3% na mesma base de comparação, com 626 apartamentos e casas vendidos, segundo levantamento da Brain Inteligência Estratégia.
No período, as vendas de imóveis de médio e alto padrão, que ocupam a faixa de preço médio entre R$ 350 mil e R$ 1,5 milhão, tiveram participação de 73% na comercialização total de imóveis residenciais nos três primeiros meses de 2024.
Zavon explica que, mesmo que imobiliária, a operação está diretamente ligada ao agronegócio. “A forma de venda é muito ligada ao agro. Exemplo disso é que você vê a negociação de parcelas maiores sendo casadas com a safra do produtor”, diz, detalhando que o público-alvo do projeto é produtor rural.
“Ou é o filho dele, que está indo fazer faculdade na cidade. Ou é o produtor que estava no campo e agora, está migrando para a cidade. Os setores imobiliário e agropecuário estão muito ligados nessa operação”, reforça.
A corretora financiou 100% da obra e não tem participação nas receitas do empreendimento, no qual a Edificatto pretende levantar R$ 258 milhões em valor geral de vendas (VGV). Além disso, a emissão de recebíveis minimiza os riscos que a incorporadora e clientes enfrentam nesse tipo de projeto.
“Esses R$ 70 milhões cobrem todo o custo de obra e ainda tem uma gordurinha, se for necessário. Esse montante cobre qualquer problema de inadimplência. Com o financiamento total, eu garanto para todos os compradores das unidades que eles irão receber os imóveis e que o projeto será concluído”, destaca o profissional da Monte Bravo.
Quase 1,5 mil quilômetros separam o terreno onde está sendo construído o empreendimento imobiliário e a sede da Monte Bravo, na cidade de São Paulo. Diante disso, para acompanhar a obra, a corretora conta dois “braços” em Primavera do Leste.
A primeira empresa cuida da parte de emissão de boletos bancários para os clientes pagarem as parcelas do financiamento do imóvel, como também de toda a conciliação bancária.
“Essa empresa é os olhos da Monte Bravo lá (no local do projeto) e os olhos dos nossos investidores dentro da operação financeira. Todos os meses, a nossa área de monitoramento recebe um relatório de como está o andamento do CRI, como está a inadimplência, se está aumentando ou não, se teve ou não venda de unidades. Acompanhamos isso bem de perto”, detalha Filipe Zavon.
A segunda empresa acompanha o desenvolvimento da obra. “Eles fazem a diligência de engenharia. Eles acompanham a qualidade dos materiais, o quanto custou, se há algum tipo de desvio em relação ao orçamento original. Apesar de fazermos a parte de crédito, temos uma visão muito próxima de sócio do projeto. Queremos que ele seja entregue e que seja saudável”, ressalta o executivo da Monte Bravo.
Foco em CRIs e no Centro-Oeste
O agronegócio passa por um momento mais delicado, que envolve queda nos preços dos grãos, impactos climáticos nas lavouras e alta nos custos de produção. É um cenário que colabora para o aumento de pedidos de recuperação judicial entre os produtores rurais, além de endividamente e queda na receita das empresas.
Ainda assim, Zavon acredita que “há oportunidades nas regiões ligadas ao agronegócio”.
Com o intuito de oferecer aos clientes da corretora alternativas de investimentos, a Monte Bravo tem olhado com mais atenção para estados como Goiás e Mato Grosso. Além da parceria com a Edificatto, a corretora emitiu CRIs para outra empresa de construção civil.
A Realiza, com atuação em Goiânia e Anápolis, recorreu à empresa de investimentos para a estruturação de uma operação para financiar os seus projetos nos dois municípios. A Monte Bravo levantou R$ 40 milhões nas operações.
“Há mais ou menos 45 dias, fizemos também um CRI, de R$ 217 milhões, para uma empresa que atua no Distrito Federal e que tem vários terrenos em Brasília”, completa, dizendo que a corretora emitiu R$ 500 milhões em recebíveis imobiliários no primeiro semestre. A meta é fechar o ano com mais de R$ 1 bilhão emitidos em CRIs.
Para isso, a Monte Bravo adianta que mais operações do tipo serão estruturadas nos próximos meses. Todas envolvem projetos no Centro-Oeste. Com isso, Zavon reitera que o foco da corretora é buscar “boas” oportunidades na região agro, agora, mirando para o setor imobiliário.
“A gente gosta muito dessa região, da localização, e é uma região muito rica. É uma região onde se encontra excelentes projetos e, por causa do agro, está em crescimento acentuado”, observa.
O profissional da Monte Bravo chama a atenção para outro mercado que tem “feito os olhos da Faria Lima brilhar”: Goiânia. Ele comenta que a capital de Goiás tem chamado a atenção por oferecer bons produtos, empresas com boa governança, além de ter boa localização. “Lá, o risco de venda vai ser mitigado porque é uma cidade que tem capital, tem dinheiro e pessoas comprando”, acrescenta.
Ele reforça a tese de que o mercado de capitais deve olhar com atenção redobrada para a região com mais participação no agronegócio, uma vez que o eixo Rio-São Paulo já atrai muitos olhares para investimentos.
Com o canhão mirado para o mercado imobiliário de Mato Grosso e Goiás, a Monte Bravo quer crescer ainda mais com a estruturação de CRIs com esse fim e projeta emitir de R$ 1,4 a R$ 1,5 bilhão em 2025.
“A gente está só começando como corretora. A janela para a estruturação de operações de CRI está muito favorável, podendo ser para projetos de imóveis residenciais ou comerciais (lajes corporativas)”, finaliza.