A Minerva Foods tem um “general” de semblante mais sério, que pode parecer mais duro nas respostas, mas cujo estilo, no fundo, nada mais é do que uma forma de reforçar o foco absoluto em dar um retrato real da situação da empresa, para seus acionistas e investidores.
Edison Ticle, atual CFO da Minerva, está há 16 anos na companhia e conta com vasta experiência no setor financeiro para traduzir em detalhes o balanço da empresa.
A missão dessa semana foi explicar por que a companhia da família Vilela de Queiroz saiu de um lucro em 2024 para um prejuízo, de R$ 1,56 bilhão, no ano passado. Além, é claro, de atualizar investidores sobre o início das operações das plantas compradas da Marfrig, sendo que três delas ainda seguem indefinidas, no aguardo um sinal verde das autoridades do Uruguai.
Na teleconferência conferência com analistas, nesta quinta-feira, 20 de março, como de costume Edison Ticle estava ao lado do CEO da Minerva, Fernando Galetti de Queiroz, para reforçar que os indicadores da empresa estão positivos.
“A gente bateu o consenso em receita, em Ebitda, em capital de giro, em geração de caixa livre e também, eu diria, na alavancagem. O mercado achava que a gente ia ficar com uma alavancagem muito maior depois que tivesse o pagamento da Marfrig”, disse Edison Ticle, em entrevista exclusiva ao AgFeed, após o encontro com analistas.
A avaliação do CFO faz sentido. Um relatório do Morgan Stanley, por exemplo, destacou que a Minerva “apresentou um trimestre forte, com uma ousada superação de 21% em relação ao consenso da Bloomberg no nível do Ebitda”.
O BTG Pactual destacou que a dívida líquida, de R$ 15,6 bilhões, no quarto trimestre, ficou praticamente em linha com o que foi projetado pelo banco. “O quadro de endividamento teria parecido pior sem a substancial liberação de capital de giro de R$ 692 milhões”, disse em relatório.
O índice de alavancagem segue como ponto de atenção, na análise feita pelos principais bancos. Ficou em 5x o Ebitda em 2024, ou 3,7x se o cálculo considerar a contribuição adicional dos novos ativos, um dado apresentado pela Minerva.
Apesar disso, de modo geral, a avaliação do mercado foi positiva. As ações da Minerva fecharam com alta de 8,41% na quinta-feira, com papeis cotados em R$ 6,06.
A situação mostra que o pior parece já ter passado para empresa. Em 2024, a Minerva viu uma forte desvalorização das suas ações, em meio a preocupações no mercado sobre o ritmo mais lento do processo de incorporação das plantas compradas da Marfrig.
E como foi possível superar esse clima e ainda ter números melhores? Edison Ticle diz que o segredo é focar na operação e “sublimar ruídos externos”.
“Eu converso com o mercado, recebo esse feedback, então, eu meio que funciono como anteparo aqui dentro da empresa para dar tranquilidade para as áreas operacionais poderem atuar efetivamente”, revela. Além disso, defende disciplina e atuação consistente na estratégia.
O executivo admite que a aprovação do Cade para o negócio com a Marfrig, por exemplo, esperada para ser concluída em um semestre, acabou levando 11 meses. Mas a preparação havia começado muito antes, segundo ele, o que também foi um diferencial.
“Desde março do ano passado a gente já está com o plano de integração pronto, tanto da parte operacional, gestão de pessoas, indicadores, implementação das ferramentas de gestão que a gente tem, da gestão Minerva e, principalmente, as ferramentas financeiras para poder, assim que a gente assumisse essa operação, minimizar a necessidade de capital de giro, quer dizer, a gente tentar trazer o mínimo possível de impacto financeiro para a operação”, descreve.
Em função disso, diz que a empresa está tendo sucesso na integração das novas plantas, “talvez até melhor do que a gente esperava e, principalmente, essa disciplina financeira está se mostrando correta”.
Para 2025, o CFO da empresa sinalizou dados promissores na conversa com o AgFeed. Ele acredita que a arroba do boi pode subir ainda mais, mas pondera que, de outro lado, “você tem um mercado comprador, e aí você consegue repassar essa pressão de custos, de modo a manter a sua rentabilidade, a sua margem Ebitda”.
Nesse cenário, está prevendo que este ano a margem fique parecida com a registrada em 2024, ou levemente abaixo, “entre 8% e 9%”. Levando em conta os resultados de janeiro e fevereiro, Ticle diz que deve haver um crescimento “muito expressivo” de receita, que pode ficar entre R$ 12 bilhões e R$ 14 bilhões no primeiro trimestre e no patamar entre R$ 50 bilhões e R$ 58 bilhões no ano.
Uma das projeções que chamou a atenção de investidores é a expectativa de um Ebitda entre R$ 4 bi e R$ 5 bi para 2025, “que deve gerar um caixa livre de mais de 1 bilhão de reais, provavelmente algo entre R$ 1 bi e R$ 2 bilhões”.
No final do ano passado, um dos desafios enfrentados pela empresa foi o câmbio. A empresa diz que 76% de sua dívida está exposta à variação cambial, por isso quando há uma variação tão grande quanto a que foi vista, de R$ 0,80, ocorre um impacto nas despesas financeiras “não caixa”. Por outro lado, Ticle diz que, em média, 50% do montante é protegido por operações de hedge.
“Quando você faz a conta do lucro líquido recorrente, ou seja, se você expurgar o efeito não recorrente do câmbio, a gente teria feito no (quarto) trimestre, se o câmbio tivesse ficado parado, teria feito um lucro líquido de R$ 230 milhões”, afirmou. O resultado do balanço mostrou um prejuízo de R$ 1,57 bilhão no trimestre.
Dólar alto também representa, em tese, maior receita para os exportadores. Mas o CFO explica que os contratos de exportação têm um delay, de até 60 dias, dependendo do mercado, por isso ocorre um descasamento entre o impacto negativo na dívida e o positivo na receita em reais.
Efeitos da guerra comercial
A decisão do presidente dos EUA Donald Trump de aplicar tarifas a parceiros comerciais – o que tem gerado reciprocidades – reforça a expectativa no mercado de que haja mais oportunidades para o agronegócio brasileiro.
Uma das possibilidades seria exportar ainda mais carne bovina para a China, já que o país asiático decidiu restringir as compras do produto americano.
Perguntado sobre o tema, Edison Ticle disse que vê mais chances de aumentar a exportação para o mercado norte-americano do que para a China.
“Hoje nós temos, em todas as plantas da Minerva, Brasil e América do Sul, uma capacidade de 32 mil cabeças/dia para atender Estados Unidos. É a empresa que tem, disparado, a maior capacidade de exportação para os EUA. E, com isso, a gente desenvolveu canais mais eficientes do que o resto da indústria”, afirma.
Atualmente, cerca de 60% da receita da Minerva vem das exportações. Do total vendido no exterior em 2024, 21% foi para China, segunda no ranking, atrás dos EUA que respondeu por 23%.
Edison Ticle diz que China “é um mercado muito bem vindo”, onde a empresa já tem uma atuação bastante sólida, mas admite que está vendo “mais oportunidades nos Estados Unidos em termos de rentabilidade do que na própria China”.
Ele mencionou, por exemplo, a expectativa de que Trump venha a taxar a carne da Austrália. “Hoje os australianos competem com a gente pagando zero de tarifa - e a gente paga 26%. Se ele igualar as tarifas, é game changer para nós. A gente vai ter muito mais competitividade e muito mais capacidade de enviar mais cortes e mais volume para os Estados Unidos do que temos hoje”.
O executivo admite que é possível que revisem as projeções de exportação em função da guerra comercial. Mas acredita que outro ponto importante neste cenário é a tendência de redução na produção de carne no Hemisfério Norte.
“A situação atual nos leva a crer que os Estados Unidos vão ser mais relevantes do que China”.
No aguardo do Uruguai
Um dos destaques positivos da Minerva no momento é o avanço nas operações nas plantas que foram compradas da Marfrig.
Foram adquiridas 16 plantas de abate e desossa da Marfrig na América do Sul por R$ 7,5 bilhões, sendo 11 no Brasil, 3 no Uruguai, uma na Argentina e uma no Chile.
No mercado uruguaio, porém, as autoridades barraram os primeiros pedidos de autorização para concretizar o negócio, em função das regras de concentração de mercado.
Depois de duas derrotas, uma em outubro e outra em dezembro de 2024, a Minerva pleiteou novamente em fevereiro deste ano uma autorização para concluir a compra de três plantas no Uruguai.
Ao AgFeed, Edison Ticle se mostrou confiante de que a transação deve ser aprovada. A expectativa é de uma resposta até julho “no pior cenário”.
“Protocolamos uma nova proposta, porque a gente tem algum grau de certeza que essa proposta agrada a autoridade uruguaia. Agora, eu só vou ter 100% (de certeza) na hora que sair a decisão. O que eu posso dizer é que a gente fez a melhor proposta que podia fazer no momento, dado que a gente interagiu com a autoridade”, explicou.
Perguntado sobre o que deve fazer a empresa, caso haja uma negativa uruguaia, o executivo admitiu que talvez ficar com uma planta maior e vender outras. “Se tiver uma mudança muito grande aí eu não consigo prever, mas gente não trabalha, sinceramente, com esse cenário”.
A proposta que foi apresentada à Comisión de Promoción Y Defensa de la Competencia (Coprodec) pela Minerva prevê a aquisição das unidades localizadas em San José, Salto e Colônia, com posterior venda da planta de Colônia para a Allana Group, uma companhia indiana. O objetivo seria evitar um aumento da concentração no mercado uruguaio.
Na divulgação do balanço essa semana, a Minerva indicou que as plantas compradas da Marfrig – considerando apenas aquelas que foram aprovadas, com exceção do Uruguai – devem chegar um Ebitda de R$ 1,1 bilhão, anualmente.
E se o Uruguai já estivesse na conta? Ticle respondeu que, pelo que foi visto até agora, as plantas lá devem gerar um Ebitda anualizado de R$ 150 milhões. “Mas é difícil falar, porque quando a gente assume, você passa a ter um impacto maior no Uruguai, as oportunidades de arbitragem ficam maiores, aí é que a gente vai poder mergulhar na extração concreta das sinergias”.
Quanto às demais plantas adquiridas, a Minerva deu atualizações positivas ao mercado. No último trimestre as unidades já operaram com capacidade entre 45% e 55%.
Já neste início de ano, seguindo o ritmo do ramp up, estão chegando entre 65% e 70%. Segundo Ticle, o padrão da empresa é operar acima de 75%, portanto esta produção seguirá aumentando gradualmente, até que cheguem na capacidade plena entre o segundo e o terceiro trimestre.
Uma das 13 unidades ainda não começou a operar. Trata-se de uma planta no estado de Mato Grosso que, segundo a Minerva, foi entregue em condições inadequadas para os padrões de operação. Investimentos estão sendo feitos no local e a previsão é iniciar as atividades no segundo trimestre deste ano.
Carne mais cara
Um fator crucial na indústria da carne é o preço do gado, sua principal matéria-prima.
Com o dólar mais baixo neste primeiro semestre, a Minerva até pode ser beneficiada pelo menor impacto em despesa financeira, mas diz que o valor mais alto da arroba de certa forma anula outros ganhos.
Na visão de Edison Ticle, 2025 marca a virada do ciclo da pecuária. Ele diz que no ano passado houve “a maior disponibilidade de gado dos últimos 5 anos”.
Sendo assim, teoricamente, uma menor oferta de animais levaria a preços ainda mais elevados. Mas na visão da Minerva, fatores estruturais da pecuária brasileira devem seguir influenciando um aumento na oferta de carne.
“A taxa de fertilidade das fêmeas subiu de 45% para 55% e, na nossa opinião, os animais para abate estão mais jovens e mais pesados, o que aumenta a produtividade, você produz mais carne com menos cabeças de gado”, ponderou, ao citar também o uso do DDG na ração animal.
“Isso tudo junto faz com que, a despeito de você ter uma redução no número de cabeças disponíveis em 2025 contra 2024, essa redução seja ainda não tão significativa, porque você ainda vai ter em 2025 mais cabeças do que em 2023, por exemplo, disponíveis para abate”.
Nesse cenário, embora veja uma piora no ciclo pecuário, o executivo diz que não espera impacto significativo na rentabilidade da indústria. “Porque ainda que você pague mais no preço por arroba, você tem um animal que você desfruta melhor, você produz cortes melhores e maiores, mais pesados do que você tinha antes”.
No lado da demanda, a expectativa é de que continue aquecida, principalmente pela redução do rebanho nos Estados Unidos, o que deve se prologar pelo menos até 2027, ele avalia. Na China, uma inversão no ciclo pecuário tambem levaria a maior procura pela carne no mercado internacional.
“Esses dois países vão importar mais, mais volumes, e com isso vão manter os preços em dólar suportados”, acrescentou.
O outro lado da moeda é o preço da carne para o consumidor brasileiro. A indústria não tem repassado toda a valorização da arroba para os preços praticados internamente.
Edison Ticle avalia que, se houve novos aumentos no preço da arroba, vai ocorrer o chamado “trade down”, quando o consumidor para de comprar os cortes mais caros e migra para cortes mais baratos. “Aí você tem, talvez, uma queda de preço no corte caro, mas um aumento de preço no corte barato. Para nós, a gente perde, talvez, um pouco de rentabilidade num determinado corte, ganha em outro, é um pouco neutro”.
Na visão dele, o preço ao consumidor já estaria chegando no teto, mas o Brasil ainda tem uma situação confortável de renda, portanto não há muita preocupação em relação à queda expressiva de consumo. Eventuais efeitos do aumento na taxa Selic, por exemplo, podem demorar pelo menos nove meses para impactar a economia real, avaliou.