Na queda de braços do mercado, a lei da oferta e da procura costuma ser soberana na formulação de preços. Mas uma boa dose de expectativa pode influenciar cotações quando o cenário ainda reserva dúvidas sobre o futuro próximo.

É o que acontece atualmente com a pecuária de corte no Brasil. O setor vive, há vários meses, um longo período de oferta abundante de animais para abate, que ocasionou queda nas cotações do boi gordo para o pecuarista e, na outra ponta, boas margens para frigoríficos.

A perspectiva era de que esse ciclo estivesse chegando ao seu final e esperava-se uma transição de fase do ciclo pecuário para este ano – e, de fato, a recuperação nos preços já começou no campo. Algumas consultorias já operam com esse cenário, indicando uma menor disponibilidade de gado para as indústrias nos próximos meses.

Não é o que enxerga, no entanto, uma das maiores empresas do segmento, a Minerva Foods.

A companhia acredita que o próximo ano ainda será de boa oferta de animais no País – ou seja, manutenção do ciclo de baixa. O que, na visão do CFO da Minerva, Edison Ticle, não significa um preço menor ao produtor, mas sim, mais gado para a indústria abater, que terá oportunidade de ganhar market share.

“A duração do ciclo é dada pela retenção de fêmeas para a produção de bezerros. Se você tem uma fertilidade maior, é natural supor que o ciclo está um pouco mais longo”, explicou Ticle em conversa com o AgFeed durante o Bradesco BBI AgroSummit.

Segundo o executivo, evoluções tecnológicas e de manejo dos rebanhos ocorridas nos últimos anos vão, cada vez mais, minimizar o impacto dos ciclos pecuários na oferta de bois.

Com isso, a companhia trabalha, segundo ele, com a perspectiva um acréscimo de 4 milhões de cabeças para abate anual, sem levar em conta se é uma fase de alta ou baixa do ciclo pecuário.

Melhoramento genético e na dieta dos animais, de fato, trouxeram ganhos de produtividade para o setor. No quesito genética, por exemplo, Ticle observa que há cerca de 20 anos a taxa de fertilidade das fêmeas era de 45%, enquanto hoje em dia, encontra-se em torno de 60%.

Além do mais, a ampliação do uso de tecnologias como o DDG (subproduto da produção de etanol a partir do milho utilizado na alimentação de animais), especialmente nas operações de confinamento no Centro-Oeste, tem beneficiado a pecuária de corte.

O insumo ajuda a otimizar a engorda dos animais, proporcionando um maior ganho de peso em um tempo menor e, consequentemente, uma maior eficiência produtiva.

“Independente do ciclo, o que importa é qual é o número de cabeças que vai estar disponível para abate. E a gente acha que no ano que vem, mesmo que comece a virada de ciclo, a quantidade de cabeças disponíveis para abate vai ser maior do que se estivéssemos no primeiro ano de um ciclo ruim”, destaca o CFO da Minerva.

No âmbito das consultorias que acompanham o segmento, essa opinião gera controvérsias. Há quem concorde, como Fernando Iglesias, analista da Safras&Mercado.

De acordo com a consultoria, o Brasil vai observar sim um crescimento da quantidade de animais abatidos ao longo desta década, devido ao ganho de produtividade média que vem acontecendo dentro do setor.

“Nós vamos ter flutuações positivas ou negativas de acordo com o ano, de acordo com a participação de fêmeas no abate, mas de qualquer forma vamos conviver com abates mais robustos em função desse ganho de produtividade média”, afirma.

Já as projeções da AgriFatto indicam que a virada de fase de baixa para fase de alta será sinalizado por uma restrição mais severa de bezerros, possivelmente, em fevereiro de 2025, podendo durar até fevereiro de 2027, a depender do nível de descarte de fêmeas a ser observado nos próximos meses.

“Para que faltem bois gordos, é necessário que antes faltem bezerros. Então, quando começar a faltar o bezerro, o interesse em abater fêmeas reduzirá, o que dará força a essa alta. E isso deverá tomar força entre 2025/2026”, explica Lygia Pimentel, CEO da AgriFatto.

Em sua primeira estimativa para o próximo ano, a AgriFatto espera que o abate de bovinos diminua 3%, atingindo 37,88 milhões de cabeças – abaixo das 39 milhões de cabeças projetadas para este ano.

O diretor da Scot Consultoria, Alcides Torres, csegue na mesma linha. Para ele, o grande número de vacas abatidas no ano passado e neste ano já permitem vislumbrar um período de preços mais altos para a indústria. "São as fêmeas que determinam aumento ou diminuição de gado pra abate", disse.

Torres acredita que a oferta reduzida de fêmeas, combinada com um aumento na oferta de machos e o aumento da demanda, diante de uma melhora no poder de compra do consumidor, devem sustentar as cotações nos próximos meses. "Esses fatores devem manter o mercado comprador de carne e, em função disso, a cotação da arrouba do boi deve ficar firme", destaca Alcides.

Já a consultoria Athenagro vem trabalhando com cenário de recuperação de preços já no segundo semestre. “A alta mais significativa a partir dos primeiros dias de setembro sugere que a oferta possa estar finalmente cedendo, depois da sequência de recordes no abate”, aponta a consultoria em relatório.

No acumulado do mês de setembro, o indicador Cepea/B3 subiu 4%, passando de R$ 239,75 no último dia de agosto, para R$ 249,35 na quarta, 11.

Ampliação dos negócios

O otimismo da Minerva estende-se para além das fronteiras brasileiras.

Há pouco mais de um ano, a companhia anunciou um investimento de R$ 7,5 bilhões para aumentar em 50% sua capacidade de produção na região. O negócio envolve 16 plantas de abate e desossa da Marfrig, além de centro de distribuição. A transição inclui 11 plantas no Brasil, três no Uruguai, e uma na Argentina e no Chile.

No entanto, o processo está em análise no Cade, autarquia responsável por zelar pela livre concorrência de mercado. No último mês, o órgão deu o primeiro sinal positivo para a aquisição, com um primeiro relatório indicando que a operação não gera preocupações de concorrência.

Entretanto, o órgão entendeu que as restrições inicialmente estabelecidas nas cláusulas de não concorrência não estariam em conformidade com a jurisprudência do Cade, por isso negociou uma nova redação desta parte do acordo. Com isso, prorrogou em 90 dias o prazo de análise do processo.

“Teve o relatório da superintendência recomendando a aprovação agora é uma questão de ter a análise do tribunal que deve ocorrer até novembro”, disse Edison Ticle ao AgFeed. “O nosso plano é ter a aprovação do Cade para a gente fazer a integração. E aí o foco total será integrar essas plantas que a gente está comprando”, completou.

Quando a aquisição for concluída, conforme informou a Minerva na época em que o negócio foi feito, a empresa aumentará a sua capacidade de abate de bovinos para 42.439 cabeças por dia, sendo 22.336 dessas no Brasil.

No País, as plantas estarão localizadas em diversas regiões, incluindo o Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Pará e Rondônia, com o centro de distribuição situado no interior de São Paulo.

O movimento reflete uma estratégia de longo prazo da companhia que busca aproveitar a vantagem competitiva do Brasil e da América do Sul em termos de custo de produção, “para se tornar o maior exportador e a empresa que têm mais relevância no comércio mundial de carne bovina”.

“A gente continua muito otimista no curto, médio e longo prazo. Acreditamos que a América do Sul e o Brasil vão conseguir se consolidar como os principais exportadores pela questão de competitividade. A gente continua achando que o principal driver vai ser a exportação da rentabilidade do nosso negócio”, enfatiza Ticle. Com o ciclo de baixa ficando mais longo, seria ainda melhor.