Nos quarenta dias depois do anúncio histórico de fusão entre BRF e Marfrig, criando a MBRF Global Foods, algumas pedras foram colocadas no caminho da nova gigante global de alimentos.

Primeiro, um descontentamento dos minoritários, que contestaram a relação de troca das ações entre as duas companhias, que forçou a CVM a determinar um adiamento da assembleia de acionistas que deve decidir se aprova ou nnão a transação. A reunião que deveria ter ocorrido no dia 12 de junho, foi remarcada para 14 de julho.

Agora, o negócio sobre um novo questionamento, este junto ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e feito por uma concorrente. Na quinta-feira, 26 de junho, a Minerva apresentou um recurso junto ao órgão antitruste pedindo que a fusão seja reavaliada.

O argumento básico da empresa dos Vilela de Queiroz é que a decisão do Cade de autorizar a fusão não leva em consideração a concorrência em alguns mercados específicos em que as empresas atuam. O Cade havia dado o ok à transação no dia início de junho, mas na semana seguinte aceitou pedido da Minerva para figurar como terceira parte interessada no caso.

Juntamente ao recurso apresentado agora a Minerva anexou um parecer econômico elaborado pela LCA Consultores com base nessas preocupações. As principais questões apontadas pela Minerva, com base no trabalho da consultoria, se referem ao poder de portfólio da nova empresa, a MBRF.

A nova empresa nasce já com mais de 30 marcas fortes - com destaque para Sadia, Perdigão e Qualy -, que, de acordo com a LCA e a Minerva, podem ser combinadas para obter vantagens competitivas.

No documento, é dito que “essa vantagem pode se concretizar de várias maneiras, como um maior poder de barganha nas negociações com cliente e canais de distribuição, além de dificultar a entrada ou a expansão de concorrentes no mercado”.

Mesmo antes da fusão, a Marfrig e a BRF já estavam fazendo uma dobradinha entre as marcas. Nos supermercados, passou a ser comum encontrar carnes bovinas (fortaleza da Marfrig) sob a marca Sadia (pertencente à BRF), que historicamente atuou com frangos e suínos.

A Minerva ainda afirma que o poder de mercado do segmento “food service” não foi suficientemente analisado. Nesse caso, a LCA aponta em seu relatório o caso dos hambúrgueres. “Esse produto ocupa uma posição destacada não apenas pelo volume, mas pelo protagonismo que assumiram nos cardápios de redes de alimentação rápida, lanchonetes, serviços de delivery e estabelecimentos de médio porte”, diz o parecer.

Na opinião da empresa, como tanto BRF quanto Marfrig possuem forte presença nesse setor, a concorrência pode diminuir e os preços podem subir.

A Minerva ainda relembrou no seu requerimento que o próprio Cade impôs alguns remédios estruturais à empresa em 2014, quando comprou ativos da BRF.

“Ainda que não se dispusesse de estatísticas perfeitas, foi possível estimar, naquele caso, níveis relevantes de participação da BRF no fornecimento de hambúrgueres ao Food service - superiores, em alguns cenários, a 40%”, diz o relatório da LCA. “À luz desses precedentes, a ausência de avaliação própria e atualizada do Food service na presente operação configura uma lacuna analítica relevante”, criticou.

Fora do universo do mercado consumidor, há a argumentação de que BRF e Marfrig são compradoras de carne bovina da própria Minerva. Com a união, a empresa se preocupa com o poder de barganha frente a fornecedores, incluindo a própria.

Por fim, ainda há uma questão acionária contestada pela Minerva. Isso porque o Salic, fundo soberano da Arábia Saudita, passará a ter uma participação relevante tanto na Marfrig quanto na Minerva, de que já é acionista desde 2015.

Na empresa dos Vilela de Queiroz, o fundo possui 24,5% do capital. E investe nas empresas de Marcos Molina por meio de uma participação de 11% na BRF. Com a fusão, o mercado projeta que a porcentagem na nova empresa seja pouco diluída, ficando próxima dos 10%.

A Minerva e a LCA argumentam que investimento em concorrentes pode criar um alinhamento de interesses para os sauditas, reduzindo os incentivos à competição e aumentando os riscos de troca de informações sensíveis entre as empresas, considerando que haverão conselheiros indicados pelo fundo saudita nas duas empresas.

“A influência da Salic na Minerva vai além de sua posição como maior acionista individual e integrante do bloco de controle. Três dos dez membros do Conselho de Administração da companhia são indicados pela Salic e seus empregados participam ativamente de comitês internos estratégicos”, argumenta o relatório da LCA.

Postos os argumentos, a Minerva também trouxe algumas sugestões de solução, os chamados “remédios”, para que a fusão seja aprovada.

No caso acionário, o relatório do LCA cita que é recomendável uma alteração nas posições acionárias, ou seja, um desinvestimento. “Forçar o acionista comum a reduzir sua participação a um nível insignificante ou sair completamente de uma das empresas concorrentes”,escreve.

Outra saída é a criação de mecanismos para que o fundo Salic tenha um limite sob as decisões da gestão e do controlador, numa prática chamada de “blind trust”.

A Minerva ainda afirma que a adoção de remédios comportamentais pode até não ser suficiente para neutralizar os riscos que a própria aponta, e sugere uma “solução estrutural para viabilizar a rivalidade após a fusão”.

Apesar de não deixar de forma explícita a reprovação da fusão, a Minerva ainda afirma que os riscos concorrenciais, em seu entendimento, tem potencial para “alterar a decisão de aprovação sem restrições para uma com restrições ou até mesmo uma reprovação do tema”.

Procuradas pelo AgFeed, as assessorias de Marfrig e BRF informaram que as empresas não se manifestariam sobre o caso.

Na Bolsa, as ações das três companhias envolvidas recuam. Por volta das 14h, os papéis de Marfrig, BRF e Minerva caíram respectivamente 2,36%, 2,14% e 0,45%.

Resumo

  • Minerva acionou o Cade para reavaliar fusão entre BRF e Marfrig, argumentando que o poder de portfólio da nova empresa pode reduzir concorrência e elevar preços
  • Relatório da LCA Consultores aponta riscos no segmento de food service e cita concentração no mercado de hambúrgueres como exemplo
  • Empresa também contesta participação do fundo saudita Salic nas duas companhias, sugerindo remédios estruturais e até desinvestimentos