Depois da “tempestade perfeita” vivida na safra 2023/24, a Lavoro, considerada a maior empresa de distribuição de insumos agrícolas da América Latina, mostra que saiu viva – mas não ilesa.

Como era de se esperar, as dificuldades conjunturais da safra 2023/24 afetaram o desempenho da companhia, que tem ações listadas na bolsa norte-americana Nasdaq e divulgou seus resultados nesta quinta-feira.

Os números não são bons e levam a alguns índices preocupantes, como o aumento no endividamento da empresa.

A Lavoro apresenta os resultados fiscais conforme o calendário da safra, ou seja, o “ano” para a companhia ocorreu entre julho de 2023 e junho de 2024.

A receita da companhia até cresceu 5% de uma safra para outra, passando de US$ 1,79 bilhão para 1,88 bilhão, valor que fica dentro do intervalo que havia sido previsto pela empresa no último balanço divulgado em junho.

Por outro lado, o Ebtida (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado despencou 64%, saindo de US$ 150,1 milhões no ano passado para US$ 53,3 milhões neste ano encerrado em junho, refletindo menor lucro bruto e maiores despesas operacionais, segundo a companhia. A margem Ebtida ajustada também caiu bastante, passando de 8,3% para 2,8%.

O lucro bruto recuou de US$ 332,9 milhões para US$ 268,4 milhões, uma queda de 19%.

Mas o número que impressiona é o tamanho do prejuízo no ano-safra. Foram US$ 144,9 milhões de prejuízo líquido ajustado, ante um lucro líquido ajustado de US$ 30,9 milhões no fechamento da safra 22/23.

A Lavoro informou ainda que fechou o ano com uma dívida líquida de R$ 371,6 milhões, considerando apenas a operação brasileira, e de R$ 924,9 milhões, levando em consideração todas as operações na América Latina.

No recorte por país, a receita vinda das revendas no Brasil representou US$ 1,58 bilhão ao longo de todo ano, ante US$ 1,506 bilhão na safra anterior, um avanço de 5%.

Já nas revendas da América Latina, onde a Lavoro tem presença em países como Colômbia, Equador e Uruguai, os ganhos em 2024 foram de US$ 237,8 milhões, ante US$ 233,8 milhões no ano passado, crescimento de 2%.

No acumulado do ano, a receita com a revenda de insumos cresceu apenas 1%, chegando a US$ 1,678 bilhão, ante US$ 1,669 bilhão no ano passado.

Já os ganhos vindos da revenda de grãos foram bem maiores, ainda que menos significativos no conjunto, crescendo 61%, passando de US$ 130,4 milhões para US$ 209,9 milhões no período.

Trimestre negativo

No quarto trimestre da safra 23/24 houve um avanço de somente 2% na receita com vendas e os demais números foram todos no campo negativo.

A Lavoro registrou queda de 4% na receita bruta (US$ 46,9 milhões em 2023 para US$ 45,2 milhões em 2024), margem Ebtida ajustada negativa em 2,1% (ante 2,4% positivo no ano passado), e um prejuízo líquido ajustado de US$ 76,2 milhões, ou seja, 5 vezes mais alto do que os US$ 15,2 milhões de prejuízo verificados no mesmo período da safra anterior.

Ruy Cunha, CEO da Lavoro, afirmou em entrevista ao AgFeed que, como o esperado, as dificuldades conjunturais da safra 23/24, afetaram o desempenho da companhia.

“A gente está saindo de um dos anos mais desafiadores dos últimos tempos, talvez até de décadas, acho. A gente teve muita coisa acontecendo em nível global em agricultura e, no Brasil, se soma a todo esse fator conjuntural de queda de preço de commodities e a variação de preço de insumo, intempérie climática, taxas de juro alta, enfim, um cenário desafiador”, resumiu Cunha.

O setor de revendas sentiu o peso do pedido de recuperação judicial do Agrogalaxy, concorrente da Lavoro, que deixou um rastro de dívidas de R$ 4,1 bilhões e mais de 2,5 mil credores a receber.

Alavancagem sobe

Além da conjuntura desfavorável, a companhia enfrentou uma série de boatos, há pouco mais de um mês, dias depois de a Agrogalaxy entrar com o pedido de recuperação judicial em 18 de setembro.

Tudo começou a partir de cálculos feitos pelo consultor Eduardo Lima Porto, diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica, em uma plataforma de inteligência artificial.

Em um texto publicado no LinkedIn no dia 25 de setembro, Porto disse que a relação entre dívida líquida e ebtida havia atingido 14,08 vezes.

“Se os números estiverem corretos, a Lavoro (...) encontra altamente endividada em relação à sua capacidade de geração de caixa operacional, indicando um nível de alavancagem muito perigoso que pode levar a empresa a situação de insolvência”, escreveu o consultor.

A postagem logo viralizou entre grupos de produtores no WhatsApp e também em outras redes. Um advogado de Goiás, Leandro Marmo, do escritório João Domingos Advogados, especialista em direito do agronegócio, chegou a cravar em um vídeo no Instagram: “A Lavoro vai entrar em recuperação judicial. A questão não é se ela vai, mas sim quando ela vai."

Diante dos rumores, Cunha teve de acalmar investidores, clientes fornecedores, dizendo que tudo não passava de barulho.

O CEO da Lavoro precisou fazer até mesmo uma chamada de vídeo com 1,2 mil dos 3 mil funcionários da empresa para esclarecer a situação e uma nota foi divulgada ao mercado. Na entrevista ao AgFeed, ele reforçou seus argumentos.

"A nossa alavancagem não está nem perto daquilo que foi falado", disse. "No balanço, vai ficar mais claro o que estou falando. Eu diria que (a alavancagem) é da ordem de alguns múltiplos abaixo disso", afirma.

A Lavoro informou ao AgFeed que, considerando os dados de dívida líquida e de resultados reportados pela companhia, a alavancagem da empresa ficou em 3,5 vezes o Ebitda ao final deste ano-safra. Porém, no documento completo que foi apresentado à SEC (a CVM dos Estados Unidos) o índice de alavancagem aparece em 4,2 vezes o Ebitda.

Em comunicado feito ao final do ano-safra 22/23, a Lavoro havia destacado que "a estratégia da companhia é manter um indicador máximo de dívida líquida/Ebitda ajustado de até 2,2 vezes. Esse indicador não foi ultrapassado nos exercícios findos em 30 de junho de 2023, 2022 e 2021".

Vale lembrar que os covenants de endividamento do CRA de R$ 420 milhões emitido pela Lavoro no ano passado estabelecem um índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) abaixo de 2,5 vezes.

No começo do mês, uma reportagem da Bloomberg informou que a Lavoro estava buscando investidores como outras empresas e fundos de investimentos para fazer uma injeção de capital visando ter capital de giro.

Questionado pelo AgFeed se a informação procedia, Cunha disse que a Lavoro tem de fato mantido conversas com investidores, mas que o movimento não é recente.

“Desde que abriu seu capital, a Lavoro tem conversado com investidores. Se você me perguntar: “Vocês têm conversado com investidores e têm conversas em andamento?” A resposta é sim. “Vocês têm conversado com novos investidores?” Sim, temos conversado. “A Lavoro foi buscar um novo investidor agora, há dois meses, um mês atrás? Não. Não é isso, até porque não é assim que essas coisas funcionam”, afirma o CEO.

“A Lavoro vem conversando com investidores há algum tempo e eu acho que, em um momento certo, a gente vai poder falar um pouco mais sobre isso”, emenda.

Plano de retomada

Nem todas as notícias são ruins. Pelo lado positivo, Cunha destacou o crescimento da divisão industrial Crop Care, de produção própria de insumos agrícolas da companhia, que apresentou alta de 87% em sua receita, passando de US$ 121,2 milhões para US$ 150,7 milhões no período.

A unidade teve crescimento de 4% no lucro bruto, passando de US$ 54 milhões para US$ 56,1 milhões, ainda que o Ebtida ajustado tenha recuado de US$ 28,4 milhões para US$ 22,5 milhões.

“Ela ajuda a contrabalancear um pouco o desafio no varejo”, afirma o CEO da Lavoro.

Em 2025, a companhia vai se dedicar à melhoria das margens e da rentabilidade, ainda que isso aconteça de forma gradual, segundo ele.

“A pergunta é: 2024/25 é um ano igual ao que foi [a safra de] 2021/22? Não. Nem na empresa e nem no setor eu vejo uma recuperação em V, mas sim uma recuperação em U, com cenário de melhoria de resultados e de fundamentos”, afirmou o CEO da Lavoro.

A tendência de estabilidade dos preços dos insumos deve ser um fator que vai favorecer os resultados, na visão dele.

“Na verdade, o problema não é nem tanto qual é o nível de preço médio do insumo, mas as variações fortes ao longo do mesmo ano e isso não deve mais acontecer”, disse.

Os estoques também parecem estar em melhor situação, segundo Cunha. “A situação está bem mais ajustada no começo dessa safra do que no começo da safra anterior. É difícil dizer se está totalmente normalizada, tem regiões onde isso ainda não está totalmente normalizado. Mas diria que, na média, tende a estar em um nível muito mais ajustado, acho que essa é uma boa notícia”, acrescentou.

No curto prazo, no entanto, ainda existem desafios, segundo ele. Um deles é a liquidez no campo.

Os bancos, de acordo com Cunha, estão com uma oferta mais restritiva de crédito ao produtor, que acaba tomando menos financiamentos, sob taxa mais elevadas e, com isso, compra menos.

“Não é positivo para a revenda, não é positivo para o fabricante de insumo e certamente não é positivo para o produtor. Acho que esse efeito é temporário e tenderia a se normalizar à medida que todo mundo entenda que o produtor deve ter uma rentabilidade melhor esse ano”, afirma Cunha.

A estratégia de recuperação de margens da Lavoro deve envolver a otimização de processo e de custos, dentro de uma “agenda de eficiência”, segundo Cunha, que deve passar inclusive pelo fechamento de lojas – um fato novo na história da companhia, que vinha adquirindo vários pontos nos últimos anos. A Lavoro dizia, na última demonstração financeira, ter mais de 210 pontos de venda.

Cunha explica, no entanto, que o movimento não se trata de uma grande reestruturação, mas sim que a tendência não é de abertura de novas lojas – ainda que algumas unidades já planejadas continuem sendo abertas.

“Quando a gente cresce via aquisições e depois você vai abrindo lojas, você tem situações onde você tem lojas próximas. Quando você começa a analisar o contexto de mercado, você fala assim, não faz sentido eu ter duas lojas atendendo esse mercado”, explicou.

“Posso adiantar que (o fechamento de lojas) não é um negócio massivo, mas acho que deve nos ajudar a melhorar a rentabilidade como um todo”, emenda ele.